Fazer de uma refeição uma experiência sensorial foi o ponto de partida para aperfeiçoar o gosto pela cozinha pois, desde cedo, o almoço de domingo com a família acontecia em França, tão na moda nos anos 1960′. O mote para se convencer de que queria ser cozinheiro, sonho concretizado aos 15 anos, quando percorreu 60 quilómetros até Konstanz, onde aprendeu as bases da profissão eleita durante três anos. Seguem-se as viagens pela Europa e a intensa paixão pela cozinha mediterrânica, a qual, ainda hoje, protagoniza as cartas dos seus restaurantes d’aquém e d’além mar, depois de passar pela Grécia e pela Itália, com paragem em Espanha, a sul, claro está, sempre abrilhantado pelo Guia Michelin que, há pouco tempo, concedeu a tão aclamada – e merecida – estrela ao Eleven, uma janela com vista sobre Lisboa. Eis a súmula de 44 anos de experiência do chef Joachim Koerper.
Com apenas 8 anos confecionou um prato convertido num clássico pela família: ovos fritos. Como eram estes tempos?
Um clássico em casa! Todas as manhãs pegava nos ovos das galinhas e fazia os primeiros ovos para mim, com oito ou nove anos. Sempre gostei de comer ovos. Depois, com 12 ou 13 anos, queria ser cozinheiro. Na cidade onde vivia não havia lugar para eu aprender a minha profissão, por isso tive de fazer 60 quilómetros para a aprender, no Hotel Falken, durante três anos. Depois fui para Berlim por três anos.
Seguem-se as viagens pela Europa.
Viajei pela Europa, porque um cozinheiro jovem tem de viajar, conhecer novos produtos, aprender com outros chefs, aprender outras maneiras de fazer, aprender truques… Viajei pelo Mediterrâneo até aos 25 anos, mais ou menos.
“Descobri a cozinha mediterrânica quando fui trabalhar durante três meses com Roger Verger, do Moulin de Mougins.”
A descoberta da cozinha mediterrânica aconteceu por acaso?
Descobri a cozinha mediterrânica quando fui trabalhar durante três meses com Roger Verger, do Moulin de Mougins, perto de Cannes. É uma cozinha magnífica, de produtos fantásticos e, de repente, fez-se um clique: ‘Não vou fazer mais estufados. Vou dedicar-me a uma cozinha mais moderna, mais saudável.’
Quando fala em cozinha moderna refere-se também à criatividades, à apresentação?
Tudo! Aprendi coisas diferentes que me tinham apresentado antes. E nos anos 1970′ e inícios de 1980′ foi um dos momentos que mudou o rumo da minha vida, no sentido profissional.
A descoberta da cozinha mediterrânica intensificou-se nos périplos pelo sul da Europa, nomeadamente na Grécia e na Itália.
Na Grécia trabalhei quase um ano, de janeiro a novembro. Na Sardenha fiz apenas uma estação de verão – de março a setembro. Foi aqui que tive contato com o azeite, com bons produtos. Nunca comi tão bem como em Itália. Depois fui para Espanha, onde os legumes são muito bons.
“Entretanto, tive esta belíssima oportunidade de vir para Lisboa, que me encantou.”
A paixão por Espanha traduz-se na aquisição do El Girasol, em Alicante, no ano de 1989, o restaurante que conquista a estrela Michelin em 1990. Como define a sua cozinha nesta época?
Uma cozinha de autor, mediterrânica, com bons produtos locais. Mas foi complicado, porque quando havia poucos tinha de os mandar vir de longe, o que ficava muito caro. Em 2005 fecho o restaurante, para vir para Portugal. Foi uma grande mudança, sobretudo em 2001, no ano da crise, e como o restaurante estava localizado numa aldeia pequena, as pessoas não iam muito, excepto na Páscoa e no verão… Por isso, tive de decidir vender. Entretanto, tive esta belíssima oportunidade de vir para Lisboa, que me encantou.
Antes da vinda para Lisboa, conhece José Miguel Júdice e aceita o convite para exercer a função de chef consultor no Arcadas, do hotel Quinta das Lágrimas, em Coimbra.
Chegámos a um acordo e conheci o diretor, Mário Morais. Foi um tempo muito bonito, onde aprendi muito.
Na cidade do conhecimento teve a oportunidade de conhecer novos produtos.
Conheci muitos produtos portugueses, assim como a broa de milho, que é espetacular!
Em 2004 passa a fazer parte de um novo projeto: Eleven.
O projeto começa em 2001, quando José Miguel Júdice me diz: “Joachim, em Lisboa não há um restaurante bom. Não queres abrir um?” Eu não queria, mas [José Miguel] Júdice trouxe-me a Lisboa, onde visitámos três sítios diferentes. Depois soubemos que um amigo de [José Miguel] Júdice, o arquiteto João Correia, tinha ganho um concurso aqui e aqui ficou o restaurante. Foi emocionante! Como éramos onze sócios, ficou o onze em inglês.
Começar um restaurante do zero é um desafio.
Há muito trabalho para fazer, mas é bonito estar numa nova aventura. Conhecer produtos novos, novos empregados, novos clientes… Não havia uma história antes. A cozinha é criativa, com uma brigada ótima, e o restaurante estava sempre cheio. Não havia crise. Tudo era uma novidade!
O percurso profissional de Joachim Koerper assenta na experiência e na partilha de conhecimento com outros chefs.
Sim. Viajar é muito importante, embora hoje seja muito mais fácil do que antes. Nunca vi tantos programas de cozinha como agora! Antigamente não havia. De vez quando comprava um livro… Hoje vais à internet e encontras mil receitas do mesmo. É uma grande vantagem.
“É obrigatório dar a conhecer o que sabemos a quem trabalha connosco!”
Como é ser aprendiz e como é ser professor?
Acho que é natural. Assim como tive de aprender, tenho de passar essa aprendizagem aos outros, para que a profissão possa continuar. Trabalhei com chefs que faziam o foie gras às escondidas, para não mostrar a receita. É obrigatório dar a conhecer o que sabemos a quem trabalha connosco!
A apresentação prima pela mestria no detalhe e no bom gosto, perpetuada, mesmo que por pouco tempo, pela combinação de cores. É uma sensibilidade que nasce connosco?
Um prato bonito é sempre mais apetecível. A apresentação é importante, mas o sabor é muito mais importante ainda. Ao fechar os olhos enquanto como, tenho de saber o que estou a comer.
“Faço sempre o que gosto e espero que os clientes também apreciem”
É uma cozinha de tendências?
Eu digo sempre: Estou na moda, porque não sou de modas! Porque a moda passa. Há sempre coisas tão bonitas que podemos fazer na cozinha e assim nasce um prato. Faço sempre o que gosto e espero que os clientes também apreciem. Sempre com bons produtos.
Com quatro projetos em mãos – a consultoria na cozinha da Herdade da Malhadinha Nova desde julho de 2010, e os restaurantes de Lisboa e do Rio de Janeiro – e, depois de tantos anos de vida, como consegue elaborar diferentes menus?
Na cozinha, a base é sempre igual. E eu não faço uma boa cozinha sem ter uma boa base e sem ela nunca serei um bom chef. Assim como é importante viajar para conhecer novos produtos, saber calcular os gastos, saber gerir um restaurante, precisamos de ser organizados. Por isso, aqui ou no Brasil, uso os produtos semelhantes e cozinho-os de forma igual. Depois fazemos intercâmbios com os cozinheiros daqui e de lá. Mas nem sempre é fácil fazer as cartas, porque é preciso experimentar, aperfeiçoar…
Fale-nos sobre o Enoteca Uno e do Enotria por Joachim Koeper, no Rio de Janeiro.
O Enotria por Joachim Koeper fica dentro do Casa Shopping, um dos maiores e melhores da América do Sul. O restaurante já existia. Tinha um toque italiano e eu troquei um pouco o conceito, ou seja, ‘levei-o’ para a minha cozinha. A Enoteca é completamente diferente, está no 10.º andar e tem um vista extraordinária sobre a Baía de Guanabara e, neste momento, está aberto apenas para o almoço. Quando as obras terminarem, abriremos ao jantar.
“É um reconhecimento para os jovens que estão nesta cozinha e que lutaram também tanto por essa estrela.”
A 20 de novembro de 2013, o Eleven reconquista a estrela Michelin, uma notícia recebida do outro lado do Atlântico.
Foi. Mas nós lutámos por isso. Nesse dia, sai de casa sem telefone e todos tentaram telefonar-me. Assim que soube, fiquei muito feliz! Mas com cautela. É um reconhecimento para os jovens que estão nesta cozinha e que lutaram também tanto por essa estrela.
Não queres saber quais os projetos de futuro?
Claro que sim!
Agora não posso dizer.
Há surpresas? Boas, claro!
São sempre boas. Há sempre projetos novos. Em Portugal, no Rio de Janeiro… Quem sabe. Há sempre um querer! •
© Fotografia: João Pedro Rato com Canon PowerShot G16