Vai chegar até si um trabalho único, de muita pesquisa, sobre as nossas raízes sonoras, a nossa musicalidade, os nossos cantares… um trabalho exaustivo de Tiago Pereira, em prol de uma música portuguesa que aprende a gostar dela própria.
Após quatro anos imparáveis, a correr este nosso pequeno, mas tão rico Portugal, em torno da música portuguesa nas suas mais variadas expressões, com mais de um milhar de projetos registados em mais de 1800 vídeos, depois de mais de uma dezena de documentários realizados e de ter vencido um prémio Megafone, de ver um disco editado pela NOS Discos e de manter um programa semanal na Antena 1, o realizador Tiago Pereira traz ao grande público a série documental “O Povo Que Ainda Canta”, desta feita em formato televisivo, para a RTP2. Não, não nos enganámos nos números. Há muita música neste país. Esta série de 26 episódios é uma produção da Música Portuguesa A Gostar Dela Própria (MPAGDP) e vai estrear no dia 8 de Janeiro de 2015, quinta-feira, às 22h45. Tome nota, para não esquecer um programa que, com toda a certeza, até o vai fazer recordar de cantares ouvidos na infância, de instrumentos que há tanto tempo não ouvia, músicas novas, composições desconhecidas… Uma viagem pelo que é nosso.
“O Povo Que Ainda Canta” surge na sequência dum trabalho extenso de realização de documentários que mostram várias facetas da música portuguesa através dos seus protagonistas. De norte a sul do país, Tiago Pereira e a equipa da MPAGDP partilham a criatividade dum povo que não quer ser esquecido, de um povo que sabe ser musical. Esta série documental, que é um trabalho, sem dúvida, de autor, está ligada a um canal de vídeos online que desde há 4 anos divulga práticas expressivas que se mantêm vivas, que não pertencem só ao passado e que têm sido registadas nos contextos onde acontecem, sem encenações. Pode parecer, quem sabe, algo fácil… Andar por aí, estrada acima, estrada abaixo, a fazer um levantamento do que temos, do que somos, musicalmente. Desengane-se. É dedicação, são horas de trabalho com afinco, são ideias concretizadas para criar um registo, bem detalhado, das nossas raízes. Foi Mogadouro, Dão-Lafões, Ribatejo, Gouveia, Baixo Minho, Baixo Alentejo, Douro, Porto ou Miranda, sem esquecer os arquipélagos da Madeira e Açores, entre outras regiões, e tantos outros territórios por onde passou e tem passado a MPAGDP e que são agora palco dos episódios de “O Povo Que Ainda Canta”, por entre milhares de quilómetros percorridos com o equipamento na bagagem.
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© “O Povo Que Ainda Canta”.
Com “O Povo que Ainda Canta” começamos a descobrir as vidas de quem se dedica a instrumentos específicos, como as gaitas-de-fole ou os adufes, seja a tocar ou a construí-los, e de quem mantém viva a tradição das danças de matriz rural. Ainda haverá três episódios específicos: um centrado no canto polifónico da Beira Litoral; outro que será evocativo de Adélia Garcia, que sempre teve um papel importante no trabalho recente de Tiago Pereira; e um terceiro episódio que divulga as histórias da MPAGDP, não só como associação cultural mas como conceito, um conceito que devemos louvar. Os 26 episódios desta série documental são contados por quem vive todos os dias nos contextos retratados, são os próprios protagonistas que dão a voz a cada episódio e é a música que é devolvida às pessoas. Ainda assim, nalguns episódios, há uma contextualização dum investigador que estabelece ligações entre as práticas expressivas e o enquadramento histórico. Não é só filmar o povo a cantar/ tocar. É aprender sobre o que temos, é conhecer o que é nosso. A série poderá ser vista às quintas-feiras, às 22h45, mas terá sempre reposição no sábado seguinte, às 12 horas, na RTP2. Depois do formato televisivo, os 26 episódios de «O Povo que ainda Canta» poderão ganhar nova vida através duma colecção do jornal Público, algo que ainda está em negociação, que se espera que chega a bom porto. Editada pela Tradisom, a mesma editora que produziu “O Povo Que Canta”, baseado na obra de Michel Giacometti, esta colecção pretende mostrar aquilo que está para além dos documentários, que são sobre as vidas das pessoas e as músicas que delas surgem.
Este trabalho, agora tornado público, sucede vários documentários do realizador, alguns premiados – tal como o “11 Burros Caem no Estômago Vazio” (2006), “Arritmia” (2007), “Manda Adiante” (2007), “Sinfonia Imaterial” (2011), “Vamos Todos Tocar Juntos Para Ouvirmos Melhor” (2012), “Não me Importava Morrer se Houvessem Guitarras no Céu” (2012) e “Quem Manda Aqui Sou Eu” (2014) –, que procuram ainda hoje mostrar a cultura imaterial portuguesa sob um olhar artístico e com uma perspectiva muito própria que mais do que documentar pretende partilhar vidas. No universo de Tiago Pereira ainda houve lugar para a edição dum disco de recolhas intitulado “Dêem-me duas velhinhas, eu dou-vos o universo”, produzido pela Optimus Discos (agora NOS Discos), em 2013. Este trabalho, que não é independente dos registos que o realizador tem feito sobre a música portuguesa, assume-se como um manifesto cuja mensagem, que é transversal a toda a obra de Tiago Pereira, sublinha a premissa de que “um povo sem memória não existe”. Olhemos com atenção para este projeto, aprendamos a respeitar o que é nosso, a ouvir as nossas gentes, aqui e ali.
Em janeiro, na RTP2, “O Povo Que Ainda Canta”. São 26 episódios a ver, com atenção. •