Na viagem a Nantes, rumemos a sul, à descoberta da pitoresca com paragem obrigatória no vinhedo que reveste a infinita paisagem-berço do célebre Muscadet Sèvre-et-Maine sur lie, e no Château du Coing, em Saint-Fiacre-sur-Maine, um dos muitos castelos do Loire-Atlantique.
A serenidade do rio Sèvre rima com a calma desta cidade francesa
Clisson, a italiana. Assim é conhecida a cidade medieval erguida nas margens dos rios Sévre e Moine, o seu afluente, a sul da região do Pays de la Loire e da antiga Bretanha, anfitriã da atual rota do vinho do vale do Loire, no noroeste de França. Dominada por um casario baixo, de telha vermelha e paredes com padrões de tijolos, construído à imagem da Toscânia, na Itália, Clisson respira tranquilidade e encanto, graças à entrada em cena dos irmãos e artistas François e Pierre Cacault, de Nantes, e do escultor François-Frédèric Lemot que a fazem a renascer das cinzas.
A “parte nova”, como lhe chamam, do castelo de Clisson
As mesmas cinzas que debilitaram o seu vetusto castelo da Idade Média. Uma residência fortificada do século XI e ampliada entre os séculos XIII e XVIII no limite da fronteira da Bretanha com a França, pertencente a François II, Duque de Bretanha, e a Napoleão Bonaparte, que a tornou um refúgio no campo, suspensa nas rochas que preguiçam até ao rio Sévre, e testemunho de um passado tumultuoso marcado pelas cinzas causadas pela Guerra de Vendée, em finais do século XVIII, o conflito entre republicanos e monárquicos, que calcorrearam as ruas de Clisson, deixando-a à beira da destruição.
Do castelo de Clisson a vista é deslumbrante. Pelos rios atravessam pontes medievais, como a Pont de la Vellée (que se vê na imagem de entrada), sobre o Sèvre, e a Saint Antoine, a qual pousa os seus arcos de estilo gótico no rio Moine.
A villa italiana, no coração do parque Garenne Lemot, da autoria de François-Frédèric Lemot
Para lá das casas e dos rios, o olhar é conquistado pelo Temple d’Amitie, na colina de Saint Gilles, o edifício construído em nome da amizade entre os irmãos Cacault e o François-Frédèric Lemot, e pela Garenne Lemot, um refúgio italiano que é um parque frondoso projetado, no início do século XIX, por François-Frédèric Lemot à imagem de um jardim romântico, com 13 hectares repletos de várias espécies de árvores, estátuas antigas e pequenos templos. Momentos antes de entrarmos deparamo-nos com a casa do porteiro, uma réplica de uma casa toscana, datada de 1817, a qual não passa despercebida aos mais curiosos, pela beleza e pela harmonia das cores.
Os trilhos traçados pelo meio da natureza levam-nos à villa Lemot, no coração do parque, construída no tempo de François-Frédèric Lemot, tendo o seu filho, Barthélemy Lemot, desfrutado desta réplica das mansões italianas cuja frente é complementada por um semicírculo composto por colunas. Em frente, a avenida que nos encaminha à casa do jardineiro, uma obra-prima de grande influência italiana, é acompanhada por árvores de ambos os lados e decorada, no meio, por estátuas, que coabitam com peças de arte contemporânea espalhadas pelo parque.
Antes de regressarmos ao vale, ditado pela cidade medieval, com as suas igrejas e o mercado, o primeiro de Clisson, o qual remonta às origens da cidade e que, ainda hoje, funciona às terças e às quintas, passamos pelo viaduto de granito que atravessa o Moine desde 1840.
Na região vitivinícola do Muscadet
O monumento de pedra que demarca o início da vinha do Château du Coing de Saint-Fiacre-sur-Maine
De Clisson partimos à descoberta do vinhedo de Nantes, a capital do Muscadet, o terceiro vinho mais produzido em França. Perto do oceano Atlântico, as vinhas estendem-se desde Ligné, a norte do rio Loire, a Bourgneuf-en-Retz, a noroeste e a Vendée, a sul. O total ronda os 11.500 hectares de vinhas cuja casta melon de bourgogne é utilizada na produção do Muscadet, um vinho de Denominação de Origem Controlada que atinge 80 por cento da vitivinicultura da região do Sèvre-et-Maine, onde nos encontramos.
Na companhia de Franck Pasquier, um apaixonado pelo vinho que, ao fim de 15 anos, deixou o mundo da informática e das telecomunicações para fundar a V.L.O. – Vignoble Loisirs Organisation, chegamos ao epicentro do nosso roteiro, o Domaine Ménard-Gaborit, que começa em redor de um moinho e se prolonga por mais de 72 hectares de vinha. O lugar perfeito para um brinde e um tête-à-tête ao fim da tarde.
A casa construída a posteriori na propriedade vinícola Château du Coing, em Saint Fiacre-sur-Maine
Já nos vinhedos de Saint-Fiacre-sur-Maine é imperdível a visita ao domínio vinícola Château du Coing, um paraíso ancestral na confluência dos rios Sèvre, a oeste, e Maine adquirido em 1973 por Bernard Chéreau, um apaixonado pela vinha e pelo vinho.
Com um terroir de xisto, há pedaços de vinha plantada há quase cem anos e outras com cerca de 50 numa propriedade de 45 hectares. À entrada, o castelo, que parece sair de um conto de fadas, ostenta uma arquitetura que faz sonhar com um passado glamouroso, apesar das constantes alterações que sofreu ao longo das épocas, com a Revolução Francesa em cena e a entrada de Napoleão na história da região, que o ofereceu a um oficial. Dos primeiros tempos persistem a escadaria, os espelhos pendurados nas paredes largas, a estreita torre. Dos outros, o destaque vai para a casa ao lado do antigo castelo, da qual ressalta a influência toscana.
A sala grande ostenta os espelhos originais do antigo castelo
Da realidade de outrora passemos ao presente, à paixão pelo Muscadet. Assegurada pela filha, Véronique Günther Chéreau, e pela neta, Aurora Günther Chéreau, enóloga, a produção de Muscadet sur lie é feita a preceito na adega contígua à casa. A produção do vinho começa com a entrada direta das uvas para a prensa elétrica, de onde saem os tubos para os tanques, na cave. Aqui permanecem durante dez dias, tendo o frio um papel preponderante, pois permite que o processo de fermentação ocorra lentamente. Findos os dez dias, o vinha passa para os barris, onde se dá início ao processo sur lie – bactérias que, à primeira vista, parece um pó de cor cinzenta que, de vez em quando, é mexido para se misturar com o vinho, para que este ganhe complexidade e aroma.
Eis o Muscadet sur lie, o branco seco tão apreciado pelos franceses que, em Château du Coing, distinguido com prémios de renome pelos seus vinhos, que merecem a reserva de uma prova de degustação após uma breve visita à propriedade. E quem não gostaria de lá chegar após um passeio de barco pelo Sèvre?
A casa de hóspedes de Thomas Alperstedt
A noite depressa entra em cena. Chegamos à aldeia de Saint-Fiacre sur Maine, onde Thomas Alperstedt, que deixou a Alemanha de leste pouco tempo depois da queda do Muro de Berlim, nos abre as portas da sua casa de hóspedes, La Demeure de Saint Fiacre.
Uma casa rústica em pedra que o nosso anfitrião remodelou à sua imagem, contemporânea e minimalista, decorada com peças adquiridas nos destinos das suas viagens a África do Sul, a Coreia ou o Brasil, cujo colorido está presente num dos três quartos que aluga a quem passa em Saint-Fiacre-sur-Maine. Afinal, Thomas Alperstedt sabe receber como ninguém e sem pressas, mesmo ao pequeno-almoço, acompanhado de uma boa conversa, fazendo-nos sentir em casa.
La Gaillotière para o repasto
Sempre prestável, Thomas Alperstedt conduz-nos ao Aubergue La Gaillotière. Uma antiga adega em Château-Thébaud, rodeada de vinhas planas, transformada num restaurante, de Cristtelle e Benoît Debally, o chef de uma cozinha inspirada nas receitas das nossas avós, com uma sala de jantar que desperta memórias de infância, onde a arte de bem receber é singular.
À mesa, o antigo e a tradição são reconhecidos pela mestria dos pratos cujo desfile começa com foie gras e pão caseiro, palavra que dita a diferença na feitura da iguaria da culinária francesa.
Uma vez que os produtos do dia ditam a carta, que muda a cada duas semanas, o prato de peixe eleito é um bacalhau acompanhado com legumes feito com primor e que logo conquista a boca; o de carne é, por sua vez, protagonizado por uma língua de boi servida numa caçarola de ferro fundido, com legumes, um prato que, a avaliar pelo final, seduziu o palato até à última garfada.
No final, o camembert imperou na companhia de um puré de abóbora com gengibre, de um pão de frutos secos barrado com azeite e de alface.
Eis um lugar imperdível no coração da região vinícola de Nantes, pois os pratos são de comer e chorar por mais.
Será que é desta que se deixa conquistar por Nantes? •
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© Fotografia: João Pedro Rato
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