O artista galardoado com o IV Audemars Piguet Award, no âmbito da ARCOmadrid 2016, falou com a Mutante sobre “The labyrinth of passion”, o díptico exposto na ARCO Lisboa cujas portas abrem hoje, dia 26 de maio, na Fábrica Nacional da Cordoaria.
A reflexão das emoções do ser humano perante os momentos opostos resultantes de acontecimentos do dia a dia está representada em “The labyrinth of passion”, obra sugerida pela galerista Sabrina Amrani, premiada pela marca de alta relojoaria Audemars Piguet – galardão que serve para intensificar o seu apoio à arte contemporânea internacional –, exibida no VIP Lounge da ARCOmadrid 2016, por ocasião da comemoração dos 35 anos desta célebre feira de arte, e exposta, agora, na primeira edição da ARCO Lisboa, a acontecer entre 26 e 29 de maio. Tudo boas razões para conhecer o artista.
Que leitura podemos fazer sobre “The labyrinth of passion”?
É uma parte de um longo processo, uma longa reflexão com cerca de dez anos, a qual se baseia no significado do sentimento e do ser sentimental, o que não é apenas a reflexão do amor, porque não é apenas amor — pode ser social, política, histórico. “The Labyrinth of passion” faz parte deste processono qual tenho elementos precisos através dos quais procuro qual é o verdadeiro significado de paixão.
O que é a paixão para o Jöel Andrianomearisoa?
Para mim, paixão é uma espécie de dualidade, uma vez que a paixão tanto pode ser vida como morte, pode ser branco e pode ser o negro. Portanto, paixão reúne opostos, o que é muito interessante para mim. E é preciso sentirmo-nos perdidos para sentirmos, encontrarmos a paixão, como a paixão de Jesus Cristo.
Ao atravessar a sua obra de arte, passamos por vários momentos, como na vida.
Sim, mas não se sabe qual é o princípio nem quando termina e durante o percurso que é feito no “The Labyrinth of passion” pode sentir os movimentos do papel de seda, que é muito delicado, mas quando é disposto em camadas fica muito denso e, ao ver esta imagem faz uma alusão à alma. Ou seja, esta obra é uma reflexão sobre a vida, ao longo da qual encontramos sempre dualidades, até porque é natural que experimentemos várias coisas até escolhermos uma só, temos de mudar coisas e temos de descobrir outras coisa. Como artista, estou a falar do Renascimento, em que para o efeito, foi preciso exterminar um período para recriar outro período. É uma história sem fim, porque depois da tragédia acontece sempre qualquer coisa e eis que surge, de novo, a tragédia… É um ciclo vicioso, mas o que me interessa é focar no que acontece antes e no que acontece depois, entre o dia e a noite, entre hoje e amanhã. Portanto, ao ver esta peça irá percorrê-la e ao fazê-lo notará as folhas a moverem-se e estes movimentos dependem da forma como anda por entre essas folhas, o provoca uma interação entre si e esta obra e, ao mesmo tempo, emoções, sentimentos, nos quais eu me foco neste trabalho.
O papel de seda utilizado é sentido sempre da mesma forma ao longo deste labirinto?
Será diferente, pois a técnica usada é diferente – a obra começa com o papel de seda branco e, depois, aparece o papel de seda preto apresentado, este último, um tratamento diferente, ou seja, no início o papel preto aparece em menor quantidade e, no fim, há uma explosão de papel da cor preta, devido à técnica de colagem que usei neste processo. Além disso, o papel é influenciado pelo clima, o que faz com que tenha movimentos diferentes se estiver a chover ou se o dia é soalheiro, ou seja, o papel reflete abordagens distintas, como a vida.
Na feitura da sua peça inspirou-se também numa outra obra: “De profundis”, de Oscar Wilde.
Que não é um livro, mas sim uma longa carta escrita por Oscar Wilde à sua amada, quando ele está na prisão, na qual se queixa sobre o que de mau a sua amada lhe fez antes e é uma carta muito interessante porque, apesar de estar na prisão, na penumbra, faz crer, na carta, que continua vivo criando, ao mesmo tempo, uma relação virtual com a sua amada, que se encontra fora daquelas quatro paredes. E é isto que reflete a minha obra, a parte dramática que, no fundo, espelha a esperança. Além disso, e tal como esta carta, que é um monólogo, eu uso apenas um tipo de papel e, uma vez mais, na carta é sempre a mesma pessoa que fala, que escreve, e vai mudando ao longo da mesma, acontecendo o mesmo na minha obra, em que os movimentos do papal vai alterando à medida que se passa através dela.
Em que momento da sua vida iniciou este percurso artístico?
Não houve um momento preciso para entrar neste mundo artístico. É um processo que começou há muitos anos e este é o momento ideal para colocar as cartas na mesa, com o intuito de o mostrar e experimentar o propósito do meu trabalho e quando algo me provoca uma emoção dá-me inspiração para um trabalho que pode começar nesse dia ou ficar na memória para uma obra a concretizar no futuro.
Como surgiu este galardão atribuído no âmbito da ARCO Madrid?
A galerista Sabrina Amrani propôs a minha obra para este prémio e dos cinco artistas foi eleito um, o que é um privilégio para mim, sobretudo quando se trata de uma marca que lida com o tempo, pois eu continuo a tentar lidar com o tempo. Ao mesmo tempo, é interessante, para mim, trabalhar com o luxo, pois o luxo é um mistério.
Mas tudo depende do significado que se dá à palavra “luxo”.
Continuo a questionar o verdadeiro significado de luxo e é interessante compreender esta palavra. E esta é a minha resposta prática perante a receção deste prémio – estou muito orgulhoso e feliz, pois pude mostrar o meu trabalho em Madrid e, agora, aqui, em Lisboa mas, por outro lado, quando recebi o prémio e conheci estas pessoas, descobri que já não estamos a falar de quem em atribuiu o prémio, mas sim quem está por detrás dele e é muito interessante ver a forma como as pessoas interagem com este trabalho. Ou seja, tudo começa com um momento oficial, com a entrega do prémio, e a história termina com pessoas que percebem a parte emocional do meu projeto e que interesso-me por quem está por detrás de qualquer coisa, como de quem está por detrás das paredes deste hotel, porque há sempre histórias para contar. No fundo, interesso-me por todas as pessoas e todos os momentos dependem da forma como acontecem e de com quem estou.
Joël Andrianomearisoa nasceu em 1997, em Antananarivo, Madagáscar, e licenciado em arquitetura pela École Spéciale de Architecture de Paris, divide o seu trabalho entre a capital francesa e a sua terra natal, tendo as suas obras expostas a solo em Paris, Berlim, Londre, Bruzelas, Joanesburgo e Istambul, além de já ter participado em importantes exposições, como a 3.ª Bienal de Sinopale, na Turquia (2010), no Palácio de Tóquio, em Paris (2013), na Bienal de Dakar, no Senegal (2014), e publicou vários livros, entre os quais se destaca “Sentimental” (2012).
Sobre a primeira edição da ARCO Lisboa, a cidade das sete colinas assume-se como a capital da arte contemporânea, durante cinco dias, com a presença de 45 galerias e duas mãos cheias de artistas, entre os quais estão Julião Sarmento, Pedro Calapez, Pedro Cabrita Reis, Pedro Sousa Vieira ou Joana Vasconcelos.
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Legenda da primeira foto: O artista Joël Andrianomearisoa
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