Uma townhouse no coração de Lisboa

A sumptuosa e enigmática entrada encaminha os hóspedes para a descoberta de uma ilustre casa cosmopolita, de cores quentes e mobiliário vintage, atrás de uma enorme porta envidraçada, a qual desvenda rostos com um sorriso singular a desejar as boas-vindas ao Hotel Valverde.

A linguagem clássica e elegante do Hotel Valverde, em Lisboa, soletra a graciosidade em cada detalhe. Em cada recanto, o decor enche de inspiração por quem aqui permanece por uns dias, pelas peças de mobiliário, sobretudo dos anos 1950’, e pelos tons que as vestem, assim como pela combinação de cores e materiais que revestem as paredes desta casa erigida, no século XIX, em plena avenida da Liberdade. Um edifício com as características de uma townhouse londrina, em que a dupla do Porto, José Pedro Vieira, mais focado na parte criativa e no acompanhamento da remodelação do prédio, e Diogo Rosa Lã, que desenvolveu tecnicamente o projeto, converteu a arquitetura de interiores num espaço intimista.

Na sala de estar, a sala de visitas de uma casa tão nossa, lugar eleito para as conversas de família e entre amigos, sobressai o detalhe, à semelhança das outras divisões do edifício, graças às peças decorativas, “compradas em leilão”, diz-nos José Pedro Vieira, e ao romântico arranjo floral que compõe o quadro complementado, por sua vez, pelas estantes junto às janelas, onde os livros convidam à leitura, assim como os jornais, num ambiente cosy. O mote perfeito “para que as pessoas se sintam em casa”, acrescenta o arquiteto de interiores, que conversa sobre o Valverde, como sendo “um hotel que poderia estar noutra cidade”.

No fundo, o Hotel Valverde é o revisitar de uma Lisboa desaparecida, dos tempos do Passeio Público, palco de ilustres, dotados de elegância, de portas abertas desde setembro de 2014.

Nos aposentos, a decoração segue a linha dos espaços comuns, confortável e com um cunho vintage no mobiliário e no revestimento em madeira combinado, uma vez mais, com os tons quentes das paredes rasgadas pelas portas para varandins. O testemunho da elegância, ora com vista para a avenida da Liberdade, ora para o Páteo, o pequeno jardim exterior, projetado pelos arquitetos paisagistas João Bicho e Joana Carneiro, no qual preguiçaremos mais à frente.

Já agora, que tal uma massagem?

Ainda nos aposentos, vale a pena falar sobre a casa-de-banho, onde o preto e o branco dominam o jogo das não-cores, uma vez mais, inspirador para quem tanto aprecia a decoração de interiores.

“Cada dois quartos são diferentes”, afirma o arquiteto de interiores, que refere as coqueluches do hotel, as duas suites instaladas no topo do edifício, com particular ênfase na Valverde, graças à gigantesca janela estanque que, todos os dias, convida o sol a entrar.

Descemos a escadaria central, de traça “original”, garantia dada por José Pedro Vieira, com corrimão em ferro trabalhado. Pelas paredes, os lambris de papel de parede com guarda-chuvas coloridos e de diferentes tamanhos não passam despercebidos a miúdos nem a graúdos.

Já no piso da receção e da sala de estar, continuamos o percurso pelas escadas interiores, de paredes vermelhas e com lambrim que, desta vez, incita os hóspedes e passantes a passearem de bicicleta até ao Sítio Valverde, o restaurante vintage do hotel. Uma pequena “caminhada” que vale a pena em substituição do elevador.

De olhos postos no Páteo, eis o Sítio Valverde

Discreto e acolhedor, com uma decoração que continua, de certo, a surpreender hóspedes e passantes – a verdade é que, apesar da entrada ser comum a ambos, quem preferir um repasto mais intimista, o Sítio Valverde conquista o olhar pelas altivas colunas no meio da sala, as quais nos reportam para a imagem das chaminés dos navio-cruzeiro dos anos 1920’, entre as quais está disposta uma peça decorativa que prolonga a estética do hotel. Os candeeiros de parede datam dos anos 1950’ e, tal como os outros, foram adquiridos em leilões e lojas de antiguidades, de onde chegaram as peças de mobiliário com um look vintage e, ao mesmo tempo, moderno, em consonância com as gravuras do século XVIII, as quais fazem parte de um conjunto intitulado “Delle logge di Rafaele nel Vaticano” encomendadas, em 1776, a Giovanni Volpato.

Com o bar a dar as boas-vindas, fica o convite para um cocktail enquanto aguarda mesa para o almoço – acompanhado por música ao vivo à sexta – ou o jantar no mesmo espaço onde, pela manhã, é servido o pequeno-almoço buffet e à la carte, pois os ovos mexidos e ovos Benedict, entre outros, além dos guarnecidos com boas sugestões, ou as panquecas e os crepes, o pão frito e o tomate assado, por exemplo, constam na lista das opções quentes, e o brunch, aos domingos, das 12.30 às 16 horas.

À mesa, os detalhes primam pelo requinte nas louça, um desfile dotado de bom gosto enaltecido, sobretudo, à hora do chá, marcado para as cinco da tarde, onde os tons das chávenas e da chaleira rimam com o colorido de miniaturas de pastelaria e de salgados, dos scones feitos na hora, das compotas e manteigas. Ideal para uma pausa no fim das compras ou de um passeio pela cidade.

Do lado de fora, o Páteo traduz o cenário de um jardim interior de uma casa cosmopolita, ditado pela privacidade e a serenidade, onde o negro, do pano de fundo, é quebrado pelo verde da vegetação, os vasos de terracota e o mobiliário variado e disposto em recantos, a fim de criar diferentes ambientes ao longo deste espaço, que convida à preguiça e à conversa na companhia de amigos e, porque não, de um cocktail. Sem esquecer a piscina, para relaxar num fim de tarde de verão que, não tarda, estará à porta – assim o desejamos…

“A cozinha de raiz portuguesa”

Na cozinha está Carla Sousa, a chef. A presença, marcada desde o início da abertura do restaurante, resultou de um feliz reencontro com Adélia Carvalho, diretora geral do Hotel Valverde, com quem trabalhou noutro hotel da cidade de Lisboa, que a convidou a entrar neste novo desafio.

Por conseguinte, a carta denota o saber de Carla Sousa, mestre dos sabores da nossa gastronomia e, na qual, constam as sugestões diárias da chef, em que faz questão de ir à mesa para dar a conhecer as propostas gastronómicas, cuja base é “a cozinha de raiz portuguesa”.

Falemos do repasto, que segue a sugestão da chef. Começamos por um pastel de bacalhau com tomate cherry e agrião, uma reinterpretação desta famosa iguaria bem portuguesa que faz abrir o apetite. Na entrada, o protagonismo cabe a uma trouxa de farinheira com compota de manga, rúcula e alface, apesar do creme de ervilhas  com presunto crocante ter feito as delícias do comensal mais novo à mesa.

Segue o peixe, o cantaril com risotto de mexilhão, e a carne, um bife do lombo com molho de queijo cheddar e legumes baby na companhia das célebres batatas chip’s Valverde. Uma sequência de sabores que seduzem o palato à primeira.

Para o fim está guardada “a cereja no topo do bolo”. Uma sopa de chocolate com gelado de malagueta que é “de comer e chorar por mais”, graças ao misto de sabores doce e picantes, que tão bem combinam nesta dupla; e uma mousse de lima e mirtilos que termina o repasto com a assinatura de uma chef descendente de pais cabo-verdianos que, desde cedo, gosta de cozinhar, um ofício que aprendeu com o pai.

Aos 17 anos, Carla Sousa decide tirar o curso de cozinha na Escola de Hotelaria da Pontinha, às portas de Lisboa, no qual “estive sempre muito à vontade”, pois “já tinha o hábito de cozinhar para muitas pessoas”, guardando no currículo nomes conceituados na gastronomia portuguesa. Vítor Sobral é o primeiro que profere: “Deu-me a maior abertura da cozinha portuguesa, a minha preferida. Desde então tive a certeza que era esta a cozinha que queria ‘fazer’.” Com Fausto Aroldi “fui alargando os horizontes na cozinha” e, com Luís Baena, teve formação na cozinha molecular. Entretanto, passa pelo Penha Longa Resort e pela cozinha de Chakal.

Quando fala de Henrique Sá Pessoa, Carla Sousa esboça um sorriso ainda mais aberto: “O meu chefe. Vê-lo trabalhar em silêncio era qualquer coisa muito especial. Ainda hoje contagia toda a gente! Adorei!” Segue o Darwin’s, o restaurante da Fundação Champalimaud, em Lisboa, e o Sushic, em Almada.

Agora, Carla Sousa está de malas e bagagens no Sítio Valverde, onde contagia todos os presentes com a sua simpatia e deliciosas ideias, como o almoço genuíno de cachupa rica, que é para repetir. •

+ Hotel Valverde
© Fotografia: João Pedro Rato

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