“Ando por todo o mundo com saudades de casa” / Nini Andrade Silva

Artista desde menina, Isabel quis ser Nini que quis ser designer. Um dia apaixona-se pela pintura, disciplina das artes que dá forma à “garota do calhau”, a.k.a. transposto para a fundação homónima nascida, há dois anos, na sua matriz. A mesma cidade onde abre as portas do primeiro atelier e, mais tarde, do segundo: Nini Andrade Silva. Um nome. Uma marca. Um reconhecimento dentro e fora de portas.

De traço inconfundível no universo do design de interiores, Nini Andrade Silva, nascida no Funchal, ilha da Madeira, de onde saiu para formar-se em design, no Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing (IADE), em Lisboa, fala das histórias contadas nos “seus” hotéis e no estilo “ninimalista”. A linguagem irreverente demarcada pela elegância e pelos detalhes com identidade própria, exaltados por distinções além fronteiras, que prestigiam a famosa designer de interiores que, este ano, se associou ao atelier Saraiva + Associados, uma fusão de sinergias designada por S+A Interior Design by Nini Andrade Silva.

Quando surgiu a vontade de criar?
Desde criança que fazia os desenhos das minhas amigas na escola. Levava muito trabalho para casa, porque tinha os desenhos das minhas amigas para fazer. Já em menina juntava ténis, t-shirts e cestas para vender, fazia os frascos para uma loja de lá… Estava previsto que era este o caminho que eu iria seguir.

O caminho que a conduziu para a criação de ambientes com uma identidade marcante no universo do design de interiores. Qual o seu estilo?
É o “ninimalista”. É o nome atribuído ao meu trabalho, porque quando alguém chega a um lugar e diz ‘isto foi a Nini que fez’ significa que tenho um estilo próprio. De facto, a única coisa que faço é ver o que os outros fazem, para ter a certeza que não faço igual. Tudo o que tem a ver com a natureza, como o fundo do mar, o imaginário infantil identifica-se com o meu trabalho.

“Quando tenho um trabalho gosto de chegar ao sítio e saber que histórias há sobre esse mesmo lugar.”

Esse mundo imaginário é transportado para dentro dos espaços assinados pela Nini Andrade Silva.
Quando tenho um trabalho gosto de chegar ao sítio e saber que histórias há sobre esse mesmo lugar. Por exemplo, quando tenho de fazer um hotel, como o da praça da Figueira [The Boutique Hotels Figueira], em Lisboa, o qual tinha de estar associado ao nome da praça, nada melhor do que fazer uma figueira dentro, em que a árvore “cresce” no interior até lá cima, como a história do “João e o pé de feijão”. na Madeira, o The Vine Hotel conta a história da ilha; em Bogotá, o B.O.G. Hotel é sobre o ouro e as esmeraldas… Portanto, tudo tem a ver com o imaginário, com as histórias das cidades, dos lugares, das culturas. Sobre a cadeia de hotéis Movich, na Colômbia – são sete –, foi preciso criar uma identidade. Para isso, viajámos por toda a Colômbia, que é fantástica, e inspirámo-nos no café para o hotel de Pereira; nas flores, para o de Medellín; no mar e na praia, em Cartagena; em Bogotá inspirámo-nos no chapéu vueltiao e no artesanato; em Cáli é a cana-de-açúcar… E assim mostramos aos colombianos – e não só – o que é a Colômbia. Na realidade, foi devido ao facto do B.O.G [Hotel] ter ganho tantos prémios que estes clientes nos contactaram.

Fala sobre um imaginário que se estende pelo mundo em sintonia com a enorme vontade de viajar, a concretização de um sonho que advém da adolescência.
É verdade. Sempre quis ser hospedeira de bordo ou artista de circo ou designer. No fim de contas sou as três coisas. De facto criamos espaços que antes não existiam, que estão no imaginário das pessoas, estamos constantemente a viajar de avião e sou designer.

Corredor do Vitória Stone Hotel, em Évora / Public toilet do The Boutique Hotels Figueira, em Lisboa
Lobby do B.O.G. Hotel, em Bogotá, na Colômbia / Quarto do Hotel The Vine, no Funchal, Madeira

Numa súmula que histórias contam os “seus” hotéis?
O Fontana Park [em Lisboa] é um parque, porque ali há o parque José Fontana, por isso tínhamos de fazer algo que tivesse a ver com o parque, daí o verde, as fotografias enormes de árvores, e é inspirado também na vida citadina, pois está no meio de uma cidade. O The Boutique Hotels Figueira tem a ver com a história da figueira, tal como disse atrás. O Hotel Teatro, no Porto, como tinha sido o antigo Teatro Baquet, foi inspirado num teatro, com uma homenagem a Filipe La Féria, que nos ofereceu fotografias, fatos… É uma espaço cénico, como o que estamos a fazer com o Saccharum Hotel Marina Resort &Spa, na Madeira, onde houve, em tempos, um engenho, por isso resolvemos criar um museu da cana-de-açúcar no interior. O The Vine fala sobre a história do vinho, dos carros de cestos da Madeira. O Aquapura [Douro Valley] é, por sua vez, o silêncio, porque os donos, na altura queriam um lugar muito calmo. No Brasil, temos o Enotel Porto de Galinhas, onde estão uns ovos enormes. Ah! E Évora, por cá. Quando cheguei a Évora, a dona do espaço disse-me que tinha de conhecer este sítio, espetacular, onde existem cromeleques que serviram de inspiração para o Vitória Stone Hotel. Da empresa de construção que o dono do hotel tinha fizemos camas, mesas, candeeiros… há pormenores feitos com andaimes, com placas de betão… há muito material aproveitado dessa empresa. A Quinta de Lemos é muito especial! Tem banheiras enorme escavadas na rocha… É um sítio mágico!

Há referências ou autores que “se envolveram” no seu trabalho?
Lembro-me que, quando comecei, gostava muito do [Phillippe] Starck, porque achava que fazia cenários – foi o ‘pai’ dos hotéis de design. Admirava muito o trabalho dele, mas tinha de criar o meu, não queria continuar a seguir o dos outros.

É esse conceito cénico que a Nini Andrade Silva transpõe para os hotéis?
Sim e é engraçado que, quando faço festas em casa, por exemplo, gosto das coisas fora do lugar – gosto de fazer um jardim dentro de casa e uma sala no exterior. Gosto de criar coisas diferentes, de criar impacto.

E nesse mesmo espaço o cunho da designer de interiores madeirense está sempre presente.
Está sempre! Os tapetes têm uma risca e há um calhau ou um seixo em algum lado. Trabalhei durante toda a minha carreira com o objetivo de um dia transformar a “garota do calhau” em algo muito especial – estou quase a chegar lá. Estou a criar o meu design center, porque já tenho tanto material, tantas peças… Em princípio será no Funchal, mas ainda não sei…

” Tenho uma equipa fantástica e são essas pessoas que fazem com que Nini Andrade Silva exista (…)”

Por onde anda, então, a “garota do calhau”?
Ando por todo o mundo com saudades de casa. E, felizmente, tenho amigos em todo o mundo, tenho uma vida cheia. Estou a treinar pessoas para seguirem o meu caminho e levo-as cada vez mais comigo para se inteirarem do meu trabalho. Tenho uma equipa fantástica e são essas pessoas que fazem com que Nini Andrade Silva exista porque, hoje em dia, Nini Andrade Silva é uma marca. A “garota do calhau” precisa de tempo. •

+ Nini Andrade Silva
© Fotografia: Ricardo Junqueira (fotos Nini Andrade Silva)