A geometria dos espelhos cria um jogo angular interpretativo de cada silhueta traduzida por uma imersão estética de uma linguagem tridimensional em permanente diálogo com o processo criativo de um percurso com assinatura: Felipe Oliveira Baptista. A exposição de uma marca. O arquivo pessoal traduzido num cérebro tecnológico absorto em encontros registados pelo designer de moda português [e diretor criativo da Lacoste]. 12 instalações que refletem cinco temáticas presentes no decurso de uma década. Para ver no MUDE, em Lisboa. Até 30 de março de 2014.
A instalação desenhada e concebida pelo Bureau Betak, em particular o “Espelho da Mente”, consiste na tradução do arquivo pessoal de Felipe Oliveira Baptista. Pode-se considerar o arquivo da marca Felipe Oliveira Baptista. A parte com o lado mais pessoal é a que contém o vídeo, os compostos de pesquisa que, normalmente, o público não vê. Também foi interessante quando falámos com o Alex [Betak] e comecei a mostrar todos os artigos do meu sketchbook e de vídeo, todo o trabalho de investigação. O mostrar este lado criativo.
Falamos de um pensamento reflexivo sobre uma sociedade transversal à moda?
A ideia é ter um ecrã para o centro, é entrar no meu cérebro, de certa maneira, de as pessoas verem o que me interessa, para o que olho, as minhas referências culturais, sociais, estéticas, a arte… Isto é interessante, porque dá um outro contexto às roupas.
O posicionamento dos espelhos em diferentes ângulos e direções apontam para um trajeto real de Felipe Oliveira Baptista. Considera-se um criador multifacetado?
Gosto muito de tudo o que toca nas outras disciplinas de design. Gosto de fotografia, do lado da mise-en-scène sobre o qual trabalhei bastante com o Alex na instalação e na ideia de como queríamos o espaço e também do que não queríamos que o espaço fosse. Foram estes os primeiros pontos que decidimos também com a Bárbara Coutinho [diretora do MUDE], porque não queria fazer uma retrospetiva clássica. A ideia destes espelhos dá-lhe um ar mais lúdico e mais aberto e menos ‘museal’. Acho interessante ver-se um modelo com outra atenção sem perder de vista os objetos de design. A mise-en-scène ajuda muito neste jogo.
O cérebro tecnológico é a peça que desencadeia esta viagem por entre as múltiplas imagens. Até onde e por que mundos nos leva?
É o outro lado, porque tem bastante importância e dá um outro contexto às fotos. Leva a uma interpretação do processo criativo, das referências, a ideia dos ecrãs, que ‘falam’ de uma coleção e têm imagens que estavam na minha parede, cadernos de colagens, imagens de desfiles, editoriais de moda… São imagens que andam à volta de uma maneira aleatória. E há ecrãs a filmarem as pessoas e ecrãs táteis em que se pode fazer zooms e ver mais textos descritivos. Há uma presença forte da tecnologia nesta exposição.
Há uma clara rendição às artes e aos encontros inesperados registados pelo seu olhar face ao mundo que o rodeia.
São sobretudo maneiras intuitivas, do que gosto e do que me interessa, do que me provoca reações, algum trabalho que me inspirou ou me fez pensar… e fazer dialogar coisas que são completamente opostas ou não fariam sentido umas à frente das outras. Acho que isto, às vezes, cria tensões e estes resultados e geometrias são engraçados. É, de uma certa maneira, também um estado de espírito de estar sempre a querer conhecer e aprender, porque quando alguma coisa me interessa e pretendo integrar no meu trabalho, levo um bocado de tempo a pesquisar sobre esse assunto. Tem um lado cultural, um lado de mise-en-scène, de narração, atitude, cor, imagem…
Sobre as cinco temáticas em “debate” na exposição – Proteção, Novos uniformes e roupa de trabalho, Revisitando os clássicos, Geometrias variáveis e Tecnologia vs natureza –, tudo isto faz parte do modus operandi de Felipe Oliveira Baptista. São pontos comuns no decurso do seu trabalho?
Sim, são pontos comuns. As temáticas estão organizadas ou podemos unir entre as variáveis. Há três coleções que ‘falam’ nisso. Sobre a dos [Novos] uniformes [e roupa de trabalho] há duas. Temos outros temas, como o Revisitando os clássicos, que foram feitos em todas as coleções. Portanto, temos temas que são ilustrados por coleções específicas ou temas que foram retratados em quase todas as coleções. As duas abordagens existem para que as pessoas escolham o seu próprio percurso dentro da exposição.
A interpretação da moda por Felipe Oliveira Baptista, com a procura de uma nova feminilidade, uma vez que a própria moda obriga-se a ser-se única, exclusiva, converge num desafio incessante.
Acho que aí é que é interessante o trabalho de pesquisa e pessoal. Há uma certa liberdade de autor, há uma individualidade. Essa busca de nova feminialidade é sempre um desafio que nunca morre. A moda está muito ligada às nossas vidas e do que nos rodeia. O nosso trabalho é apresentar às pessoas o que elas precisam amanhã – se calhar não precisam, mas fazêmo-las acreditar de que precisam desta ideia de combinar um conceito, de coabitar com um peça que seja desejável e que seja imediata. Uma peça que deve ter um valor estético que não precise de contextos e, já que estamos num museu, vamos ver de onde vem a moda e porquê.
Há uma peça ou cor que interpreta a intemporalidade na moda?
Na verdade adoro ver uma peça de uma coleção antiga vestida hoje em dia e achar que ela podia ser de há seis meses. Para mim é o maior elogio, olhar para trás e ver que há coisas que envelhecem e outras que não e isso não se pode dizer de avanço; e a busca dessa intemporalidade pode parecer pretensiosa como démarche, mas quando funciona é o mais difícil a fazer e uma certa modernidade que não está tão ligada ao antes. •
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