Perfil de Paisagem / Gonçalo Ribeiro Telles

Entre portas e paredes, vãos e desvãos, aduelas e rodapés, alvenarias e betão… sou eu entre arquiteturas que me moldam, que vivem em mim, são parte de mim. Porém, pelos vãos envidraçados, a paisagem construída diz-me, a cada estação, que também é arquitetura, é arquitetura paisagista e eu, eu chamo-lhe Gonçalo Ribeiro Telles.

Lente, arquiteto paisagista, político. As três por igual. Não é mais uma ou outra, se calhar, até pode ser mais… É, aos meus olhos, um homem único onde os caminhos trilhados são indissociáveis e quase ouso chamar-lhe poeta da paisagem, filósofo do espaço, maestro dos jardins, mas vou conter-me e ficar-me pelas três primeiras.  Não consigo. Acrescento que é movimento e cidade feita de paisagens construídas, num país onde Lezírias deviam ser sempre poemas.

Traça arquiteturas com fundações em raízes, pilares em troncos e tetos de folhas. Faz mapa de acabamentos com flores e não há telas finais sem água pensada. Ensina-me que arquitetura paisagista “é arquitetura que tem vida em si mesma”, pois a minha arquitetura tem vida, alberga-a, acolhe-a, mas a paisagista é, ela própria, respiração. Definição tão simples, tão sábia.

Vê a natureza como “obra de Deus, digamos assim se quisermos, mas a paisagem, que é a forma da natureza, é obra do homem” e o homem, define-o como “construtor de natureza por excelência, criando a paisagem. É nela que está a obra do homem e onde está a sublimação da natureza”. O resultado torna-se lógico no mundo orgânico, quando o homem cria paisagens belas a natureza é exaltada, por isso ele, o homem sem o qual a estrutura verde não tem sentido, deve “ser ensinado a olhar e a vivenciar o espaço, a construir paisagem respeitando e aplicando a natureza”. Vamos sempre querer a busca incessante do belo natural, nestas urbes rodeadas de um betão que cresce desenfreadamente, numa propagação do artificialismo da matéria que tantas vezes se esquece do balanço necessário e premente, da coexistência obrigatória e vital, com a paisagem construída… 

E não me contive, precisava de arriscar na pergunta mesmo tendo a certeza da resposta, para ele “não há árvores especiais”, tal como as flores são todas belas, nas flores  “porque têm a ver com o fim de um ciclo de vida”. Tudo é parte dos nossos jardins, daquela paisagem construída que vemos além, no cimo da colina, num jardim composto por três partes, na Capela de São Jerónimo, no Restelo, jardim que destaca como especial e onde trabalhou, deixando lá a sua assinatura. E será possível dizer o seu nome sem viagem imediata por Gulbenkian, Monsanto, Jardim da Amália, Parque Eduardo VII, Plano Verde de Lisboa? E as bem-vindas leis de 1987, a RAN, a REN? Não creio e quem disser que sim, mente. São sinónimos de Gonçalo Ribeiro Telles. São trabalhos que ressoam na minha memória sensorial, lembram cheiros, degradês de verdes e uma palete sem fim de cores que a natureza oferece à paisagem. São leis, tantas vezes ignoradas, mas que a mim me guiam, que me regem o traçar, que me conduzem o trabalho no território onde ergo as portas e paredes, vãos e desvãos, aduelas e rodapés, alvenarias e betão…

Gonçalo Ribeiro Telles, prémio Sir Geoffrey Jellicoe 2013, o Nobel da arquitetura paisagista, é indiscutivelmente, perfil de paisagem portuguesa, a paisagem que, pelos vãos envidraçados, me oferece cantigas de amigo e me convida a sair.

© Ilustração: Sara Quaresma Capitão

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