Onde o clima é tão adverso, é inevitável criar um sistema agrícola cuja produção aconteça de forma autónoma. Foi o que fez Alfredo Cunhal Sendim numa aldeia perto de Montemor-o-Novo, onde todos os intervenientes do ecossistema implantado têm uma missão a cumprir.
O dia começa bem cedo. De um lado, os homens da terra fornecem alimento aos animais, do outro, as mulheres trabalham a terra, e todos fazem-no com o empenho e o rigor que a natureza merece.
Estamos junto à escola da Herdade do Freixo do Meio. Localizada ao lado da aldeia de Foros de Vale Figueira, concelho de Montemor-o-Novo, na fronteira entre o Alto Alentejo e o Ribatejo, a propriedade abrange, no total, 440 hectares de planície, onde a agricultura biológica e biodinâmica é, desde 1997, o centro de um trabalho com muito para dar. “É preciso trabalhar a terra e perceber como se faz”, diz-nos Alfredo Cunhal Sendim, o proprietário e mentor da sociedade agrícola que define como “empresa social”, pois “não visamos o lucro em primeiro lugar, mas sim as pessoas e os recursos do planeta”, sublinha.
O melhor é, talvez, explicar o processo. “Há uma lógica de ecossistemas inspirados nos que existem na natureza”, os quais são geridos de forma a que permaneçam na sua essência. Falamos da agroecologia que, no trabalho diário de Alfredo Cunhal Sendim e de todos os que intervêm na herdade. É a “inspiração de agricultura de montado”, a qual já existe “há, pelo menos, mil anos” e, apesar do clima adverso que caracteriza a região, há que “perceber o ecossistema e moldá-lo, tornando-o melhor” – melhor para o ambiente e melhor para o Homem, produzindo o necessário e, em simultâneo, dando “mais trabalho a mais pessoas” –, além de sustentável e eficiente, graças à simbiose entre os elementos que fazem parte da natureza, pois “todos os animais e vegetais têm uma missão no ecossistema”.
Por agora, continuemos esta lição – devida e de vida – que Alfredo Cunhal Sendim nos dita junto à escola, o edifício que alberga uma biblioteca composta por livros de geografia e de tantas outras disciplinas ligadas à natureza, e onde a permacultura é alvo de estudo por quem se interessa, de facto, pela prática agrícola tradicional aliada à ciência e à tecnologia sem que, com isso, haja prejuízos para o meio ambiente.
A agricultura cool do Alentejo
A meio da manhã todos fazem uma pausa para aconchegar o estômago e dar alento à alma na companhia de dois dedos de conversa. Findo o tempo, regressa-se aos afazeres, pois o dia promete ser longo. Que o diga José Mira, o nosso cicerone. Conquistado pela acalmia do Alentejo vive, há dois anos, na Herdade do Freixo do Meio, deixando Lisboa para trás, cidade em que regressa por um curto período de tempo, voltando sempre para o trabalho no campo.
O turismo didático é, portanto, outra das vertentes exploradas no âmbito das visitas guiadas destinadas a escolas, turistas, curiosos, com a finalidade de transmitir quão importante é a sustentabilidade no sentido lato ao longo de um agradável passeio, antecedido por uma súmula da história e da estratégia empresarial implementada.
Durante o percurso, José Mira mostra-nos a estufa solar, onde pedaços de tomate e de tomate pêra estão a secar. A este processo são também submetidos a maçã, a curgete, as uvas, os figos, entre outros, “consoante a época do ano”, explica. A finalidade é disponibilizar o produto para venda na loja e no restaurante da propriedade, bem como na loja da Herdade do Freixo do Meio, no Mercado da Ribeira, em Lisboa, espaços onde uma lista infindável de produtos feito a partir do que a terra desta propriedade alentejana dá são uma tentação. Só para acicatar a curiosidade, há: Café, pão e biscoitos de bolota, vinagre de vinho tinto e vinagre de sidra biológicos, polpa e sumo de tomate biológico, massa de pimentão, azeite e pasta de azeitonas, doce de tomate e ketchup bio, compota de amoras, vinho mandala. No total, são “mais de 300 referências”, nas palavras de Alfredo Cunhal Sendim, entre leite, carne (porco preto, vaca barrosã, frango), vegetais, hortícolas, arroz, milho, azeite, chás, doces e compotas, cogumelos, produtos de charcutaria…
“Aqui todos os recantos são aproveitados para pequenas hortas”, afirma José Mira enquanto percorremos os caminhos traçados no chão que nos leva aos chamados camalhões, parcelas de terreno “formadas por vales, onde colocamos pedaços de madeira, que são tapados pela terra”, para sementeira. Ao cimo desta estão os tomateiros, por baixo nascem as cenouras, as curgetes. “Tudo o que é da época planta-se e semeia-se”, continua o nosso cicerone, mas os que apresentam sinais de deterioração servem para alimentar os animais (porco preto, vaca barrosã, cabras, frangos, galinhas, perus, gansos) – que também comem a erva que cresce nas sementeiras das casas das sementes – ou são deixados na terra completando, assim, o ciclo da vida. Com efeito, muito serve para ser transformado em matéria orgânica, como as borras de café, que são depositadas num tanque próprio para o efeito sendo, depois, utilizadas para fertilizar o solo, que nos encaminha ao Eco Camping, na Herdade do Freixo de Cima, contígua à Herdade do Freixo do Meio, espaço que proporciona a vivência na natureza.
Na visita conhecemos o espaço confinado ao corte e desmanche da carne, depois desta chegar do matadouro, o fumeiro e a câmara de refrigeração das peças, e o forno onde é cozido o pão. “Cerca de uma vez por mês, a comunidade reúne-se aqui para fazer a piza e cada um escolhe os ingredientes”, acrescenta José Mira.
A comunidade integra os que habitam na Herdade do Freixo do Meio e os voluntários – a maioria oriunda de fora de portas –, que aprendem as práticas de agricultura que é posta em prática, bem como produção, transformação e venda de produtos. Em troca, ao fim de 40 horas semanais – oito horas por dia, de segunda a sexta –, cada um recebe um cabaz, de acordo com a alimentação que faz.
Para terminar em grande, e aos que assim o desejarem incluir no fim da visita na pré-reserva, é servido o almoço no restaurante da herdade, no qual pode experimentar o famoso cozido confecionado ao lume numa panela de barro, ou a degustação de produtos que estão disponíveis para venda. Já agora, fica o convite para conhecer a Laurinda, uma burra bebé que encanta miúdos e graúdos.
O paralelismo da sustentabilidade
No âmbito da defesa dos recursos naturais, a Herdade do Freixo do Meio alberga projetos autónomos, como o eco kopo, que promove o uso de copos reutilizáveis, e o biataki, o eco-cinzeiro transportável, e ambos produtos que já dão que falar, por exemplo, no Piknic Électronik. Há a cocheira que, para além das aulas de equitação, disponibiliza passeios a cavalo, de burro e de carroça mediante reserva; a Caravana Baazar, projeto de artesanato da Filipa Brito e Abreu; o jardim de plantas medicinais, da Mafalda e do André; e, mais acima, o Ganda Pinta, um projeto com galinhas dentro da autoria do Tino, e o pomar, do Carlos e da Catarina.
Mas muito ficou por dizer e ver nesta herdade de 440 hectares, que pode ser visitada por marcação pelo 938 434 608, através de visitas@herdadedofreixodomeio.com ou por quem está hospedado no L’And Vineyards, em Montemor-o-Novo, ou até mesmo na 4.ª edição do Encontro de Outono cuja data será anunciada em breve. A ir! •
+ Herdade do Freixo do Meio
© Fotografia: João Pedro Rato Fotografia
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