Paul Ivic: “Temos de mudar de atitude e focarmo-nos na qualidade e nos vegetais orgânicos”

É austríaco, está há cinco anos à frente da cozinha do TIAN, em Viena, Áustria e, na noite de 20 de Outubro, a primeira da Rota das Estrelas no Vila Joya Boutique Resort, em Albufeira, mostrou quão versátil pode tornar-se um repasto protagonizado apenas por vegetais e fruta.

Pimento, alperce e azeitona, o trio que abriu o jantar de Paul Ivic na Rota das Estrelas, no Vila Joya

Para abrir a Rota das Estrelas no Vila Joya, Dieter Koschina, o chef austríaco que lidera há 25 anos no restaurante homónimo, convidou o conterrâneo Paul Ivic que, em 2012, decidiu aceitar um desafio: adaptar a cozinha ao seu estilo de vida. Foi o que aconteceu no TIAN, o restaurante de comida vegetariana com uma estrela Michelin em Viena, capital da Áustria onde, com a mesma equipa desde há cinco anos, tem vindo a renovar a estrela Michelin conquistada em 2013, a prova de que cozinhar vegetais está para além do saudável e da sustentabilidade. É “o caminho para o futuro da cozinha”, afirmou.

Porque escolheu ter um restaurante focado apenas na cozinha vegetariana?
Há uns anos decidi que precisava de um novo desafio e procurei saber o que gostaria de fazer, para onde gostaria de trabalhar e que ingredientes gostaria de trabalhar. Por isso, lembrei-me ‘porque não cozinhar apenas vegetais?’ Muitas pessoas questionaram a minha decisão, porque achavam que não deveria fazê-lo. Mas porque não? Os vegetais são excelentes ingredientes, têm sabores maravilhosos e eu sempre quis trabalhar a Natureza, porque Natureza é vida. Portanto, decidi desenvolver um restaurante com cozinha vegetariana.

A decisão foi criar um conceito ou é uma filosofia de vida do chef?
Os chefs querem trabalhar ingredientes da mais alta qualidade e isto é um desafio, mas é também o caminho para o futuro da cozinha. Há quem considere que cozinhar vegetais é aborrecido, mas a Natureza é tudo, menos aborrecida. Esta é a razão pela qual eu quero continuar este trabalho, porque vejo-o como uma necessidade, porque não haverá comida suficiente para todos no futuro e o problema está na indústria da alimentação que está a destruir o planeta através da utilização de herbicidas, pesticidas, medicamentos, hormonas, os quais não respeitam o planeta nem o ser humano. Penso que temos de mudar de atitude e focarmo-nos na qualidade e nos vegetais orgânicos.

Como podemos fazê-lo?
Não precisamos de peixe de aquacultura, é preferível comprar peixe a um pequeno pescador, para termos a certeza de que se trata de um produto de qualidade e que não foi capturado com redes enormes. Com a carne passa-se o mesmo. A maioria da carne vendida está doente.

Há muitos vienenses que vão ao seu restaurante ou são mais os turistas que o procuram?
É 50, 50. No entanto, os vienenses mostram-se mais reticentes em relação à comida vegetariana.

Qual a razão para essa atitude?
Porque estão à espera que haja carne ou peixe. Temos, por vezes, pessoas que, ao verem o menu, perguntam: ‘ Não há carne?’ Ou ‘não há peixe?’ E como não há, vão embora. Este é reflexo das pessoas, porque temos medo das coisas novas, do desconhecido, o que não é bom. Deveríamos ser mais curiosos e estarmos mais abertos à descoberta de novos produtos e de novos sabores.

Qual seria o melhor caminho para passar a mensagem de que esta cozinha é crucial para a vida humana?
A saúde está sempre ligada a produtos da mais alta qualidade. Nos livros sobre saúde, os vegetais e as ervas estão sempre bem presentes, assim como a fruta e as especiarias. Não estou a dizer que deveríamos deixar de comer peixe e carne. As pessoas devem comer o que querem, mas para se ser mais saudável, não é necessário comer peixe nem carne todos os dias, porque esta carne e este peixe que compramos não tem valor. É lixo! São alimentados com hormonas e antibióticos. É isso mesmo que querem? Querem ficar doentes? Querem que os vossos filhos comam produtos com hormonas? Acho que não. O mesmo acontece com os vegetais, onde são usados herbicidas. Quando uma criança vai a um supermercado compõe o seu próprio cocktail de hormonas. Portanto nós, os chefs, temos responsabilidade para mudar esta mentalidade juntos. Temos de aceitar de que, para a sobrevivência da espécie humana, é crucial a diversidade, porque este é a melhor maneira de experimentarmos coisas novas. Gosto de vir a Portugal e sentir os sabores e as pessoas de cá. Não quero vir cá e sentir que é tudo igual à Áustria.

Dieter Koschina, chef do restaurante Vila Joya, Joy Jung, a anfitriã do Vila Joya Boutique Resort, e Paul Ivic, o chef convidado

É importante que um chef partilhe esta mensagem de preocupação a respeito da saúde das pessoas? Como podem os chefs fazê-lo para lá da criatividade?
A diversidade e os produtos orgânicos são, de facto, importantes. Um chef dever-se-ía lembrar porque razão veste uma jaleca branca. É uma analogia à bata branca dos médicos, porque conhecem os ingredientes e a forma como devem ser trabalhados. Por isso, deveríamos mostrar às pessoas como devem ser confeccionados e para que fim devem ser utilizados, ou seja, temos a responsabilidade em transmitir esse conhecimento, assim como também têm responsabilidade para apoiar os fornecedores que têm os melhores produtos e com maior qualidade.

Quando começou a estudar cozinha, foi essa mensagem que lhe transmitiram, de que os chefs são como os médicos, ou quase, em matéria de conhecimento do que aos alimentos diz respeito?
Quando me foi diagnosticado um problema cardíaco, os médicos disseram-me que tinha de tomar medicamentos, caso contrário viveria apenas mais três meses. Mas para mim uma coisa que é para mim muito importante é de que ninguém deve dizer o que tenho de fazer – quero ser livre e independente no que toca à indústria ligada aos medicamentos. Por isso lembrei-me da razão pela qual quis tornar-me chef e li muitos livros acerca dos ingredientes. O certo é que já passaram sete anos e o meu coração está óptimo! Sem drogas, sou independente! Sou-o também porque aprendi a “ouvir” o meu corpo. Se o fizeres, saberás o que se passa com o teu corpo e percebes o que é e o que não é bom para ele. Em suma, comida é partilha e é cuidar.

O TIAN não tem um conceito. É uma filosofia de vida do chef?
Não é porque se trata apenas de comida vegetariana ou vegan. Quero partilhar, isso sim, quão importante é que todos nós devamos comer comida de qualidade. É apenas isso. Quando como peixe, procuro comer peixe de mar, porque é livre e não é alimentado com hormonas, como acontece com o de aquacultura. É isto que quero partilhar, as pessoas têm de perceber que a comida é muito importante, mas o corpo e a alma, assim como a comida, têm de estar equilibrados. E isso é possível com a Natureza, mas há que se sentir feliz quando o faz! A qualidade não é cara. Caro é quando tens seis anos e os próximos 20 estás doente e, por isso, tens de te medicar. Isso sim, é que é caro. A comida de qualidade sacia, ao contrário da junk food, com a qual duas horas depois estás novamente com fome.

Beterraba, mela, levedura, um dos pratos da noite do nosso entrevistado

O desperdício zero é um dos mandamentos da sua cozinha.
Uma parte da minha filosofia é não desperdiçar. Para isso, é preciso ser-se criativo e saber como preparar e cozinhar tudo o que há num alimento. É um processo difícil, mas interessante.

O facto de o restaurante ter conquistado uma estrela Michelin, significa que o próprio Guia Michelin está mais aberto à mudança?
Na minha opinião, a Michelin procura restaurantes com comida de qualidade, daí que não seja necessário que tenham carne e peixe para conseguirem a estrela. Quando obtivemos a estrela Michelin, parece que as pessoas passaram a estar mais receptivos, deixaram de ter tanto receio a respeito à nossa cozinha. Portanto, foi também muito saudável para o nosso negócio e muito útil, porque as pessoas confiam em mim, o que é bom. Além disso, como chefs, gostamos de surpreender as pessoas. Em suma, a estrela Michelin é uma boa maneira de mostrar que a nossa cozinha é de qualidade.

Em Portugal há muitas pessoas que procuram este tipo de menus em restaurantes.
A sério? Os chefs deveriam ver as vantagens que existem quando cozinham vegetais, sem dar protagonismo à carne nem ao peixe, porque um vegetal de boa qualidade é uma estrela. Não é preciso mais nada! Os bons chefes, como Hans Neuner, Benoît [Sinthon] ou Dieter Koshina têm capacidade para fazer maravilhosos pratos cem por cento vegetarianos, porque são chefs que demonstram paixão pelo que fazem e um chef com paixão serve-lhe a melhor comida! •

+ Vila Joya Boutique Resort
Legenda da foto de entrada: Chef Paul Ivic e chef Dieter Koschina, o convidado e o cicerone, respectivamente

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