“O meu maior desafio é manter a consistência” / Chef Diogo Noronha

Atravessou o Atlântico, deixando-se conquistar pela cidade que nunca dorme. Entrou no universo da alta gastronomia que o conduziu a Barcelona e o trouxe de volta a Lisboa, para o Pedro e o Lobo – sem a égide de Prokofiev. Em finais de 2013 foi convidado a construir uma cozinha de raiz na Casa de Pasto, no Cais do Sodré onde, desde então, dá a cara como chef. Vamos conhecer Diogo Noronha?

É de manhã que começa o dia na Casa de Pasto.
Às 10 horas estão cá todos. Eu tiro a parte da manhã para responder a emails e tratar de assuntos pendentes, mas primeiro passo aqui para ver se está tudo bem. Falo com o chefe de cozinha – o Nélio Mendes –, que me passa informações importantes. Dependendo do tempo que tenho, vou à cozinha, vejo o que estão a fazer, provo a comida… Depois vou para o escritório, onde me encontro grande parte do tempo, até na hora do almoço. A verdade é que a equipa está bem estruturada e organizada por várias por secções – frios, quentes, pastelaria. No fundo, os meus dias são bastante imprevisíveis.

Há quanto tempo trabalha com o Nélio Mendes?
Já trabalho com o Nélio há quase cinco anos. Veio comigo do Pedro e o Lobo, assim como o Clayton Ferreira, que é o pasteleiro, e também trabalho com ele há, aproximadamente, cinco anos. O Nélio nunca tinha chefiado uma cozinha, contudo fiz-lhe o desafio. No início estive, obviamente, muito mais presente na cozinha – a 100, 90 por cento – e, à medida que o trabalho do Nélio começou a ficar mais sólido, comecei a retirar-me da cozinha.

E com o Clayton Ferreira?
Com o Clayton foi diferente. São dois mundos completamente diferentes, mas trabalhamos muito em conjunto. Desde o início, a partir do momento em que vim trabalhar para este grupo, percebi que as perspetivas de crescimento de montar vários projetos era viável, por isso, assumi que o meu maior desafio iria ser encontrar as pessoas certas, para desempenhar as tarefas certas – trabalho, formação, supervisão.

Falemos da carta.
A carta é sazonal. Já trabalhei de várias formas e, até chegar aqui, passei por muitos sítios. A minha cozinha é cem por cento sazonal, ou seja, dentro da estação tento aproveitar ao máximo o que de melhor cada produto tem e tento potenciar as características de cada produto, apresentar produtos de qualidade com a técnica adequada, por forma a respeitar a qualidade de cada um. Outro factor importante é a minha relação com os fornecedores. Acredito numa cozinha local, no trabalho com fornecedores locais. Eventualmente, no futuro, gostaria de ter uma relação mais próxima com a horta – quilómetro zero, slow food. Chegamos ao ponto em que podemos mudar a industrialização e a produção de comida massiva, por isso, no que me toca, é um desafio importante.

O que é preciso fazer para implementar essa mudança?
É preciso encontrar um ponto de equilíbrio, porque é impossível praticar essa filosofia sem que o cliente a entenda e tenha a disponibilidade financeira para pagar um pouco mais. No entanto, este não é o principal desafio, porque temos outros – há os logísticos, os operacionas, os de escala.

Voltemos à lista de pratos alusivos ao receiturário português. Como é desenhada?
Faço outono/inverno, primavera/verão e, dentro deste modelo que desenhei, vou escolhendo produtos com sazonalidades mais curtas de acordo com o que quero trabalhar, ou na cozinha com o Nélio, para uma sugestão do dia, ou com o Clayton, na pastelaria. Com os outros ‘estico’ a sazonalidade ao máximo, para poder assumir que, desde o início ao final da carta, há a mesma oferta. Acima de tudo, neste restaurante, e em todos os projetos da minha vida, o meu maior desafio é manter a consistência. É para isso que trabalho, é o que quero manter no meu restaurante, e o que, todos os dias, passo à minha equipa. A consistência passa pela capacidade de organização, onde eu me foco e me envolvo durante todo o dia, porque eu sou este restaurante, sou eu que dou a cara por este restaurante. Portanto, tem de estar tudo afinado, todos os dias e, a cada dia que passa, tem de se fazer mais e melhor. Estes são os meu valores, os valores que tenho passado à minha equipa. Muitas vezes sento-me aqui, para provar uma refeição, faço a minha crítica construtiva e o facto de estar presente nos serviços faz-me perceber a dinâmica e o feedback dos clientes.

Falou, há pouco, dos fornecedores, quantos são precisos para contribuir para essa consistência?
Temos, pelo menos, dois de peixe fresco e mais um ou dois nos variáveis relacionados com o peixe. Na carne temos mais – carne fresca, carne importada… Não temos carne maturada, porque preferia que fosse eu a maturar a carne. Depois temos os fornecedores mais recorrentes, com produtos qualidade, e os de pastelaria, com os produtos e o equipamento adequado e de qualidade. Além disso, temos o Mercado da Ribeira, que nos entrega quase tudo no que toca aos produtos hortícolas. A qualidade e a relação com o fornecedor, indo de encontro à minhas necessidades e está atento, são fundamentais. E o mais importante de tudo é a qualidade dos ingredientes.

Entre os pitéus, as iguarias, os presuntos e os enchidos, os acepipes e as guarnições para o peixe e a carne, há o braseiro.
A decisão de ter um forno de brasa tem a ver com o conceito gastronómico que queria criar em relação à Casa de Pasto e, por outro lado, com a minha filosofia de cozinha e o espaço. Quando vim para o grupo foi-me apresentado este espaço e o conceito de casa de pasto, o qual desenvolvi em conjunto com o grupo e que é feito à medida, ao que se seguiu o montar uma equipa e desenvolver o projeto. Na cozinha, fiz algumas alterações mediante os desafios (clique nas setas em baixo para continuar a ler)

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