Escócia em Portugal: Sandy Kilpatrick

Dia acertado. Sexta-feira, para acabar bem a semana. Hora combinada. Almoço, para soltar as palavras. Espaço escolhido. Casa das Caldeiras, tinha de ser Babcock & Wilcox Ltd. London & Glasgow no cenário. E nesse dia, nesse momento, nesse cenário, conhecemos Sandy Kilpatrick.

Licenciado pela Universidade de Lancaster, em Literatura Inglesa e Americana, este cantautor, que no seu inglês nos transporta para uma Escócia de exquisite accent sentido, dos anos 1990 para 2000 salta da sua Escócia natal para Inglaterra e da literatura para vocalista e letrista da banda Sleepwalker, em Manchester, com quem edita um single: “Sleepwalking“… and stop! Do universo dos livros para letrista, natural. Vocalista? Músico das palavras, Kilpatrick confessa, com voz cheia, “eu cresci com a música. O meu pai canta, a minha mãe canta, não como profissionais, mas do coração, com a alma. Na verdade, toda a família canta. Ah! E tive uma ama, que cuidou de mim, e ela foi, é, uma pessoa muito importante na minha vida, era uma cantora country incrível, foi convidada muitas vezes a juntar-se a bandas em tour mas nunca quis deixar a familia e imagina, um sonho, crescer com alguém assim, a cantar para ti. Daí ter sido muito fácil começar a tocar e entrar na música. Faz parte de mim”. Não explica (já) tudo, mas crescer com a música deu-lhe a ligeireza que sentimos e os livros estudados o domínio seguro das palavras.

Depois de Manchester fez as malas para Portugal. Stop, again! Como temos nós um músico escocês indie (no real sentido de ser indie(pendent) music) em terras lusas? Mais uma vez, com calma inata, Kilpatrick responde com ternura, sem vergonhas, “porque me apaixonei por uma mulher maravilhosa, numa aula de filosofia na Universidade de Lancaster, onde ambos estudávamos. Foi amor à primeira vista, no momento em que a vi entrar na sala disse ‘que mulher tão linda’, e foram preciso dois anos e meio para que falássemos, um com o outro. Ao fim desse tempo, eu percebi que ela gostava de mim esse tempo todo… ela é portuguesa e já lá vão 20 anos.”. Se a melodia estava entendida, a lírica de Kilpatrick tornou-se evidente. Todavia, mais há na manga, “as relações amorosas têm sido uma grande inspiração para mim e a música pode abrir-te portas para amares a tua vida. A minha mulher é a minha Marianne, a minha Suzanne… e outras das minhas grandes influências, bom há muitas da literatura e da música, mas na música, talvez a maior seja Leonard Cohen“. Se quiséssemos, podíamos, neste momento, dizer no more questions, sir. Porém, somos mutantes insatisfeitos.

Em 2003, começa a desenhar estradas. A primeira que constrói é “The Neon Road”, um ciclo que começa com “Am I Welcome Here”, que soa a pergunta retórica “sim, (riso). Estás a ‘ler’ bem”; e ciclo que se fecha, em 2005, com “Incandescent Night Stories”. Já em 2006, o que quase parece inusitado. É convidado para Relações Internacionais do Theatro Circo em Braga, por Paulo Brandão (atual diretor), uma fase que vive intensamente na organização de eventos, muitos notáveis e outros estreantes. Mais uma experiência lógica no seu percurso. “Não foi assim tão fora do eixo ou tão incomum, estava prestes a criar um álbum, a minha vida estava muito equilibrada, até estava a ter aulas de desenho, e, claro, a escrever muito. Vi como uma grande oportunidade para conhecer artistas e estar rodeado de vários universos das artes plásticas. Senti como algo muito estimulante”. Em paralelo, edita em 2007 o EP “The Ballad of The Stark Miner”, com mais de 20 concertos por palcos nacionais. Um universo intimista de histórias contadas. “Sim, gosto de ser um contador de estórias“, afirma.

Passados dois anos surge “Terras Últimas”, projeto tão singular. A convite e com o fotógrafo Eduardo Brito, e com o CCVF, cria este livro/banda-sonora. Uma viagem de 5000km, “fizemos de Finisterra, em Espanha, até Finiterra, em França passando o Canal da Mancha para Land’s End. Foi um viagem única, momentos vividos inesquecíveis que registamos em fotografia e, maioritariamente, sonoridades reais que fomos gravando durante a aventura e outras originais, de estúdio. Um livro sensorial”. O resultado está nas nossas mãos, um livro – retrato da viagem –  à medida. Obrigatório.

Já perto de hoje, em 2012, traça novos caminhos e edita “Redemption Road”. Bebe de fontes Gospel do Harlem e dele tiras três singles: “I like how it feels”, “We don’t need tomorrow” e “Wilderness Gone”. “Com este trabalho percorri muitos palcos, muitas cidades, num saldo muito positivo”, o trabalhar do caminho para 2013 onde, de forma minimal, nos deu “Your Love Is A Weapon”. Três canções apenas. Tão simples, tão cheias de tudo (reler). E quando indagamos se “Your Love is A Weapon” irá ou não entrar no “Shaman’s Call”, próximo álbum de originais em construção, o nosso músico diz “quase de certeza que sim, que pelo menos uma música gostava de encaixar no próximo álbum. Muito provavelmente ‘Sunday Morning Song’ até porque consegui idealiza-la num cenário Sinatra’s Big Band e gostava de testar isso em Abbey Road, a transformação da música faz parte do próximo álbum, sem esquecer o lado minimal que te conquistou em ‘Your Love Is A Weapon’”. Sim, admitimos que o EP nos deixou, de vez, rendidos à musicalidade deste tão simpático escocês. De East Kilbride, para Manchester. De Manchester para Famalicão… Kilpatrick fala assim do próximo álbum “isso é uma outra longa conversa, para um novo almoço a combinar. Vai ser um álbum onde conto as minhas histórias e já sabes que eu gosto de escrever músicas que todos entendem, mas que, para quem quiser ir mais fundo, há lá entrelinhas escondidas, há muita história dentro.” Numa suma, Kilpatrick é músico genuíno, que se entregou e entrega à essência da música, dos acordes às palavras, é criador de música e músico que se deve conhecer. Por agora, ouvimos o que já foi editado, viajamos nas folhas de uma Finisterra impressa, conhecemos o músico numa rápida conversa e esperamos pelo telefonema de Shaman…
Bons sons Indie! •

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© Fotografia: Carlos Gomes .