e as mais-valias que me foram apresentadas, e face aos pontos fortes e aos pontos fracos. Do ponto de vista da confeção, da técnica e do posicionamento tive de fazer ajustes, porque venho de um contexto gastronómico mais virado para a alta gastronomia – estive em restaurantes com estrela Michelin em Nova Iorque e em Barcelona, e cozinha de autor, em Lisboa – ao qual este projeto não está tão associado, apesar de todos os valores-base estarem lá, pelo que tive de ajustar-me a um conceito gastronómico, que trabalhei ao máximo, para criar uma ponte interessante na evolução do meu percurso, embora a cozinha que pratico aqui seja uma cozinha que tem um autor, é caracterizada por uma filosofia e uma relação com os fornecedores, e tem uma carta assinada.
Que motivos o levaram a atravessar o Atlântico?
Fui para Nova Iorque, porque fui macrobiótico, vegetariano, vegan durante dez anos e, portanto, a escola que escolhi para aprofundar os meus conhecimentos estava muito mais ligada a essa componente, com uma visão muito holística, associada à medicina ayurvédica e à medicina tradicional chinesa. A meio do curso trabalhei num restaurante de raw food – vegan raw –, completamente alternativo, que tem muito a ver com a minha filosofia e com a minha forma de estar na cozinha – a noção de sustentabilidade, o comprar local, o ter cuidado em saber o que o animal come e como é tratado são detalhes que tenho em conta no dia a dia, quer na minha vida privada, quer no meu trabalho. Depois da raw food, Thomas Keller. Três estrelas Michelin. Foi uma mudança radical! Uma cozinha francesa, à qual ele chamava de contemporânea americana, onde comecei o meu percurso no mundo da alta gastronomia. Depois fui para Barcelona, onde trabalhei com os irmãos Roca, no hotel Omm. Foi uma geração de chefs com uma maneira diferente de estar na cozinha e no negócio, que criavam experiências, enfrentavam desafios. O Jordi [Vilà], do Alkimia, surge numa segunda fase da minha vida em Barcelona, em que passei de um restaurante num hotel – e não de um hotel –, com uma dinâmica muito própria, para um restaurante mais pequeno, também de alta gastronomia em que pude estar mais perto da dinâmica e da gestão do espaço. Segue-se o Pedro e o Lobo, em Lisboa.
Quatro anos depois estava na Casa de Pasto. Podemos dizer que cozinha daqui é a cara do Diogo?
Eu identifico-me completamente com o trabalho que estamos a desenvolver aqui, não só pelos valores que falei, que são postos em prática, mas também pelo sucesso do restaurante, o que é muito importante – ou seja, as pessoas que aqui vêm identificam-se com o conceito, com a cozinha, o que significa que consegui responder às expectativas, consegui cumprir o desafio que me foi apresentado, o que me dá uma força e uma satisfação enormes. Como profissional tenho de estar à altura dos projetos, portanto, tudo o que aqui está não tem apenas a ver com os sabores e a comida, e o vinho, têm a ver também com a minha maneira de ser, com uma cozinha que acredito, que é a cozinha mediterrânica-atlântica, que é para mim, a cozinha portuguesa, que faz parte das minhas referências culturais. No fundo, o que fazemos aqui é uma abordagem contemporânea da cozinha portuguesa.
Tendo o vinho um protagonismo exímio no restaurante, qual é a relação do Diogo com o legado de Baco?
Na verdade, tive de me envolver com o vinho. Primeiro, porque gosto muito de vinho, provo muito vinho durante o ano, tenho uma relação ótima com muitos produtores de vinho e a minha cozinha não faz sentido sem vinho. No entanto, não seria viável ter aqui um escanção, além de que há produtores que são, de uma forma direta ou indireta, meus consultores, porque conhecem a minha cozinha, por exemplo. Não sou um escanção. Gosto de vinhos! E tenho a perspetiva de que tenha alguém na minha equipa que queira crescer e trabalhar mais comigo nesta área.
E qual é a história do vinho na Casa de Pasto?
No início, a minha grande aposta foi uma gama média muito forte, uma gama de entrada muito fresca e versátil, para introduzir coisas novas mas, à medida que o restaurante foi evoluindo pude arriscar um bocadinho mais. Por isso, aumentamos a fasquia com uma escolha de vinhos interessante, de produtores mais pequenos; uma gama média mais sólida, onde há espaço para marcas mais conhecidas. Tentamos, ao máximo, representar todas as regiões. Quanto mais nós tivermos a capacidade de contar a história de cada vinho e conseguir que o cliente entre num universo muito maior do que o do restaurante, melhor. Afinal, há uma pessoa dentro de cada vinho. Na cozinha acontece a mesma coisa, por isso há que sair da caixa e tentar abordagens diferentes, abrindo espaço para o conceptual, mas também é preciso ter os pés na terra do ponto de vista das restrições da viabilidade do negócio.
Mesmo assim, há espaço para outros conceitos.
Vamos abrir um outro espaço com outro conceito, e que é um risco e um desafio grande, porque não é uma Casa de Pasto II, mas um gastrobar, em que as experiências de restauração e de bar estejam muito ligadas. A nossa intenção é que as experiências sejam uma só. No entanto, haverá dias em que as pessoas escolham só o bar e não as experiências do restaurante, mas poderão surpreendidas pela outra parte. Da minha parte, estarei a trabalhar com o barman e experiência com as refeições será mais solta quando comparada com um restaurante convencional. Gostava de ver naquele espaço clientes daqui noutros momentos da semana ou quando estão com outra disposição, em que vêm aqui, ao Clube Maravilha e, eventualmente, à Pensão Amor; quem está na Vinharia ao fim da tarde, vem à Casa de Pasto à noite. No fundo, o futuro de uma cidade em franco crescimento, como está Lisboa – por exemplo, não tenho a menor dúvida que daqui a dois anos o Cais do Sodré está bem diferente em relação ao que está hoje –, acho que criar conceitos de qualidade e de referência para uma cidade, nos mais diversos universos, adequados a um espaço, é o futuro.
Mas, afinal, quem é Diogo Noronha? “Cozinheiro de formação”, segundo as suas próprias palavras, Diogo Noronha, de 36 anos, chef da Casa de Pasto Corpo Santo (leia o artigo sobre a Casa de Pasto aqui), acredita no valor do trabalho, nas pessoas e nos projetos em conjunto, e denota vontade em ter uma voz proativa na evolução da linha da restauração sempre que o assunto da cozinha foge para o lado de lá da outrora máquina registadora. E, sendo este um momento pertinente para o efeito, “acho que devo dizer o que está associado ao meu trabalho e à minha dedicação, à visibilidade da cidade e do país”. •