De olhos postos no rio, a antiga cafetaria e salão de eventos d’ A Exposição do Mundo Português, de 1940, em Lisboa reúne, hoje, as cozinhas portuguesa, brasileira, africana e asiática às artes num único lugar, o Espaço Espelho d’Água.
Uma das três instalações do artista plástico madeirense Rigo 23
A tradicional calçada portuguesa, desenhada pelo artistas plástico angolano Yonamine, desfila até à entrada do edifício projetado pelo arquiteto português Cottinelli Telmo, o qual reflete o Modernismo, o movimento instaurado nas artes, desta feita, com particular ênfase na arquitetura recorrente na época do Estado Novo, exaltado graças à recuperação feita pelo arquiteto Duarte Caldas de Almeida e do atelier de design Pedrita, em consonância com a vontade do proprietário do espaço, Mário Almeida – nascido em Angola, filho de mãe portuguesa e pai angolano, veio para Lisboa com um mês de vida e da vida fez viagens entre o país que é seu berço, Brasil e Portugal –, que manifestou a intenção de “voltar para o edifício original”, com o pretexto de “trazer o lado afetivo dessas viagens e dos Descobrimentos”, revela.
A fachada original dos anos 1940’ do século XX e os interiores amplos, a antiga cafetaria e salão de eventos d’ A Exposição do Mundo Português são, agora, o Espaço Espelho d’Água desde setembro de 2014, o qual mantém a vizinhança de outrora – o Museu Nacional do Traje e o Padrão dos Descobrimentos. À beira Tejo. Com um espelho de água onde emergem três instalações do artista plástico madeirense Rigo 23 – ou Ricardo Gouveia, radicado na cidade californiana de São Francisco, nos EUA – cujo trabalho espelha as histórias de Cochim, na Índia.
Entremos. No interior as boas-vindas são dadas por criações de artistas plásticos que, através da ilustração, da instalação, do video e demais disciplinas artísticas, compõem o espaço expositivo à entrada. Aqui entra também em cena Mona Camargo, natural da cidade brasileira de São Paulo, onde tem uma galeria de arte, paixão compartilhada com Mário Almeida, que acrescentou a música e o cinema a este universo criativo.
Da cafetaria ao restaurante a carta é a porta aberta a uma viagem aos sabores d’aquém e d’além mar
Passemos à cafetaria que é também petiscaria e bar – e pode ser separado do primeiro por duas cortinas acústicas, “de modo a não perturbar quem está na cafetaria e no restaurante”, assegura Mona Camargo. Com um ambiente descontraído e vista para o Tejo, bem como para além da margem do rio que banha Lisboa, o espaço denota o casamento perfeito com o minimalismo – “porque são as pessoas que têm de ‘aparecer’ em vez dos objetos”, segundo Mário Almeida nas palavras da nossa anfitriã – dominado pelo jardim vertical da autoria do arquiteto paisagista sueco Michael Hellgreen – quatro paredes com cerca de 60 espécies de plantas tropicais. Uma lufada de ar fresco dentro de um espaço que convida a pôr ora a leitura, ora a conversa em dia, junto às janelas rasgadas quão quadros abertos para o imenso curso de água ou durante o repasto depois de escolher as iguarias da carta dividida em cafetaria – tostas, saladas e sanduicheria – e petiscaria – vitrine do sal e –, composta por comidinhas, carnes grelhadas, pizzas e vitrine do açúcar, além das bebidas e da carta do restaurante. Verdadeiras viagens entre o o receituário português, brasileiro, moçambicano, cabo-verdiano e são-tomense, numa ode aos sabores das terras descobertas pelos marinheiros portugueses há mais de 500 anos.
O mui colorido ceviche de bacalhau, coco, coentros e limão, abóbora, batata doce e maçaroca de milho
Eis o mote para falarmos do roteiro à mesa fruto de uma pesquisa feita com base nas questões alimentares à época dos Descobrimentos Portugueses e com ênfase no produto, o qual foi realizado por uma historiadora brasileira, Guta Chaves, e “irá resultar num livro”, conta Mona Camargo. Por sua vez, a criação da ementa é de Ana Soares, a chef consultora de São Paulo, no Brasil, porque Mário Almeida “queria um(a) chef que representasse as matrizes da gastronomia e São Paulo está muito bem posicionada nesta área, assim como nas artes”, justifica.
Uma vez mais as artes são o tema de conversa, com a loja pop-up, um pequeno espaço onde, neste momento, a cestaria de uma tribo de índios brasileiros, a música em CD de Alceu Valença, as t-shirts do estilista Marcelo Sommer e as peças de joalharia de João Sebastião se encontram disponíveis para compra; e as residências artísticas – complementadas com (quatro) quartos com casa de banho privativa –, no primeiro piso, de portas abertas a artistas, performers, arquitetos, curadores emergentes de dentro e além fronteiras, que queiram dar azo à criatividade neste espaço à beira Tejo, como fez o artista plástico Pedro Campelo que deu nova vida a carrinhos de serviço de um antigo hotel com a sua paleta de cores.
A terrina de pato, uma das heranças da cozinha francesa deixadas aquando das invasões napoleónicas no país
Entremos no restaurante. Ao fundo está o mural restaurado do artista norte-americano Sol Hewitt. Pelo meio impera o mobiliário escandinavo, minimalista – para rimar com o mural – mas, ao mesmo tempo, acolhedor, deixando respirar o espaço intimista e discreto, concebido para acalentar o palato. Da carta o couvert faz as honras com o azeite de ervas, a pasta de grão, o pão e as azeitonas, seguido das entradas e saladas, pequenos pratos que convidam o palato a viajar mundo fora. Só para abrir o apetite, eis o ceviche de bacalhau, coco, coentros e limão, abóbora, batata doce e maçaroca de milho, um misto de cores que combinam bem entre si. Ou a terrine de pato comme il faut, bouquet da horta, castanhas portuguesas, croutons de azeitonas pretas e vinagrete ao Porto, uma verdadeira conquista logo à primeira garfada.
Polvo chapeado com batatas a murro, aioli picante e verduras
No alinhamento da simpatia, e sem esquecer a limonada Espelho d’Água e o cocktail São Francisco – sem álcool –, para acompanhar o repasto à janela, deleitemo-nos com a cozinha. Por um lado, o suculento e bem cozinhado polvo chapeado com batatas a murro, aioli (molho feito com lho, azeite e gemas de ovos, originário da Provença, França) picante e verduras.
Garoupa com crosta de farofa de castanhas e azeitonas, puré de espargos, espargos e tomate confitado, e molho de pimentos
Por outro, a garoupa com crosta de farofa de castanhas e azeitonas, puré de espargos, espargos e tomate confitado, e molho de pimentos, uma companhia que casa bem com o dito peixe. Mas há mais, como o ravióli de abóbora, perfume de laranja e especiarias com guisado de bochecha de porco; as costoletas de cordeiro grelhadas, cuscuz ao caril, vegetais e pesto de hortelã; ou o bife do lombo ao Queijo da Serra e mostarda velha, batatas a murro e cebolinhas assadas, entre outros.
A versão agridoce de Romeu e Julieta, à mesa
Da cozinha do açúcar, a escolha recai no sedutor Romeu e Julieta, a sobremesa feita com verrine de créme de queijo e natas com compota agridoce, uma composição que traduz a versão agridoce numa analogia ao amor dos personagens que dão nome à peça levada para os palcos pelo dramaturgo inglês William Shakespeare.
A sobremesa concebida para os amantes do chocolate
E no potinho de chocolate quente ao café e especiarias e gelado, uma versão poética do petit gâteau, deleitoso para os amantes do chocolate.
E nada melhor seria um repasto na esplanada de olhos postos no rio e com vista para o vetusto Padrão dos Descobrimentos, com o tão merecido tempo… A ir, a qualquer dia da semana, das 11 às 24 horas e, porque não, terminar a noite ao som de boa música ao vivo, depois do jantar, ao mesmo tempo que se contempla a exposição patente.
Bom apetite! •
+ Espaço Espelho d’Água
© Fotografia: João Pedro Rato
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