A história. A cultura. Os costumes. Os sabores. Eis os ingredientes que compõem a missiva de Alexandrina Matos em Santar, o seu berço, onde aposta com afinco num novo projeto turístico aliado à arte da degustação.
A fachada do casario remonta-nos a um passado apegado à história da região
Depois da República Democrática do Congo, país onde viveu cerca de 17 anos, Alexandrina Matos decide, em 2011, regressar à casa onde nasceu e cresceu: a Casa do Miradouro Santar. Erigida numa propriedade com cerca de 8.900 m2, e de olhos postos ora nos Paços dos Cunhas, ora na casa dos condes de Santar, ora na Santa Casa da Misericórdia fundada em 1636, por D. Lopo da Cunha – outrora fundador do Paços dos Cunhas de Santar, dos quais é vizinha – a Casa do Miradouro Santar acolhe, de braços abertos, as memórias dos tempos de infância e adolescência, onde reinam pertences de cunho pessoal e registos fotográficos de bons momentos passados em família. “Há dez anos, recuperei o interior e, quando voltei do Congo, recuperei o exterior, para vivermos aqui. Entretanto, indaguei sobre a possibilidade de implementar, aqui, um projeto de turismo de habitação”, desejo adormecido durante o tempo que permaneceu em África.
Com o regresso ao seu berço desperta a vontade de abrir as portas de sua casa a viajantes e demais curiosos ávidos de histórias. Anfitriã por natureza e exímia cozinheira Alexandrina Matos, mulher empreendedora e uma apaixonada pela sua terra natal e pelo património histórico, cultural e gastronómico locais, decide pôr mãos à obra e propor um projeto de alojamento assinado pelo arquiteto José António Lopes, no sentido de colocar Santar no mapa turístico do país.
Já com o aval da Câmara Municipal de Nelas na mão, Alexandrina Matos verá, no futuro, aposentos da casa transformados em quartos espaçosos, com casa de banho privada, para hóspedes de dentro e fora de portas, e por salas, ora de jantar, ora de estar, ora de entretenimento, pois uma das alas do edifício principal será residência permanente da proprietária. E tudo está pensado ao mais ínfimo pormenor, desde os colchões à roupa de cama, passando pelas peças de roupa das casas de banho, ou não fosse o conforto uma das palavras determinantes no vocabulário de Alexandrina Matos. Nos espaços comuns, fica a promessa de pensar em cada detalhe, sempre com a finalidade de mimar quem eleger a Casa do Miradouro Santar – composta por piso térreo, primeiro e segundo andares, e mansarda, além das construções adjacentes – , para fazer uma pausa no tempo e conhecer a história da vila por dentro.
A arte de cozinhar e partilhar
A apresentação informal do projeto é feita na cozinha, revestida pelos materiais do passado em consonância com o presente, e o lugar de eleição da anfitriã, que, em 2012, se inscreveu no curso de restauração e catering, da Escola Superior de Turismo e Hotelaria, de Seia, para aperfeiçoar os conhecimentos e as técnicas implementadas na confeção de pratos. Afinal, um dos principais trunfos da Casa do Miradouro Santar será a arte da degustação, em relação à qual a anfitriã dá cartas, sobretudo quando a dedicação é dada ao receituário da região. Por essa razão, Alexandrina Matos quer reunir as receitas antigas, com o propósito de as coligir num livro para, assim, preservar o património da gastronomia tradicional.
As receitas da professora primária de Santar já se encontram na sua posse, assim como, as de Maria Teresa Lencantres de Melo, a condessa de Santar, que as entregou “ainda antes de nos deixar”, acrescenta, bem como os livros que tanto aprecia, como o de Maria de Lourdes Modesto, “que fez uma recolha fantástica”, sublinha.
O célebre coelho à Mirra elaborado para um repasto memorável
A este conjunto de iguarias, Alexandrina Matos gostaria de “juntar receitas pelo saber popular”, pretexto que a leva a falar acerca do coelho à Mirra – que tivemos o obséquio de experimentar e que recomendamos vivamente –, sobre quem conta a história da confeção deste prato tão típico da região, o qual, de certo, pouco tem a ver com a receita original, até porque os tempos são outros e “na época o velho Mirra não teria acesso aos condimentos que temos hoje”. A terrina de pato – outra das iguarias a provar no futuro –, a empada de perdiz, com um toque da sua imaginação, e a sala de pato confitado – uma criação sua e que tão deleitosa que fica – também fazem parte do leque de preferências da anfitriã da Casa do Miradouro Santar, assim como “o bolo da Bia – a senhora que ficou comigo quando tinha nove meses –, o bolo da minha infância que guardo na minha memória” e que lhe concedeu todo o espólio inerente ao receituário que tinha na sua posse.
No fundo, Alexandrina Matos quer partilhar os sabores de Santar e da região do Dão, daí querer abrir as portas da sua casa também para partilhar experiências em workshops de receitas tradicionais, de pão, queijo, azeite, doçaria conventual, chás e mezinhas, de conservas e compotas, e de cultura hortícola e frutícola.
Da fruta à compota
O pomar contíguo à casa principal é cenário de recordações de infância
A uma mão cheia de ensinamentos, a anfitriã tem nos planos a confeção de receitas tradicionais a pedido, na companhia de um bom vinho da região do Dão, e dar a provar os produtos da quinta e da futura loja – com produtos da terra e onde estará o livro que será editado –, em particular as compotas e as conservas, o mote que dá início a este enorme projeto. “Bem sei que há muitas pessoas a fazê-lo”, mas Alexandrina Matos não baixa os braços e fá-lo com primor, temperando tão doce iguaria com a sua imaginação.
As compotas da Casa do Miradouro Santar
Na lista constam as compotas de goiaba e maracujá, ambos oriundos do Congo, de uvas moscatel (eleita para representar a Casa do Miradouro Santar, na 23.ª Feira do Vinho do Dão, em Nelas), que são das videiras do imenso terreiro contíguo à parte lateral do edifício principal, onde colhe também a ameixa vermelha, a laranja, as cerejas e o limão, e apanha a abóbora para o mesmo fim. “A primeira compota que fiz foi a de pêra da pereira de lá de fora”, em junho de 2014. “São as de junho, as primeiras pêras de Santar”, revela.
No mesmo terreiro, está ainda a ginjeira “que a minha mãe plantou”, a romãzeira, duas cameleiras centárias e uma outra “plantada no dia em que a irmã veio para casa depois de nascer”. Um património que promete preservar e mostrar aos hóspedes, que terão ainda a oportunidade de fazerem passeios pedestres e piqueniques em tão peculiar vila no coração das beiras, rodeada de vinha e de campos infindáveis, a partir daquela que será, de certo, a sala de visitas da região do Dão e, em particular, de Santar. •
+ Casa do Miradouro Santar
© Fotografia: João Pedro Rato
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