No último piso da antiga Companhia de Fiação e de Tecidos Lisbonense, na atual LX Factory, em Alcântara, Lisboa, os cocktails de Fernão Gonçalves seguem o ritmo da criatividade gastronómica do chef Diogo Noronha num convite irrecusável ao convívio a par de um brinde ao tropicalismo do Brasil.
O terraço virado para Lisboa e o Tejo
São perto de 8 mil os quilómetros que distam Lisboa do Rio de Janeiro realidade que não impede, porém, que se faça uma ode à cidade carioca com este Rio Maravilha. Poderia ser o nome de um cocktail ou de um prato mas não é. É, isso sim, um gastrobar onde a gastronomia se casa com a bebida. Assim temos a cozinha de autor de Diogo Noronha, chef português responsável também pela Casa de Pasto e pela vizinha Vinharia, no Cais do Sodré, e agora deste Rio Maravilha que espalha tropicalismo e charme pela antiga sala de convívio dos trabalhadores da outrora Fiação Lisbonense, um dos mas importantes complexo fabris da capital portuguesa, um open space refeito a cru, deixando que a alma do próprio edifício permanecesse quase intacta e continuasse com os olhos postos sobre o rio Tejo e o Cristo-Rei mas, desta feita, com o espírito carioca do outro lado do Atlântico. O lugar perfeito para tomar um copo fora de horas, partilhar ou experienciar um repasto singular.
Convívio [e arte]
A videoarte de Joana Gomes é um dos pontos de referência da criatividade do atelier Contencioso no gastrobar
Eis o mote para criar este Rio Maravilha: O convívio entre por quem aqui vem e com a arte, tendo esta saído das mãos de quatro mulheres, artistas e portuguesas que formam o atelier Contencioso, com morada fixa também na LX Factory – Ana Velez, Maria Sassetti, Joana Gomes e Xana Sousa.
Litígios à parte, pois aqui o convívio é a palavra de ordem – para quem quer, claro está –, a artista plástica Ana Velez dá, o que se pode chamar, as boas vidas com o perfil do edifício principal e a forma como foi crescendo este complexo fabril em Alcântara numa chapa de impressão, a relembrar que por aqui passou, a posteriori, uma tipografia e uma gráfica, num quadro exposto por cima da escadaria de acesso ao gastrobar.
Recomendação: Peça um cocktail no bar em frente à escadaria, depois de consultar a carta, e desfrute do momento.
As inspirações de Maria Sassetti num dos recantos criados para o convívio
Para o efeito, tem de contornar a mesa psicadélica do artista português Leonel Moura numa representação inusitada e, em simultâneo, surpreendente da discoteca Lollipop que, em outros tempo, ocupou esta sala onde, hoje, peças de mobiliário rejuvenescidas se encontram dispostas, ora de frente, ora de lado, entre outras mais estimadas e oriundas de lares anónimos, com o intuito de provocar a conversa mesmo entre desconhecidos e trazer o convívio de volta para os nossos dias revisitados pelo passado registado na obra de Maria Sassetti, para a qual se inspirou nos antigos anúncios de fatos de banho brasileiros.
A mezanine é o palco perfeito para assistir às sonoridades do tropicalismo
Por cima, está a mezanine, espaço que comporta uma mesa para 12 pessoas para uma festa intimista, por exemplo, de frente para o palco que, às quintas, às sextas e aos sábados, recebe as sonoridades de Dj e bandas ao vivo que espalhem os bons ritmos dos trópicos sob o tema Tropikos.
No alinhamento da arte, falemos ainda da videoarte da autoria de Joana Gomes, a qual é projetada nas mesas da sala e no fundo da banheira de pequenas dimensões, que serve de lavatório, na casa da banho, com o propósito de, uma vez mais, ser motivo de conversa. O propósito é extensível ao espaço contíguo à casa de banho. Para o efeito, foi colocado um enorme banco de jardim – sob um candeeiro de teto ornamentado, no interior, por fotos antigas impressas – que convida, quem espera pela sua vez, à conversa.
E porque não saborear o cocktail no terraço? Ao ar livre. A contemplar o casario que preenche a malha urbana lisboeta, a ponte que atravessa o Tejo, a serenidade com que o rio passa pela cidade e o Cristo-Re, ao mesmo tempo que põe a conversa em dia.
Cozinha + bar = Gastrobar
O rum sour de ananás braseado com mel paprica e alecrim é o par ideal para os chips de mandioca e torresmos com ketchup caseiro, as asas de frango, os corndogs e as rillettes de porco
A soma das partes representa o conceito do Rio Maravilha que, na cozinha do chef Diogo Noronha, é subtilmente exposto sem a pretensão de apresentar reinterpretações, encenações ou quaisquer outras dissertações culinárias brasileiras. Falemos de uma cozinha de autor que continua a surpreender pela genuinidade dos sabores da cozinha portuguesa, desta vez, combinados com os cocktails criados pelo Fernão Gonçalves, a fim de favorecer o food paring à mesa da sala do restaurante, onde está exposta uma outra obra de Ana Velez – um quadro inspirado na primeira planta do Lx Factory com representação do primeiro bairro operário português, o qual pertenceu à fábrica de Fiação Lisbonense.
E por falar em mesa, quem aceita entrar no jogo? O convite fica para quem aceitar o desafio e voltar atrás no tempo assim que os olhos são conquistados pelos jogos de tabuleiro da nossa infância sob o teto onde figura o caminho marítimo para o Brasil da autoria de Xana Sousa. Basta pedir os dados e iniciar o desafio na casa partida, enquanto partilha os petiscos inscritos na carta – uma recriação das fichas dos trabalhadores da antiga fábrica com fotos reais.
Sugestão: Rum sour de ananás braseado com mel paprica e alecrim.
Nas entradas – e pratos que, ao todo, são 30, sem contar com o pão e a conserva, e o tiragosto – fica o registo dos suculentos corndogs de alheira de caça com molho de couve portuguesa, uma verdadeira conquista ao palato que persiste num desfile de pratos solicitados com gosto, como os chips de mandioca e torresmos, acompanhados por ketchup caseiro, que seduziu a boa boca dos presentes à mesa, mesmo de pequenos gourmets.
O difícil foi escolher entre os petiscos de Diogo Noronha, pois as suculentas asas de frango com molho romanesco e as rillettes de porco em massa crocante e piso de salsa, ingrediente este que, com a massa crocante, contrasta na perfeição com a carne de porco.
As gambas crocantes com sagu de frango que apetece comer a sós, atá ao fim
O mesmo podemos afirmar a respeito das gambas na brasa com crocante e sagu de frango, um prato que pode trazer dissabores para quem o queira só para si – na verdade, apetece comê-lo sem que alguém se aperceba…
O objetivo é que um dos ingredientes do prato combine com um dos elementos com que é composto o cocktail, tenha ele um sabor subtil no prato, para potenciar o sabor do mesmo, ou um forte sabor, o qual é atenuado com o cocktail.
O deleitoso lingueirão com alho francês e molho nivernaise
Passemos para o outro lado da carta. Lingueirão, alho francês e molho nivernaise (feito à base de gema de ovo) é o primeiro da fila, no qual o sabor do molusco casa bem com a subtileza e o aroma do alho francês e do molho, seguido pela viciante açorda de sapateira, que se fez repetir nos pratos de todos.
Outro cocktail: Whisky fizz de tangerina, lima kaffir e ginger ale.
O whisky fizz de tangerina, lima kaffir e ginger ale, de Fernão Gonçalvez, e o arroz de pato e as codornizes marinada, de Diogo Noronha
O paring: Arroz cremoso de pato, cheróvias e alho negro, uma alusão ao pato com laranja que depressa arrebatou os comensais também graças ao serviço prestável e cuidado que é feito à mesa; e as codornizes marinadas e fritas com beringela na brasa “de comer e chorar por mais”.
O doce (q.b.) final feito pelo chef pasteleiro da casa: Clayton Ferreira
Na sobremesa a escolha recaiu no chocolate 70%, alfarroba e sorbet de cacau contrabalançados pelo sabor nobre do chá verde – servido num copo com gelo e laranja desidratada –, pelas mãos do chef pasteleiro Clayton Ferreira. Sobre esta combinação doce q.b., Diogo Noronha focou a preocupação com o açúcar como sendo um dos alertas de ambos os chefs da cozinha do Rio Maravilha – e da Casa de Pasto, ambos pertencentes ao grupo MainSide, que detém ainda a já referida Vinharia, a Pensão Amor, no Cais do Sodré, e o futuro projeto no antigo Hospital do Desterro, em Lisboa.
O Rio Maravilha fica no piso 4 da entrada 3 da LX Factory, em Alcântara, e está de portas abertas das 18 às 2 horas, à terça, das 12.30 às 2 horas, de quarta, das 12.30 às 4 horas, de quinta a sábado, e das 12.30 às 18 horas, ao domingo.
Bom apetite! •
+ Rio Maravilha
© Fotografia: João Pedro Rato
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