Alexandre Farto a.k.a. VHILS

Alexandre Farto, let’s talk about Vhils!

Vou nas ruas, atravesso caminhos, perco-me constantemente dou volta a quarteirões, a olhar para pormenores de ontem, de arquiteturas passadas e abandonadas. Vejo vãos guarnecidos com cantaria oitocentista, tapados. Relembro esgrafitados e tonalidades de antigamente, sinto rebocos como já não há, espreito alvenarias várias que guardam segredos, passo a mão e… afasto-me. Paro. Afasto-me mais um pouco. A minha vulgar arquitetura tem algo mais a dizer, hoje. Mudaram-lhe a face e deram-lhe um rosto.

Tedex – Aveiro, by Smart Bastard, 2012.

É ele que dá à minha arquitetura nova leitura, escavada, nova imagem de arte que a minha mão sentiu. Deixo o rosto, vou para casa. Adormeço e acordo a pensar: se eu escavasse o nome Vhils que encontraria eu?… Depois penso: eu construo e ele, sem eu ver, procura deslindar, com arte, as camadas do erigido. Pintura, primários, rebocos, alvenarias. tudo é quase despido, tudo é repensado e escavado. A paredes já não são meras paredes, a minha mão sabe disso. Será Vhils um palimpsesto a funcionar às avessas? E o que não é um palimpsesto contemporâneo se não uma leitura de memórias acumuladas. Vhils é o esgrafitado de um estrutura chamada Alexandre Farto.

VSP – Porto, by Leonor Viegas, 2010.

Não creio que seja outra coisa. A cabeça não pára quando sinto rostos, leio sentidos e sentimentos, e cismo com a intensidade criativa: será o leve martelo pneumático que traça aquela mão forte que embala segura, na torre das ameias, a criança? Ou será o pesado martelo que desenha a leve mão. Em última análise indago se é o leve Vhils que traça, com métodos fortes, retratos intensos Fico-me pela última, Vhils é a criatividade duma ideia, os métodos e a matéria a intensidade… E de novo, a persistente dúvida.

Diorama Show – Lisboa, 2012.

Esquadrinho quem começa no comando, quem manda em quem nos entretantos, quem vence no fim. Há um artista de mão firme, uma ideia magistral, ferramentas para a ideia ser exequível e uma “folha de papel”, a minha parede – senhora despida de forma surpreendente, de sua pintura e seu reboco – e tudo se finda num novo rosto, mensagem emotiva. Quem mandará em quem em tão singular ato criativo. A mão, a ideia, a ferramenta, a folha de papel? Variável. É tudo variável com a arquitetura, o papel ou a madeira que sustentam a ideia. Os materiais falam, criam e ditam o rosto final, numa dança de variáveis inesperadas, onde afinal eu ainda sou parte criativa, com a minha arquitetura efémera, mutante.

Walk’n’Talk – São Miguel – Açores, edited Rui Soares, Vhils, 2012.

Algo me sussura que não consigo evitar. Vou ter de chamar o Gauguin para este falar alto: “De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?” Penso nisto quando leio que nesta forma de arte há uma busca determinada, metafórica, para encontrar respostas às questões de Paul. Somos arquitetura de cidades, feitos de camadas. Somos efémeros mutantes e tudo questionamos. Se as paredes falassem creio que Vhils teria parte da resposta. É verdade constatada que os materiais falam e Vhils entende o seu dialeto, sabe o que lhe dizem e o que lhes dizer, por isso tem esta relação assumida, firme. Um dia, se tiver coragem, procuro-lhe a resposta…

Action in Shanghai, 2012.

Para já, a mão tem na memória as paredes tateadas, o velho e o novo, o muro sem dono, as ruas transformadas. O velho que se torna, pela arte, em novo. O novo que se torna, pelo método, em velho. O muro que ganha dono, por tempo indefinido, com rostos de cinco letras. As ruas que são mutantes de Vhils, num ritmo que poderá ser eterno, acompanhado dum gesto, efémero. Volto a sair, para avivar a memória. Percorro a rua com a mão a tocar na parede. tateio à espera que ela, a mão, leia um novo Vhils, num quarteirão da minha cidade. •

+ Mutante 14