Songs Of Thessaloniki / Savina Yannatou

A música erudita, com uma forte herança na música tradicional pode ser, muitas vezes, bela. E pode, por vezes, ter uma carga de encantamento, de magia, que nos prende do início ao fim de um álbum. Eis a magia numa voz grega acompanhada de acordes distintos, Savina Yannatou & Primavera en Salonico, “Songs of Thessaloniki”.

Este é o quarto álbum da cantora grega para a editora ECM Records e é, assumidamente, uma excepcional reinterpretação, do passado multi-cultural de Salonica (também conhecida como Tessalónica) sob o exímio olhar contemporâneo de Savina Yannatou e do grupo Primavera en Salonico – uma aliança veterana na cena musical. A voz de Yannatou, num etéreo áspero necessário ao tempero deste folk, é instrumento primordial (sem roubar protagonismos) neste trabalho por sonoridades que nos levam até Salonica na forma mais pura, com uma voz que nos conta histórias na música acompanhada por uma panóplia indispensável de instrumentos de sonoridade exquisite como o qanun (kanun – é um instrumento de cordas originário do século X, da região de Farab, no atual Irão; na Antiguidade, era conhecido como saltério); oud (ou ud – cordofone em forma de ‘meia-pêra’ ou gota, similar ao alaúde, que se distingue sobretudo pela ausência de trastos; é comumente usado em música do Médio Oriente); nay flute (ou ney – típica do Médio Oriente, originalmente surgiu no Antigo Egipto; o termo ney significa, em persa, ‘cana’, e é desse material que costuma ser feito, é um precursor da flauta moderna); e de instrumentos que nos são mais familiares como violino, contrabaixo, percussão, guitarra e acordeão.

As estórias são espelho da complexidade da história da região, outrora coloquialmente chamada de Jerusalém dos Balcãs, região que berço de culturas várias, religiões e etnias – gregos, judeus, turcos, búlgaros, sérvios, arménios,… Cantam-nos sobre o fogo que destruiu Salonica em 1917 – “La cantiga del fuego” -, relembram episódio da Primeira Guerra Mundial em “Salonika” (música irlandesa sobre a região) que, de facto, para quem seja conhecedor do soberbo mundo criado por Brecht e Weill, é travo que nos transporta para esse universo de musical na lírica e no ritmo – “And when the war is over /What will the soldiers do?/They’ll be walking around with a leg and a half/And the slackers, they’ll have two…”. Um álbum que equilibra tradição, história, sociologia, amores e desamores, política e cultura, dando voz e ritmo a todos os que são Salonica, que mais do que nos perdermos em elogios vários urge dizer que é um álbum obrigatório.

Yannatou e Primavera en Salonico, juntos, são o que tornam todo este trabalho uma incursão ímpar e segura no mundo folk. “Old songs, as if postcards of sound with the label ‘Souvenir de Salonique’, were our original materials“, “they became canvases for our imagination to create contemporary narratives on old myths. Sometimes the original ‘pictures’ are merely coated with colour, sometimes only the outlines are saved, and sometimes the addition of the new material transforms them completely. There is however an element which remains – by choice – almost unaltered throughout this process: the timbre of the instruments. This is what mostly forms the ‘texture’ of the material and convey the final sense of the whole endeavour“, nas palavras dos músicos, a melhor apresentação deste trabalho.

Produzido por Manfred Eicher, aqui tem 17 músicas com Savina Yannatou – voz; Kostas Vomvolos – qanun, acordeão; Yannis Alexandris – oud, guitarra; Kyriakos Gouventas – violino; Harris Lambrakis – nay; Michalis Siganidis – contrabaixo; Kostas Theodorou – percussão.

Música de excelência para descobrir e ouvir. •

+ Savina Yannatou
+ ECM
© Fotografia: Sara Quaresma Capitão.

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