O “Tempo da Terra” da Herdade do Esporão

Alentejo. Os ponteiros do relógio circunscrevem o tempo com a tão desejada acalmia, para contemplar a paisagem tricotada de vinhas, o grande lago, a infinidade do horizonte da grande janela que rasga, de lés-a-lés, o restaurante de uma herdade com mais de duas décadas, onde o vinho e a gastronomia convivem, em harmonia, ora pela mão dos enólogos, ora pelo novo chef, Pedro Pena Bastos. Falamos da Herdade o Esporão.

O “Tempo da Terra”. Este poderia ser o título de uma peça de teatro a apregoar o que de tão bom a terra dá, para colher, para alimentar, para acicatar o palato de curiosos, amantes de um bom vinho e de gourmands, que buscam, incessantes, por experiências à mesa.

O certo é que o “Tempo da Terra” existe. Existe na vinha e no olival, nas adegas e nos lagares, no enoturimo e à mesa do Esporão, composto pela Herdade do Esporão, junto à cidade de Reguengos de Monsaraz, com 450 hectares de vinha e cerca de 80 com olivais, e com mais de quatro décadas de histórias para contar; e pela Quinta dos Murças, no Douro, com 48 hectares de vinha e cerca de seis mil pés de oliveiras de produção biológica.

Fiquemos pelo restaurante da Herdade do Esporão, onde os ciclos da natureza são acatados com apreço, à semelhança dos restantes lugares mencionados, o mote perfeito para a apresentação dos novos vinhos e do novo menu intitulado “Tempo da Terra”, este servido com os sabores da estação, tal como o faziam em tempos que não os de agora, desta feita, no Alentejo.

E por aqui, o respeito pela tradição combina com a abordagem contemporânea, a harmonização de sabores e o equilíbrio nutricional em cada prato. Um compromisso gastronómico assumido desde 1997 e assumido, há poucos meses, pelo chef Pedro Pena Bastos.

Novos vinhos. Novo chef. Nova carta

Teste 2.1, resultante da produção biológica, e Teste 3.1, de produção integrada, as boas-novas de Baco oriundas da Herdade do Esporão

Das vinhas para a mesa, a palavra foi dada, por sua vez, a Luís Patrão, o enólogo de vinhos tintos na herdade e na Quinta dos Murças, que apresentou dois vinhos feitos a partir da mesma casta – a vermentino, uma casta branca originária do sul de Itália –, plantada em dois talhões, dispostos lado a lado, cuja vindima e a vinificação foi registada no mesmo dia; o que varia é o modelo agrícola, uma vez que num a produção é biológica, “para a qual estamos a caminhar” e no outro a produção é integrada, “mais sustentável do que a agricultura convencional”, segundo palavras de António Roquette, responsável pelo enoturismo da Herdade do Esporão. Um ensaio curioso que vale a pena experimentar.

O chef Pedro Pena Bastos, que assina o menu “Tempo da Terra” do restaurante da herdade

Falemos sobre o novo chef: Pedro Pena Bastos, natural do Porto e com pouco mais de 20 anos. Apesar da idade, o jovem chef denota perspicácia e sabedoria na cozinha, e simplicidade e harmonia à mesa. Adjetivos que abordam um trabalho em crescendo, dizemos nós, se quisermos comparar com a primeira experiência à mesa do restaurante da Herdade do Esporão em outubro de 2014, quando o jovem chef se habituava, ainda, à gastronomia do Alentejo.

Entre pratos e receitas constam os ingredientes que a terra da herdade dá aos cozinheiros do restaurante da casa. Na lista estão os hortícolas, a fruta e as ervas aromáticas, e há também o porco preto criado no montado da herdade. Da região vão outros produtos que fazem jus à cozinha alentejana, como os queijos, o peixe e os lagostins do rio, e as carnes de caça, da época da caça, que por lá chegam pelas mãos de produtores locais, a começar pela manteiga que é, nada mais, nada menos, do que uma emulsão de manteiga batida com azeite e azeitona desidratada pelo chef Pedro Bastos, sem esquecer os azeites, quatro ao todo – o galega, o blend DOP moura, o seleção e o cordovil – um desfile de sabores, que vão desde o mais adocicado ao mais picante de boca, porque não nos esqueçamos que, na Herdade do Esporão, o azeite também é rei.

Miso, foie gras e maçã verde

Mas voltemos ao menu “Tempo da Terra” e às harmonizações, o qual começa com miso, o snack de crocante de cevada, pérolas de maçã verde, foie gras e creme de miso e ovo, para acicatar o apetite na companhia de um Monte Velho branco 2014, concebido através das castas rabo de ovelha, arinto e roupeiro, e provados ao ar livre, num início de tarde soalheira em pleno Alentejo.

Cabeça de xara, alho preto, couve lombarda e avelã

À entrada do repasto, a cabeça de xara – terrina de porco, que retrata o legado das gastronomia francesa aquando das invasões francesas em Portugal – deu mostras de bem fazer por parte do chef que, para acompanhar esta iguaria, escolheu a couve lombada, o gel de vinagre de salvia (planta medicinal) e os crackers e laminas de alho preto a contrastar com a avelã – torrada e em creme –, o óleo de coentros e as mizunas negras. A harmonização coube ao Teste 2.1, de produção biológica. Um novo néctar de Baco da Herdade do Esporão a provar no restaurante ou levar para casa e partilhar com os amigos.

Lúcio-perca, ramen com presunto 40 meses DOP Barrancos e folhas tenras

Seguiram-se as honras feitas pelo lúcio-perca, um peixe de água doce que Pedro Pena Bastos acompanhou com ramen (caldo de peixe e de porco) com presunto com 40 meses de cura de Barrancos DOP, aromatizado com erva príncipe, alho e tomilho limão, creme de nori (alga marinha), chalotas fritas e folhas de favas e ervilhas, sabores da terra perfeitos na combinação com o protagonista deste prato. Do lado do vinho, desta vez foi apresentado o Teste branco 3.1, a versão concebida a partir da casta vermentino plantada e colhida no talhão de terra de produção integrada.

Porco preto HE, mil folhas de batata, levístico, morcela e borras de licoroso

Criado na Herdade do Esporão, o porco preto foi rei no prato de carne composto por cachaço de porco preto, mil folhas de batata e copita de porco alentejano que tão bem combinaram com o puré de levístico, graças ao sabor picantes desta erva, e com o tomilho, o estufado de morcela, maçã verde e curgete, a curgete grelhada, o jus de porco com alho preto e a emulsão de borras de vinho licoroso, tendo estas sido “desidratadas” e usadas para “potenciar o sabor do porco”, explicou o chef. A Baco coube, por sua vez, um Quinta dos Murças Reserva tinto 2010, feito a partir das castas, sousão, tinta amarela, tinta barroca, tinta roriz, touriga franca e touriga nacional, que casou, e muito bem, com o prato de porco preto recriado por Pedro Pena Bastos.

Antes da sobremesa, e “para limpar o palato”, veio a camomila, um semifrio feito à base de mel e desta flor colhida na herdade, a qual foi, depois, desidratada, pois há que “aproveitar o que a primavera nos dá”, nas palavras do chef. À camomila, juntou-se o granizado de tangerina, gel de leitelho (líquido que se obtém quando a nata é batida para fazer manteiga), crocantes de levedura e malte de cevada.

Beterraba amarela, alperce, avelã e noisette

Boas razões para iniciar a prova do Late Harvest HE 2013 que entrou em harmonia com a beterraba amarela, a sobremesa criada por Pena Pena Bastos, a qual foi desidratada e colocada sob cubos de bolo de manteiga noisette na companhia de uma mousse de chocolate branco torrado, sorbet de alperce e hortelã, gel de alperce seco, pó de ervas e crisântemos. “Produtos da terra que são trazidos para a carta”, com o intuito de “transmitir a natureza de forma natural, indo mesmo à raiz e explorar os produtos das nossas hortas”, rematou o chef.

No fim do repasto, composto por seis dos muitos prados do menu, e já ao ar livre, as gomas de vinho tinto e as trufas de chocolate fizeram as delícias dos gourmets e gourmands presentes nesta viagem pelos sabores alentejanos.

Por agora, brindemos ao tempo que a terra nos dá. •

+ Herdade do Esporão
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: Planta da Herdade do Esporão, no Alentejo, da autoria do designer Eduardo Aires

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