O expressionismo alemão no cinema é conhecido como uma vanguarda. No entanto, ao contrário de outras escolas que submeteram os filmes numa base de experimentação de uma narrativa anticomercial e contra os padrões clássicos estabelecidos por D.W.Griffith, o expressionismo absorve e reconfigura a estética, sendo esta absorvida por um público ávido e sedento consumidor do produto industrial.
E aqui reside o cinema expressionista alemão, que era calcado pela predominância do fantasmagórico e focava este universo do absurdo e surreal, das lendas, através de uma elaborada estética visual, que olhando para esse resultado nos tempos de hoje, é genial!
Os personagens são criados através de crises, crises essas que, em muitos casos, chegam a tocar no catastrófico, o personagem sombrio, soturno, actuando na arquitectura da cena, ressaltando sempre o tom mórbido dos personagens, através de uma estilizada e exuberante luz cénica, de uma direcção de arte de régua e esquadro, e sobretudo a negra expressão facial dos actores. Medo no bom sentido…
Toda a mise-en-scène é fabulosa e esquematizada. Os objectos inseridos nas cenas introduzem sempre um contexto simbólico. Em destaque temos, assim, a sombra, a olheira, o espelho, a escada, a casa. Esta sequência são tramites essenciais ao filme, criando uma atmosfera dramática, em total harmonia com a fotografia do filme, trabalhando esta no contraste entre o claro-escuro.
Poderia referir vários cineastas alemães que foram os impulsionadores do cinema expressionista alemão, mas focarei para mim, um dos mais visionários e importante cineasta alemão, F.W. Murnau.
Murnau será mais conhecido ao comum dos espectadores, talvez , pelo seu filme “Nosferatu”. Porém, além deste, muito conhecido, Murnau realizou um dos mais belos filmes da década de 1920’, como “Aurora” ou, no seu título original, “Sunrise: A song of two humans” de 1927. O filme centra-se num pobre agricultor que elabora um esquema para matar a sua mulher após ter conhecido uma bela mulher da cidade, com quem se envolve num romance vertiginoso. É um melodrama extraordinário com todos os elementos do expressionismo alemão, embora tenha sido o primeiro filme de Murnau realizado nos EUA. Este filme mudo também tem outro aliciante: é dos raros filmes mudos que não têm as letras intercaladas com as imagens. Uma beleza desconcertante, este filme é uma viagem, é a “aurora” do cinema mundial e, como alguém disse, e esse alguém foi outro grande cineasta, François Truffaut, “o filme mais belo do mundo”. •
Fotografia: ”Sunrise”, 1927 (20th Century Fox)