A experiência é vivida com intensidade numa quinta. Onde o Douro é sinónimo de tradição, de pessoas, de genuinidade, de gastronomia, de vinho… de tempos idos e da contemporaneidade dos tempos. A norte.
A paisagem ornamentada por socalcos traçados pelos saberes ancestrais da mão humana emerge do vale profundo rasgado por um rio que, segundo as estórias da história contada nas minhas primeiras instruções letivas, atravessou o país, desnorteado e feio, alheio às suas origens, até desaguar na foz de encontro com o grande Atlântico. Em sinal de protesto, refuto com adjetivos sinónimos de beleza, esta sim, imensa, graças à grandiosidade de um Douro dono de um quadro encantador, cujo leito banha o terroir de centenários vinhedos verdes entrecortado pelos tons terra, que presenteiam os deuses, e os homens, com um vinho a preceito, feito a partir de castas portuguesas, colhidas à moda antiga. Na encosta do vale tomado, lá no fundo, pelo Corgo, e enaltecido pela fusão do xisto com o amarelo torrado do casario, cenário que compõe a quinta datada de 1716, pertencente a Dona Antónia Adelaide Ferreira, e cujo nome preserva até à data, com a excelência dos tempos: a Quinta do Vallado.
A manhã vai a meio quando chegamos ao destino assinalado no mapa da era digital num dia em que o calor não dá tréguas. Num lugar onde o passado e o presente se conjugam com sabedoria e uma elegância irrepreensíveis de um legado com uma história contada há seis gerações. E de onde a vista embala a alma com uma paisagem protagonizada pelo vinhedo, que se estende até ao infinito, envolto num silêncio que me apraz enaltecer, no coração do Douro. A região vinícola demarcada mais antiga do mundo, título decretado pelo Marquês de Pombal, em 1756.
De linhas direitas, depuradas, o novo wine hotel Quinta do Vallado remete e excelência do produto português para o exterior, revestido a xisto, a matéria nobre da região, assim como o pinho e o carvalho portugueses, que compõem o ofício do carpinteiro no edifício assinado pelo arquiteto Francisco Vieira de Campos. O interior da casa está decorado a preceito, com distintas peças de mobiliário vintage nórdico, escolha criteriosa dos proprietários – João Álvares Ribeiro e Francisco Ferreira, descendentes de Dona Antónia Adelaide Ferreira – em consonância com o conceito do arquiteto e coordenadas com as fotografias a preto e branco das paisagens marcantes do Douro e do Douro Superior, da autoria de Guilherme Álvares Ribeiro, pai de João Álvares Ribeiro. Detalhes que rimam com a arquitetura ímpar e funcional, sem esquecer a lareira da acolhedora sala de estar ou a estante da biblioteca com livros de várias décadas. Um convite irrecusável para pôr a leitura em dia, sobretudo quando o sol insiste em não dar tréguas…
No quarto, a presença de produtos nacionais é marcante. A começar pelo Quinta do Vallado tinto, à nossa espera, e uma mão cheia de ameixas, colhidas no pomar, junto à piscina, a fruta da época com que mimam os hóspedes da Quinta do Vallado; acabando nos candeeiros desenhados pelo arquiteto e concebidos por Osvaldo Matos. Da varanda, o quadro paisagistíco vitivinícola reconquista o olhar assim que a portada se abre. Apetece preguiçar, mas os ponteiros do relógio apontam a hora marcada para a visita à adega.
Recebidas as instruções, caminhamos em direção à adega, concebida dentro no alinhamento arquitetónico do wine hotel pelos traços de Francisco Vieira de Campos. Com o rigor da geometria, o novo edifício alia a tecnologia mais avançada no campo da vitivinicultura à tradição na produção do vinho Quinta do Vallado, que pode ser adquirido na wine shop, espaço reservado ao encontro, seguido de uma visita descontraída e carregada de boa disposição. Da exposição histórica, ressalta a importância de Dona Antónia, figura emblemática do Alto Douro Vinhateiro, e da criação da marca Quinta do Vallado, em 1993. Ano a partir do qual se pôs as mãos à obra e se reestruturou o vinhedo, com a replantação das vinhas monovarietais e a plantação de castas para a produção de vinhos de mesa. Para o fim, após a ida à adega rasgada pelos arcos desenhados a compasso pelas mãos do arquiteto, ficam as provas do bom vinho.
Com o sol a marcar o compasso do tempo, damos com as horas a passar os limites. E que tal fazermos um piquenique junto ao Corgo? Sugestão aceite, com agrado, claro está! Feitos os preparativos para o tão aguardado repasto à beira rio, partimos para o nosso destino, numa viagem curta e aventureira, a bordo de um jipe. Um pequeno passeio pelos socalcos vinhateiros onde abundam as árvores de fruto de tão apetecível refúgio, a norte. Depois de tão deleitosa refeição, acompanhada por um Vallado Touriga Nacional Rosé Douro 2012. Depois, nada melhor que passear calmamente pelo rio numa canoa durante a tarde…
A rematar o dia, é servido o jantar no terraço do hotel. Ao ar livre. Com uma ementa recheada de iguarias e sabores das terras do Douro, elaborada pelas mãos das senhoras da região e, por isso, conhecedoras da arte de bem cozinhar. “Sem a pretensão de recriar a gastronomia”, segundo as palavras de Cláudia Ferreira, a diretora do hotel, mas proporcionar uma experiência sensorial, acompanhada pelo vinho adequado da Quinta do Vallado, sem esquecer o azeite da propriedade. Segundo a diretora do wine hotel, os jantares não constavam no projeto, passando a fazer parte da rotina diária da casa devido à procura intensiva por parte dos hóspedes. “Uma boa surpresa” para complementar um espaço tão acolhedor. Uma decisão bem tomada. E aos que não abdicam de um bom almoço, recomendamos, por sua vez, as iguarias da carta solicitadas sob pedido prévio.
Porque o pequeno almoço aguarda pela nossa chegada e o raiar do sol já conta com algumas horas, o convite para um passeio de jipe até ao Alto das Devesas – analogia feita a uma casta da Quinta do Vallado – é aceite sem pestanejar. De jipe, porque o passeio pedestre fica para outra altura. Do cume da montanha a vista alcança a serra do Marão e fica rendida à beleza magistral dos vinhedos da encosta banhada pelo rio Douro.
E eis a tão aguardada hora de experimentar a piscina. Preguiçar na relva. Ler um livro debaixo das laranjeiras no balcão contíguo ao telheiro… Desfrutar do silêncio alheio ao pensamento. Mas também podemos optar por um passeio de bicicleta… A piscina fica junto à antiga casa de família da Quinta do Vallado, onde morou a tão célebre figura. Recuperada em 2005, com um terraço coberto, assinado pelo arquiteto Souto de Moura, a casa reabre as portas aos hóspedes que elegem o Douro tradicional para as umas férias longe do reboliço da cidade, com uma oferta de cinco quartos nas cores verde, azul mar, amarelo, azul e a suite terracota. Todos decorados a preceito, com peças de mobiliário antigo, namoradeiras à janela. E uma capela alva, serena.…
A tarde já vai longa. No Peso da Régua, o barco está pronto para um magnífico passeio pelas águas do Douro, que rompe a paisagem delineada por majestosas montanhas rasgadas por infindáveis socalcos, acompanhado por uma boa conversa e, claro, um bom vinho. Salut!
O final fica para a despedida com o desejo de voltar. Aguardamos por Dona Antónia, pelo marido, José da Silva Torres, e pelo Barão de Forrester na próxima visita. Quem sabe… •
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© Fotografia: João Pedro Rato