O cargo de chef executivo do restaurante Costes, em Budapeste, enfatiza a diplomacia de um português na cozinha húngara, reconhecimento traduzido numa estrela Michelin mantida desde março de 2010. Falamos de Miguel Vieira, o chef, que depois de passar por uma mão cheia de constelações pela Europa, arrumou as malas na cidade de Budapeste. Proeza interpretada pela grande paixão pela gastronomia sem esquecer, porém, a palavra saudade…
Há uma dezena e meia de anos saiu de Portugal rumo a Londres, para estudar gestão hoteleira, mas bastou uma aula de cozinha para descobrir a sua verdadeira vocação.
Tive sorte de ter descoberto aquela que acho que é a minha vocação. Acabei o 12.º ano em Cascais e não sabia o que havia de fazer, como a de escolas de cozinha e, passado um mês, estava inscrito na Cordon Bleu [de Londres], onde tirei o curso de cozinha e pastelaria. Estamos a falar dos anos 1998, 1999. Era uma mundo novo…
A rota dos sabores prosseguiu por França, Espanha… Lugares de aprendizagem que lhe valeram o conhecimento.
Técnicas, maneiras de trabalhar… como gerir uma cozinha, como lidar com pessoas, porque o nosso trabalho também envolve recursos humanos – numa cozinha, temos entre dez a 15 pessoas a cargo. Tive sempre muito cuidado na escolha dos sítios onde estive. Era, obviamente, a comida que mais me chamava a atenção, ou seja, trabalhei com pessoas que me suscitavam interesse pelo que e como cozinhavam; e tentei sempre apanhar o que achava que valia a pena.
“Temos de fazer todos os dias os pratos com a mesma qualidade e sempre ao mesmo nível.”
De repente, vai de malas e bagagens para a Hungria, como chef executivo no novíssimo restaurante Costes – de portas abertas desde junho de 2008 –, em Budapeste, e “constrói” uma cozinha de raiz.
Foi muito difícil. Ainda hoje não é fácil. Ou seja, a Hungria é um país ‘relativamente recente’, está ainda numa fase de transição. Depois de cinco anos a trabalhar no país, ainda não consigo dominar o idioma. Acho que é impossível! Estou sozinho, o clima é diferente do de cá, não tenho ninguém com quem falar e, acima de tudo, a pressão de ‘abrir’ algo do nada… é um desafio imenso! Mas, começámos muito bem. Tenho de saber transmitir o que pretendo às pessoas que trabalham comigo, temos de fazer todos os dias os pratos com a mesma qualidade e sempre ao mesmo nível. No início foi um processo de aprendizagem, porque estava a adaptar-me e, ao mesmo tempo, a tentar ‘educar’ as pessoas que trabalhavam comigo.
“É o reconhecimento do trabalho de todos que passaram pelo Costes.”
O restaurante Costes é o único da Hungria com uma estrela Michelin, atribuída pela primeira vez em março de 2010, distinção que redobra o desejo de criar, ensinar…
É o reconhecimento, principalmente pelas dificuldades que senti nos primeiros dois anos na Hungria, mas com muita vontade de fazer e meter a paixão que eu meto na cozinha. É o reconhecimento do trabalho de todos que passaram pelo Costes. Em contrapartida, há mais pressão, porque agora tens uma coisa que podes perder.
A carta, associada aos produtos da época, denota uma dose extra de criatividade e uma vontade inesgotável de criar novos pratos.
Agora reduzimos bastante a carta. Só tem 14 pratos e praticamente todas as semanas entra um prato novo, mas tudo depende dos produtos da época. Vou ao mercado de manhã, vejo o que há e usamos. A partir do momento em que o produto deixa de existir, mudo. É um desafio. Faz parte. É disso que eu gosto. Sou cozinheiro, por isso… Das 24 horas do dia, penso em comida dez ou 15. É a minha paixão! É o que gosto de fazer. E tudo surge naturalmente…
A apresentação é um dos pratos fortes do restaurante Costes que, acima de tudo, prima pelo sabor.
Quando penso em alguma coisa sei se vai saber bem ou não, se faz sentido no paladar. A questão da apresentação é, por sua vez, uma questão de fazer prova. Podemos fazer a apresentação do mesmo prato de cinco maneiras diferentes até que haja uma que cative o olhar. Mas há pratos que nunca entraram no menu e outros que, ‘em cinco minutos’, estão perfeitos! Ou seja, a apresentação é muito importante, porque é a primeira coisa que vemos. Mas se te perguntar qual foi o prato que mais gostaste ou que te marcou, a resposta que me dás tem a ver com o sabor. O fundamental é como sabe. Tem de ser delicioso. Tem de saber bem. A principal preocupação é sempre o sabor.
A qualidade dos produtos é outro dos valores intrínsecos na cozinha do chef Miguel Vieira, porém depende de uma logística bem formatada.
Agora é, mas diria que 60 por cento do que tenho no menu é importado, como o peixe, porque a Hungria não tem mar, e a carne, tirando o foie-gras, que é ótimo, provavelmente, o melhor do mundo, e uma raça de porco que existe no país [o mangalitsa], as verduras e os legumes do dia, que compro no mercado local, algum peixe de rio…
“Assim que surgir uma oportunidade de voltar não a vou perder!”
Portugal está traçado na rota do chef?
É uma questão da oportunidade aparecer. Desde 1999 que estou lá fora. Acho que o que tinha a fazer e a aprender – não digo que sei tudo, de maneira alguma –, mas a experiência que queria ganhar lá fora já ganhei e, por isso, assim que surgir uma oportunidade de voltar não a vou perder! •