A Casa de Pasto Corpo Santo do Cais do Sodré

O 1.º andar do n.º 20 da rua de São Paulo, em Lisboa, convida a uma viagem às nossas reminiscências, conciliando o kitsch à excentricidade de um cenário que ora reporta à sala de jantar da casa da avó, ora a um filme western, com o receituário português recriado à luz da contemporaneidade e assinado pelo chef Diogo Noronha.

Inspirada nas casas de pasto espalhadas pela cidade das sete colinas em finais do século XIX e meados do século XX, a Casa de Pasto Corpo Santo, isublima, à primeira vista, a decoração kitsch, com os espelhos grandes, as faianças de Rafael Bordalo Pinheiro, entre outras peças kitsch, os quadros representativos da última ceia, os crucifixos, uma foto de Padre Cruz, os pratos dispostos nas paredes revestidas de papel de parede de distintos padrões, os quais são replicados nas lonas que ornamentam os respetivos tetos.

Duas mãos cheias – e mais, caso houvesse – de objetos que trazem à memória a sala de jantar de avós ou de uma tia ou de uma obra cinematográfica de western a servir de pano de fundo, sem esquecer os porcos voadores do artista português Leonel Moura, suspensos no espaço reservado aos fumadores e – observe bem – na fachada do edifício que alberga a Casa de Pasto e a Vinharia, sobre a qual levantaremos um pouco o véu mais à frente.

Sentemo-nos. À mesa, os pratos reportam à infância por inspiração na cozinha das nossas avós e na gastronomia tradicional portuguesa, com o bacalhau e o polvo assado na brasa, a perna de cabrito ou os filetes de peixe, os pimentos assados ou o esparregado. Um desfile que converge num receituário que nos faz sentir em casa, sempre com o devido respeito, e em boa companhia do legado de Baco português, pois a carta de vinhos é inteiramente nacional.

Comecemos com o couvert composto pela broa de milho, o pão rústico e mui recomendado pão de bica de azeite. O azeite, esse, vem de Campo de Víboras, região DOP de Trás-os-Montes, e chama-se Distintus, pois é com distinção que o chef Diogo Noronha faz a sua cozinha.

Do norte para sul faz-se a viagem à mesa com os petiscos, desta vez com a cenoura à boa maneira algarvia, além das azeitonas marinadas à boa maneira portuguesa. Os croquetes de frango e de camarão, e o rissol de berbigão conquistaram, de igual modo, o palato, apesar do destaque recair no último, assim como a empada de alcachofras e presunto, de “comer e chorar por mais” e cuja massa é feita com a receita da avó do chef.

Entremos nos pitéus e iguarias da Casa de Pasto, com a torrada de bacalhau, iogurte grego, pimentos assados e alcaparra frita a fazer as delícias, que se elevaram ainda mais com a torrada de polvo com tomate e alho assado e os pezinhos de coentrada, com uma apresentação bem diferente da convencional – afinal, não é uma Casa de Pasto para levar à letra –, mas muito saborosa, acompanhados por um escabeche de manga e azeitonas pretas. “Um prato que tem muitos seguidores e, por isso, não tiro da carta, mas vou fazendo adaptações”, diz-nos Diogo Noronha.

Do mar o peixe galo foi no eleito para a filete com pimentão fumado e uma maionese de uva em pickle, em homenagem à época de vindimas, um prato bem estruturado no que concerne aos sabores – a acidez da maionese em combinação perfeita com o fumado do pimentão e o sabor a mar da alga, outro dos ingredientes presentes. A companhia coube ao tradicional e tão bem casado arroz de grelos.

Para a carne, o protagonismo foi dado à presa ibérica grelhada no fumeiro, com batata frita e esparregado de nabiças, uma composição que despertou memórias e seduziu a boca à primeira garfada.

O doce final ficou reservado a três sobremesas saídas das mãos de Clayton Ferreira, o chef pasteleiro eleito por Diogo Noronha para a sua cozinha na Casa de Pasto.

Iniciemos o roteiro guloso pelo densos e chocolate e creme de baunilha, perfeito para os fãs de chocolate, seguido pelo irresistível leite creme queimado, que reporta para a receita das nossas avós.

E terminemos com o surpreendente duchaise de morangos e ruibarbo.

De portas abertas desde dezembro de 2013, a Casa de Pasto Corpo Santo é a estreia da Main Side na área da restauração e o primeiro desafio de Diogo Noronha no referido grupo detentor da Pensão Amor, no Cais do Sodré, e do Lx Factory, em Alcântara. E tudo indica que não vai ficar por aqui. Além deste espaço, que tem como vizinha a Vinharia – uma enoteca que reside no rés-do-chão do número ao lado e, para a qual, os petiscos são também da autoria do chef –, está agendada, para breve, a abertura de um gastrobar no emblemático Lx Factory cuja cozinha estará nas mãos de Diogo Noronha.

Sem data prevista está, por sua vez, o projeto concebido para o antigo Hospital do Desterro – outrora Mosteiro de Nossa Senhora do Desterro de Lisboa, datado do século XVI, mais tarde convertido num hospital –, que reúne várias componentes, e “criados conceitos âncora que vão impulsionar o projeto”, entre as quais se encontra a da restauração dirigida pelo chef português. “A essência não está muito longe da do Lx Factory, mas o propósito é outro, a história é outra e a zona da cidade é outra”, reforça Diogo Noronha.

Até lá, o melhor é (re)visitar a cozinha da Casa de Pasto, mas não sem antes ler a entrevista ao chef Diogo Noronha aqui. Bom apetite! •

+ Casa de Pasto
© Fotografia: João Pedro Rato

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