“Fazer o produto com as raízes bem marcadas” / Bísaro

Saber adaptar a tradição aos tempos modernos traduz o saber fazer de Alberto Fernandes, dono de um legado que, em finais dos anos 1990’, deu origem a um nome associado ao porco bísaro, a Bísaro, na aldeia de Gimonde, em Bragança.

Formado em Engenharia Zootécnica, no vetusto Instituto Politécnico de Vila Real, atual Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Alberto Fernandes, o nosso anfitrião numa noite fria aquecida pelo calor da lareira da Casa da Mestra, em Gimonde, funda, em 1998, a Bísaro – Salsicharia Tradicional, às portas do Parque Natural de Montesinho. O nome é sustentado pelo forte peso da tradição, que o leva a viajar no tempo, até à infância, aos lar dos seus pais, onde “fazíamos os presuntos para a casa e para a taberna”. A taberna, fundada em 1935, em Gimonde, pertencia, na altura, a D. Roberto, como era conhecido o seu avô, António Alberto Fernandes, e em 1995, foi reconvertida num restaurante, o D. Roberto, sobre o qual já falámos aqui.

Por agora vamos cingir-nos à Bísaro, que apresenta três linhas de fabrico: O porco bísaro, raça autóctone da região, criado ao ar livre e alimentado a castanha – na Quinta das Covas, bem perto de Gimonde, e em Castro Verde, no concelho do Mogadouro –, cujo resultado se traduz num produto selecionado, em que a temperatura e a humidade são controladas; os produtos feitos de carne de porco bísaro transmontano com certificação I.G.P. (Indicação Geográfica Protegida) cuja produção é baseada em métodos ancestrais e a cura feita em forno de lenha; e produtos de fumeiro tradicional, em que a carne de porco transmontano é submetida a uma cura de método tradicional, típico da terra fria transmontana. “Hoje, quando se quer vender um produto é importante que haja tempo para explicar o produto”, salienta o Alberto Fernandes.

(…) dos tempos em que a comida “era cozinhada lentamente, ao lume. Hoje dizemos que estamos a ‘cozinhar a baixa temperatura’”

Do outro lado, Leonel Pereira, chefe do restaurante São Gabriel, com uma estrela Michelin, em Almancil, atesta quão “importante” é “conhecer quem produz o bísaro, ver o presunto e saber como é feito agora, com máquinas, com o método moderno, mas com o mesmo sabor de antigamente”. Porém, os produtos concebidos sob o olhar atento de Alberto Fernandes e apreciados por Leonel Pereira não ficam por aqui numa conversa temperada com recordações dos tempos em que a comida “era cozinhada lentamente, ao lume. Hoje dizemos que estamos a ‘cozinhar a baixa temperatura’”, diz o anfitrião.

Para explicar o conceito da empresa, Alberto Fernandes sublinha a importância de “pegar” no porco bísaro e dele “fazer o produto com as raízes bem marcadas”. Afinal, por aqui, a tradição é a palavras de ordem sempre associado aos aromas genuínos dos enchidos e dos produtos fumados de origem transmontana. Com particular “interesse no fabrico de produtos de gama alta”, o fundador da Bísaro explica que o core business são o chouriço, a alheira, o salpicão, o lombo e o cachaço; o produto estrela é o presunto. Quando perguntamos de que forma faz jus à frase que acompanha o nome, diz-nos que “tem de se adaptar a modernidade à tradição”, a qual se mantém “desde que se respeitem as condições higieno-sanitárias no fabrico dos nossos produtos”.

Por isso, pôr mãos à obra e reconverteu uma das casas de Gimonde numa fábrica apetrechada com máquinas munidas de tecnologia de ponta na arte da produção de enchidos e/ou fumados e produtos curados; e reconverteu a fábrica do passado de acordo com as exigências do presente.

Fábrica velha. Fábrica nova

O roteiro pela nova fábrica, cujo telhado sustenta 159 painéis solares, começa no laboratório de análises, feito de acordo com a legislação em vigor, por forma a respeitar a qualidade nutricional e microbiológica dos produtos. Passamos pela lavandaria e pelo balneário, onde os funcionários recebem as batas lavadas e os descartáveis por um pequeno compartimento, antes de entrarem na zona de produção. O percurso inverso começa com a lavagem da protecção do calçado próprio para andar dentro da fábrica e a entrega da indumentária usada.

Já no acesso às salas de desumidificação, de secagem a frio e de produção, as portas, com abertura por dentro e por forma, sucedem-se pelo corredor.

O acesso à informação da fábrica pode ser obtida em qualquer parte do mundo através do telemóvel

O espaço para o frio impera no interior, sendo o controlo da temperatura e da humidade feito através de um painel. “Está tudo computadorizado. O acesso à informação da fábrica pode ser obtida em qualquer parte do mundo através do telemóvel”, revela Alberto Fernandes enquanto nos guia neste roteiro pela fábrica. A título de exemplo, no processo de secagem a frio, feito numa sala em que os enchidos estão expostos em charriots, as condutas aspiram o ar, para secar os produtos. “Se a temperatura e a humidade exteriores forem as exigidas, esse ar é aproveitado para esta sala de secagem, sendo o consumo de energia aproveitado através de um sistema de filtragem das partículas de poluição”, afirma.

No mesmo piso está a câmara que recebe o presunto na fase final, a “bodega” – como lhe chamam os espanhóis –, que funciona com ar climatizado (mais temperatura e menos humidade).

No piso inferior é feito o desmanche de carnes – cordeiro, vitelo, porco –, em que “o trabalho é feito separadamente” e existe a sala de embalagem, bem como a salga do presunto, a qual demora entre uma semana e um mês – “depende do peso” – a qual é feita num compartimento “com capacidade para dois mil presuntos por semana”, onde “o frio é estático, para desumidificar, derreter, o sal. Depois faz os três meses noutra sala”, a seguir vai para o piso de cima, “para fazer séries de três meses”, continua. A fase final acontece na “bodega”. “A partir de um ano, o produto está estabilizado”, explica Alberto Fernandes.

Nas salas de congelação “as carnes são congeladas separadamente”

Na antiga fábrica, agora de “cara lavada”, os compartimentos dividem-se em salas de congelação, onde “as carnes são congeladas separadamente”; triparia; sala de desmancha, cozinha, “com máquinas de cozedura, picadoras independentes em que a granulação é dada como se quer”; sala de fabrico, que “fica só para o chouriço e a alheira”, na qual “trabalho com a variação das temperaturas” e onde há uma misturadora a vácuo; sala de salga; armazém de pão a usar na feitura de enchidos; e sala de estabilização, da qual saem os produtos embalados; sala de fumeiro; câmara de secagem; sala de acondicionamento (de pesagem à unidade e de embalagem); câmara de secagem; e sala de produção. A expedição é feita, claro está, quando a mercadoria está pronta.

O crescimento da empresa deve-se às feiras do país e das que acontecem fora de portas. Nas exportações, Macau, Angola, Moçambique, Itália, França, Bélgica, Alemanha, Noruega e Inglaterra são os destinos inscritos na lista da Bísaro. Para este ano, o Brasil está na calha de Alberto Fernandes.

As casas de turismo rural

No “reino maravilhoso” de Miguel Torga há Gimonde, a aldeia bragançana que acolhe as casas de turismo rural da A. Montesinho, projeto iniciado em 1995 com Quinta das Covas, um agro-turismo que engloba as casas do Guieiro e a do Forno, piscina exterior aquecida, um recanto dedicado ao bem-estar e uma paisagem de cortar a respiração, propícia a atividades desportivas e de outdoor.

No interior da aldeia encontram-se as casas do Lúpulo, reerguida numa antiga propriedade de cultivo da planta trepadeira utilizada no fabrico de cerveja, e a casa da Escola, localizada em frente à antiga escola primária de Gimonde, ambas “adquiridas há cerca de dez anos”, conta-nos Alexandrina Fernandes, a cicerone nesta ronda pelo casario rústico e decorado um pouco à imagem do antigamente, e filha de Alberto Fernandes.

Por sua vez, às portas do Parque Natural de Montesinho estão a casa da Mestra, outrora os aposentos das professoras que lecionavam naquele lugar bucólico, à beira do rio Sabor, e a casa do Bísaro, as quais surgiram depois.

O projeto habitacional “começa por causa do restaurante”, continua Alexandrina Fernandes, porque “as pessoas gostavam de ficar por cá”, razão pela qual sentiram a necessidade de alojar os comensais do D. Roberto, “o que veio também incrementar a valorização do património local”. No entanto, e uma vez que “o turismo de qualidade tem a vindo a crescer, queremos levar um bocadinho mais a fasquia da qualidade. Queremos fazer um boutique hotel”. Agora há que seguir em frente.

Para quando uma ida a Gimonde?

+ Bísaro
+ A. Montesinho
© Fotografia: João Pedro Rato

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