Um Postcard(s) escrito do Líbano

Do Líbano, chegam-nos Julia Sabra (ukulele, bandolim, guitarra e voz), Marwan Tohme (guitarra e coros), Pascal Semerdjian (bateria, harmónica e coros) e Rany Bechara (baixo, teclas e coros). Todos juntos, numa palavra, são Postcards.

Imagine o prazer de escrever e enviar, ou de receber na caixa de correio, um postal escrito, à mão, com um selo bem carimbado. É este o sabor da folk que nos chega com o quarteto libanês com quem tivemos uma breve conversa, (num postal o espaço não é infinito), com um carimbo de Beirute. Sem demoras nos correios, que se escreva a conversa falada rematada com os concertos alinhados.

Postcards. Estou diante, apenas e só, de um buscar do nome ao álbum que admiram “Postcards from Italy”, dos Beirut, ou poderei encontrar uma ligação à ideia romântica de receber um postal, nesta era digital, na minha caixa de correio? No entanto, para mim é justo. Eles carregam o nome da vossa cidade e vós parte do seu álbum. 
Bom, na verdade, é uma mistura dos dois. Quando escolhemos Postcards, à primeira, foi basicamente um pouco ao acaso, porque conhecíamos a música dos Beirut de modo que a palavra surge daí. Todavia, também tomámos consciência que tinha essa carga sentimental e sentimos que encaixava perfeitamente na música que tocávamos e tocamos.

Posso dizer, e não troquem as minhas trocas de palavras, que é muito “folk” enviar um postal nos nossos dias e, por tal, o vosso nome assenta-vos como uma luva?
Sim, exatamente! (risos). Nunca pensámos verdadeiramente nisso, nesse sentido, mas facto é que tanto a nossa música como o nosso nome remetem para o “folk”.

Quem são os Postcards para quem nunca cruzou o vosso caminho, para quem nunca ouviu falar deste quarteto libanês?
Somos quatro jovens, na casa dos vintes, com uma paixão assumida pela música e que escrevem canções dreamy-pop-folk inspiradas na música folk inglesa e americana.

Sendo bastante novos na cena musical, começaram há dois anos se não estou em erro, como descreveriam a vossa folk?
Ainda não está completamente definida, a música mudou desde o nosso primeiro EP “Lakehouse”. Ao início era muito “pop-py” indie folk, alegre e com sabor a verão, mas o nosso segundo EP – “What Lies So Still” – é mais sombrio, sonhador e menos optimista. Ainda estamos a procurar encontrar o tipo de indie folk a que deve soar o folk Postcards, mas “What Lies So Still” é, definitivamente, a direção que estamos apostados em seguir. Um amigo descreveu o nosso primeiro EP como “one-dimensional/ one-layered” e o segundo como “multi-layered”, o que realmente se aplica musicalmente, e a definição “multi-layered” é aquela em que estamos mais interessados.

Como é que o Líbano vos moldou, fez de vós o que são hoje? Musicalmente falando, claro.
O Líbano é um sítio louco para se viver. É tão pequeno e ao mesmo tempo tão cheio de seitas, religiões; é um pais de contrastes e contradições. É caótico e quase tudo parece temporário. Assim, a nossa música é na verdade uma espécie de escape a tudo isto. Como vivemos maior parte do tempo fora da cidade, o nosso espaço de trabalho fica nas montanhas, temos a possibilidade de nos afastarmos do caos. A música não é, então, um reflexo da vida no Líbano, mas um escape disso mesmo… ou talvez um reflexo de uma possibilidade no futuro. O aspeto sonhador e vago da nossa música é porque nos sentimos apertados e, de certo modo, claustrofóbicos aqui.

O Líbano é um sítio louco para se viver. É tão pequeno e ao mesmo tempo tão cheio de seitas, religiões; é um pais de contrastes e contradições. É caótico e quase tudo parece temporário. Assim, a nossa música é na verdade uma espécie de escape a tudo isto.

Digam-me, a mim que nunca visitei o Líbano, como é que a música flui, como é que ela vos inspira, vos dá esperança… Como é ser músico, em Beirute?
Há momentos em que nos satisfaz imenso porque, e reforçando, Beirute é uma cidade tão pequena que não existe muita competição e acaba por ser bastante fácil “fazer acontecer”, e nós temos uma plateia bem entusiástica. Mas, por outro lado, muitas vezes é frustrante porque não temos um futuro real, não podemos viver apenas de música no Líbano e juntemos ainda o facto do nosso estilo de música estar a tornar-se cada vez menos “dançável”, o que acaba por afastar grande parte do público, por aqui.
Ah! se soubessem que não só aí não se vive só da música…

Ainda à volta do mesmo ponto, mas mais ao pormenor, é fácil ir em tour no Líbano?
Um detalhe sobre o Líbano é que o país é mesmo tão pequeno que não fazes, verdadeiramente, uma tour. (Risos). Quase tudo acontece na capital e, ocasionalmente, podes dar um concerto em Byblos ou Batroun, e até talvez em Tripoli, mas é principalmente em Beirute que tudo se passa. Depois, como tocamos um folk do ocidente, em inglês… não conseguimos chegar a uma grande parte da população. O público apoia-nos muito e temos os nossos fãs, mas é tudo muito reduzido. Não podes dar mais do que três ou quatro concertos, num ano, doutro modo o público vai aborrecer-se.

São todos de Beirute? Sei que dois são primos. E o resto da trupe, como é que acabaram juntos nos Postcards?
Tecnicamente, só a Julia é de Beirute. Eu (Marvan), o Rany e o Pascal somos de um distrito que, para te dar uma ideia, fica a mais ou menos 35 minutos de carro de Beirute, mais acima, nas montanhas. Rany e Pascal, os primos. Rany um colega de escola com quem costumava brincar nas imediações da escola e todos conhecemos a Júlia através de um amigo em comum, no verão de 2012, enquanto acampávamos na praia.

Como é que foi ser a banda de suporte dos Beirut (e outros)? Como descreveriam a experiência?
Foi, definitivamente, um dos pontos altos de estarmos nos Postcards. Beirut é uma das primeiras bandas a que nos ligámos; as primeiras músicas que tocámos eram covers de músicas deles e sempre fomos grandes fãs do seu trabalho. Esperámos cerca de seis meses para ter a confirmação que iríamos abrir um concerto deles e quando soubemos… foi um sonho tornado realidade. Também tivemos a sorte de os conhecer, são incrivelmente humildes e simpáticos.
Este verão de 2015 abrimos concertos de Angus & Júlia Stone e foi muito bom, já que eles eram uma das bandas que também ouvíamos muito. Estamos esperançados que isto se torne uma regra, a cada novo ano abrir concertos das nossas bandas preferidas!

Um primeiro EP sob o nome “Lakehouse” (2013). Um refúgio que mantiveram em segrado nas “Sleepless Nights” ou nada disso? O que está por detrás do nome?
O nome vem da primeira música homónima do EP, que foi inspirada numa casa do lago (Lakehouse) onde o Pascal viveu, durante umas semanas, num verão na Alemanha. Por isso, não foi onde escrevemos o EP. Infelizmente, o Líbano não tem muitos lagos… Escolhemos dar o nome de “Lakehouse” ao EP porque fazia sentido com todo o espírito e conceito do EP, tendo a natureza uma grande parte nele, tal como a serenidade e a felicidade, perfeitamente representadas pela vida numa casa de um lago.

Novo EP, “What Lies So Still” (2015). Têm “Origami”, “Walls”… Dizem que estão “Travelling North”. Seis capítulos/músicas. Que estórias nos estão, e.g., nestas três músicas a contar?
Cada música tem um diferente significado, mas num certo sentido há um tema comum de viajar e partir, e descobrir “what lies so still”. “Origami” é uma espécie de reflexão sobre o que se esconde atrás das coisas negativas na vida, “Walls” é basicamente uma canção sobre o fim de uma relação e “Travelling North” é sobre a admiração que sentimos pela natureza, e a tomada de consciência que estamos apenas de passagem enquanto a natureza é eterna.

Foi, definitivamente, um dos pontos altos de estarmos nos Postcards. Beirut é uma das primeiras bandas a que nos ligámos, (…) sempre fomos grandes fãs do seu trabalho. Esperámos cerca de seis meses para ter a confirmação que iríamos abrir um concerto deles (…) foi um sonho tornado realidade. (…) Estamos esperançados que isto se torne uma regra, a cada novo ano abrir concertos das nossas bandas preferidas!

A título de curiosidade, têm ou pensam ter algum instrumento tradicional do Líbano nas vossas músicas folk?
Não é uma opção neste momento, já que o nosso estilo está muito enraizado no folk tradicional inglês e americano. Para nós, também é um pouco cliché entrar no universo da fusão e talvez soasse mal se não fosse muito bem tocado e muito especifico para uma determinada música. Os instrumentos tradicionais libaneses têm um som muito característico.

Para quando um LP com o vosso selo?
O próximo passo será, muito provavelmente, um LP. Se tudo correr bem, teremos um álbum no final de 2016.

Para terminar e a propósito da paragem por Portugal, têm alguma banda portuguesa na vossa playlist? Vão partilhar palco com algum músico português?
Nós conhecemos os Time for T… se eles contarem como portugueses.
Sim, contemos como portugueses.
Nós conhecemos os Tiago em Brighton, no ano passado, e até tocamos juntos num concerto. Em maio, quando estivemos aqui, um amigo português tinha um álbum muito bom no carro de uma banda folk portuguesa, os Minta & The Brook Trout, que adorámos. E é tudo. Mas se tiveres sugestões… adorávamos ouvir!
Dar-vos-ei off the record. Creio que vão gostar.
Por agora não temos nenhuma colaboração com músicos portugueses, apesar de na nossa última tour o Rany não ter podido tocar e então tivemos o talentoso André Galvão (Voodoo Marmalade e Let’s Folk) a tocar connosco.

E assim se escreve um breve postal com um jovem quarteto libanês que pode descobrir ao vivo, em Portugal, nas seguintes datas alinhadas (que também já falámos aqui):
25/09, 21h30 – FNAC Vasco da Gama, Lisboa.
26/09, 23h00 – Quina das Beatas, CAE Portalegre.
27/09, 20h30 – Mercado da Vila, Cascais.
28/09, 21h30 – Museu Nacional Grão Vasco, Viseu.
29/09, 21h00 – Espaço Compasso, Porto.
30/09, 22h00 – Salão Brazil, Coimbra.
01/10, 18h50 – Encontros com a Música, Sta. Maria da Feira.
02/10, 22h00 – Sé la Vie, Braga.
03/10, 22h00 – Ginjal Terrasse, Almada.
04/10, 19h00 – Pensão Amor, Lisboa.

A ouvir. A ir e… envie um postcard a alguém! •

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© Fotografia: Myriam Boulos.
© Vídeo: Postcards, “Oh The Places We Will Go” – The Clockwork Owl Sessions.

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