A ousadia da arquitetura / Ozadi

A geometria do traço, as linhas retas e depuradas conferem a contemporaneidade da estética a um hotel renovado, reabilitado, recuperado. Em terras algarvias. Onde a aposta recai nas matérias-primas da região, nos interiores e à mesa. Assim é o Ozadi, em Tavira.

Quatro décadas depois da estreia, em abril de 1972, o então Eurotel Tavira, na Quinta das Oliveiras, fecha as portas para um ano de entrega a um profundo trabalho de reabilitação abrindo-as, de novo, em junho de 2014. O arquiteto Pedro Campos Costa, do gabinete Campos Costa Arquitectos, responsável pela conceção do projecto do “novo” hotel, explica esta abordagem arquitetónica de recuperação: “Em arquitectura está associado a processo crítico de aferição dos elementos essenciais, dos que devem permanecer, dos que deverão ser removidos e dos novos, as ‘próteses’, que poderão ser adicionais.” Porque “o hotel estava a ficar desatualizado” justifica, por sua vez, Ricardo Cerqueira, que acompanhou de perto a “reconstrução” do Eurotel Tavira do avô.

A espacialidade e o conforto do Orangea Bistrô

Ricardo Cerqueira, da administração do Eurotel, reforça a importância do seu património e da história do edifício datado dos anos 1970’ pautado pela “qualidade” e demarcado por uma arquitetura com características que, segundo Pedro Campos Costa, “influenciaram o desenho dos novos elementos”. O objetivo cingiu-se, sobretudo, na “busca do equilíbrio entre o existente e o contemporâneo”.

A grande transformação espacial deve-se, assim, à nova estrutura assimétrica e de traço depurado, o Orangea Bistrô, cuja plataforma de betão é suportada por enormes e robustas colunas de madeira maciça e de pilares de metal nas beiras, junto ao balaústre, rematadas, no alto, por uma cobertura traduzida, pelo arquiteto, numa “hiperbolóide em madeira, uma figura geométrica que permite vãos grandes com menos material”.

Sob o centro da cobertura existe uma escada de acesso às piscinas, para onde parece dirigir-se a plataforma, dando a sensação de estar suspensa enquadrando-se, de forma equilibrada, no espaço exterior em redor, com a árvore-da-borracha, ao lado da entrada do novo restaurante do hotel, o relvado ornamentado por espreguiçadeiras de madeira ondulante, de um lado, e o pequeno terraço, mais recatado, do outro; no meio, as piscinas, rodeadas de chaise-longues, outras, brancas, que convidam a preguiçar e desfrutar da acalmia atípica de um Algarve quase desconhecido. Este é o Orangea Bistrô. Um espaço amplo, cosy e muito trendy, que convida a um almoço descontraído à mesa, ao ar livre, à mesa, ou a saborear o Orangea – o licor de laranja feito por Ana Cerqueira, a proprietária do hotel, e que dá o nome ao bistrô – num dos pufs dispostos no centro ou nas mesas baixas junto ao balaústre de metal que contornam a sacada aberta, marcados por uma geometria que remete para os anos 1970’. “A espacialidade e o conforto dos ambientes são projetados por nós de forma a que a luz tenha muita importância”, continua Pedro Campos Costa.

Por sua vez, o espaço fechado do restaurante, ideal para um jantar mais intimista, é ladeado por uma vidraça ornamentada, do lado de fora, por uma “parede” de metal com os mesmos motivos geométricos do balaústre da sacada.
No fundo, “o edifício procura encontrar o terreno e a envolvente, de forma equilibrada e harmoniosa, sem deixar de afirmar a sua personalidade e o seu caráter, numa proposta espacial inovadora. Esse foi o desafio determinante para afirmar a eficácia arquitetónica na busca de uma nova proposta de valor do produto turístico”, declara o arquiteto. Afinal, hoje em dia, as terras algarvias estão a mudar, pois são muitos os turistas que procuram um lugar para usufruir, desfrutar, razão pela qual “tentamos diferenciarmo-nos das outras” zonas da região algarvia, diz-nos Ricardo Cerqueira, porque “um hotel no Algarve não pode ser só para as pessoas irem para a praia”.

A aposta nos produtos portugueses

Voltemos ao edifício principal do agora Ozadi Tavira Hotel, o qual conta com pouco mais de 40 anos de história. Começamos pelo piso térreo, onde as janelas retangulares e estreitas foram rasgadas para dar lugar a paredes de vidro que acompanham a parte frontal do edifício original, terminando em portas de vidro. Lá dentro, no corredor contíguo ao balcão, a decoração vintage domina o espaço que respira contemporaneidade, com cadeiras retro e lugares delineados, que convidam a dois dedos de conversa; ao fundo é-nos feito o convite: Jogamos xadrez?

Por detrás da estante que, do outro lado, acompanha a parede de vidro do piso térreo, está a sala – ou várias – dentro da mesma linha descrita atrás, uma lareira, para que os hóspedes se sintam em casa nos dias dias frios que ditam o presente, pois há que viver “a cidade de Tavira noutras épocas do ano”, realça Ricardo Cerqueira; e uma biblioteca com livros e jornais do dia disponíveis para leitura.

O projeto decorativo foi idealizado pelo gabinete Campos Costa Arquitectos e o design de interiores ficou nas mãos de Lara Matos e Verónica de Mello. Segundo Ricardo Cerqueira “um dos cuidados que tivemos foi buscar produtos portugueses e muitas peças artesanais”, saberes e fazeres da região algarvia conjugados com uma linguagem contemporânea transcrita pelo design e pela imagem do produto.

Nos quartos, as boas vindas são dadas por figos e o tradicional licor de figo do Algarve. As cabeceiras das camas foram trocadas pelas platibandas, que adornam muito do casario típico algarvio. As luminárias são, agora, candeeiros de cortiça com abajour em barro pintado de cores quentes, peças do Projecto Tasa, da cidade de Faro. As mesas de cabeceira são de aglomerado de cortiça expandida, produto 100 por cento natural e de cunho nacional, usado também na numeração dos quartos e na sinalética existente no interior do hotel. Nas casas de banho, o pavimento é revestido de mosaico hidráulico. E há os candeeiros em cortiça da CaCo. da autoria do arquiteto Pedro Campos Costas.

Subimos ao último piso. Aqui está o bar que, no imediato, remete os hóspedes para os anos 1970’, pelos candeeiros de abajour redondo, de vidro verde escuro, opaco, e pelos azulejos da centenária fábrica Viúva Lamego, que revestem a parede que ostenta as prateleiras onde se encontram dispostas as garrafas. O mesmo acontece com o Terrace, o restaurante com terraço e vista para a Ria Formosa e para a Serra do Caldeirão, reservado para os jantares-buffet de verão e para o primeiro repasto da manhã, com o sol a dar as boas-vindas.

E nada melhor que, logo pela manhã, passear de barco para a praia de Cabanas – se o tempo o permitir, claro –, pois o Ozadi Tavira Hotel oferece aos hóspedes um free pass que lhes permite usufruir de transporte gratuito para a ilha; ou (re)descobrir Tavira, Altura – onde se encontra o Eurotel Altura Hotel & Beach Resort, pertencente ao grupo –, Castro Marim, Vila Real de Santo António e Monte Gordo através das viagens de autocarro asseguradas pelo hotel. Para quem prefere ficar, solicite o serviços de massagens e tratamentos in-room, e usufrua o fitness room, enquanto os miúdos são azo à imaginação no kids club.

À mesa com a gastronomia algarvia

Do licor de figo e do licor de laranja, o Orangea, à carta do bistrô, a aposta na cozinha algarvia é, claramente, o prato forte do Ozadi Tavira Hotel. Vejamos: Estupeta (atum cru das aparas de muxama conservado em salmoura) à muxama de atum (lombos de atum salgados e secos), saladinha de polvo, filete de sardinha braceado sobre salada à algarvia com azeite de majericão, tosta de e pão algarvio, sopa de peixe à algarvia… Uma mão cheia de pratos elaborados apresentados na carta, servidos ao jantar, nesta época do ano, confinado ao espaço interior ou, nas as noites mais agradáveis, no exterior, sob a cobertura de madeira, aberta.

Mas também não resistimos à baguete de salmão fumado com azeite de manjericão nem às generosas saladas de salmão fumado, com queijo creme, ovo, tomate cereja, alcaparras e sumo de limão, e de atum, com ovo, legumes, maionese e salsa. Ao ar livre. De olhos postos na piscina, a contemplar a paisagem e, ao mesmo tempo, a arquitetura arrojada e singular, resultante de uma “reconstrução” ou recuperação que traduzem os sinais dos tempos.

“Fomos mais longe, porque as pessoas estão a despertar para espaços com mais qualidade”, remata Ricardo Cerqueira. •

+ Ozadi Tavira Hotel
© Fotografia: João Pedro Rato