Quarta-feira, 25 de maio: meio da semana e véspera de um feriado. Momento perfeito para fazer para o mundo parar. Momento ideal para vos entregarmos a transparência de dois lados de uma conversa, com Birds are Indie.
O novo álbum de ritmados originais, já editado a março deste ano e sobre o qual por aqui vos deixámos uma breve nota, ganha um novo formato, numa geometria que gira sobre um prato e sob uma precisa agulha. Face ao CD, o quadrado da caixa ganha escala, o círculo da música aumenta o diâmetro – Anaxágoras gostaria de vinil. A cor deixa o habitual espelhado e é transparente, ou não cor, num contraste com a lírica que tem sempre algo mais a dizer, nas bem usuais metáforas.
Assim, com o vinil a servir de mote e razão para mais um encontro com esta banda de Coimbra que já conta três álbuns de longa duração, que se revele uma solta conversa que viaja entre o vinil e o conceito do mundo que pára.
© Francisca Moreira + Joana Corker.
Agora que o mundo parou, a vosso desejo, era o momento d’ouro para este formato físico?
Ricardo Jerónimo (RJ): Sou eu a começar? Posso não ser eu?
Joana Corcker (JC): Não. És tu.
Henrique Toscano (HT): E por que não um vinil?
Alguém responde?
RJ: Tenho de ser eu, está visto. (Risos). Por um lado, hoje em dia, já não é assim tão raro editar um vinil. Por outro, já tínhamos editado em quase todos os formatos – CD, CD-R, cassete, bandcamp… Vá, nunca editámos numa pen. Agora, vinil. Depois, não podemos esquecer que somos os três do tempo em que se ia namorar o vinil para as lojas, mais tarde comprá-los – e voltando ao início -, agora já há (muito) outra vez. É um formato que permite, no que respeita ao design, mais liberdade, outras abordagens… O CD também o permite, mas o vinil tem um carisma diferente, mais palpável, menos descartável, creio.
Indo até março, neste novo álbum apresentaram-se com o single – “Partners in Crime”. Ser-se parceiro de crime é o quê, para um bando de pássaros criativos?
JC: Aqui, o nosso crime é a amizade de longa data.
RJ: A ideia da música é uma espécie de desafio, para nós próprios, de nos assumirmos enquanto banda altamente confiante. Sabes aquelas bandas que chegam ao palco e explodem coisas atrás delas e saltam e fazem a espargata no ar…
HT: (Risos)… E que aparecem em tronco nu!
RJ: Isso! Somos uma banda de Coimbra que não toca em tronco nu. Algumas tocam, nós ainda não temos esse nível de confiança. Porém, foi uma música para uma espécie de “salto de confiança” em nós próprios, nós enquanto trio que anda aí a tentar…
JC: A tentar enganar as pessoas…
RJ: (Risos) A tentar enganar para as introduzir neste mundo criminoso. É isto.
© Sara Quaresma Capitão
E este tempo de espera, entre a edição do CD e do vinil, algum porquê?
HT: Está relacionado com as fábricas, só por isso.
JC: O ideal teria sido lançar as duas coisas juntas.
Não foi propositado?
JC: Não. O vinil demora muito mais tempo.
RJ: O CD, para se ter uma ideia, envia-se o material todo para eles o fazerem e passados 10 dias temos 500 exemplares em casa. O vinil conseguimos, neste caso, em três meses e foi muito bom. As fábricas estão com prazos para entrega de vinil cada vez mais longos porque há cada vez mais pedidos.
HT: E hoje há poucas fabricas para a procura real. Está de novo na moda.
RJ: Há poucos anos atrás, quando o vinil recomeçou ou, em boa verdade, nunca parou, eram mais edições de autor e/ou limitadas. Hoje, uma Adele, por exemplo, lança um CD e o vinil, quase de certeza. Imagina quantos vinis não foram feitos.
Este ressurgir entope fábricas e, por isso, não queríamos estar dependentes do vinil, prevenindo até um possível atraso na edição do vinil, que podia acontecer e estar num impasse sem saber quando ia ser o lançamento. O disco estava pronto, tinha de sair.
Não houve estratégia, portanto.
RJ: Não. Até porque quando os vinis chegaram, no dia seguinte, já estavam connosco no concerto do Porto, no Maus Hábitos. Não estávamos a escondê-los de ninguém. (Risos).
Imaginando-vos no mundo do “crime”, que claramente compensa no vosso caso, este vinil podemos dizer que é uma “Finish Line” atingida?
RJ: Sim, creio que sim. Era daquelas coisas que há muito dizíamos: “Ah! Um dia era fixe era editar um vinil”. Mas achávamos que tal nunca iria acontecer. Para mim, foi uma boa maneira de quase fazer um final de uma trilogia – três álbuns, que são todos muito parecidos, no sentido em que não houve grandes saltos de uns para os outros. Foi uma evolução continua e compassada.
© Birds are Indie
Primeiro, a música preencheu-nos o silêncio. Depois, o amor precisa sempre de algo mais, “numa metáfora para o que falta”. E “Let’s pretend the world has stopped”. Título que é parte do imaginário de todos nós. Onde tudo fica em suspenso… nem que seja por breves instantes. Quem nunca imaginou um mundo sustado? E, novamente, passando revista à lírica: o amor, as relações e ralações, as emoções, o ir e o ficar, o ser e existir.
Tivemos “Love is not enough” e agora “Let’s pretend the world has stopped”. Continuidade, estabilidade, novidade… O que se esconde por detrás do título face ao antecessor?
RJ: Tal como nos dois anteriores, o nome do disco é o verso de uma música. Pessoalmente, não gosto muito de dar nomes aos discos que sejam ou homónimos da banda ou nomes de uma música, nunca gostei. O título deve ser o laço do embrulho, aquele toque final que te dá pistas. Neste disco, este verso pareceu-nos que enquadrava bem com algumas coisas que andávamos a pensar e que estavam a envolver a preparação do disco.
O disco foi preparado de uma forma muito diferente face aos outros. As músicas foram previamente ensaiadas, construídas em conjunto, umas foram descartadas, outras foram para a gaveta, outras inicialmente pareciam que não iam dar em nada e depois até acabaram por ser resultar muito bem… Houve um longo período para fazer tudo com a calma necessária. Estávamos habituados ao contrário, aquela urgência de “músicas estão prontas, mete ai, grava, ‘bora” – foi um quase um fingimento que o mundo tinha parado para nós, tudo tinha parado, não sabemos bem como, mas houve o tempo para gravar um disco. Começou por aí.
O paulatino que parece sumido dos tempos contemporâneos.
RJ: Sim. É, também, um reflexo dos tempos. Somos uma geração de transição que apanha o nascer da internet – fomos crianças/ adolescentes sem a mesma. Portanto, temos, se calhar, tudo de bom – porque ainda conseguimos apanhar sem dificuldade toda esta evolução tecnológica que a gerações mais velhas pode custar, só um pouco mais -, mas ao mesmo tempo ainda conseguimos valorizar muito do que existia ou que ainda existe de diferente, do imediatamente antes da internet, antes de ser tudo tão imediato, descartável e aparentemente fácil de obter e de saber.
Do consumo menos desenfreado.
RJ: Exacto, remetia um pouco para isso. Fazer uma proposta às pessoas para quando ouvissem um disco, neste caso o nosso, fingissem que o mundo tinha parado, por uns bons minutos. Algo que é cada vez mais raro, as pessoas colocarem um disco para tocar e ouvi-lo, sem pressas e, voltando ao novo formato, o vinil favorece isso, não é um formato imediato. Tens que te predispor a ouvir o disco, se calhar com outras pessoas, e aproveitas e vês as letras, a capa, tudo com calma. Depois, a meio, tens de ir virar o disco e ao virar o disco, se calhar, acabas por ter ali um momento de pausa e de reflexão – “até aqui gostei, como será a seguir?”- ou – “Repara como arrancou, agora, o lado B!”. Há um momento de possível de reflexão. É tudo isto e, no caso no vinil, o ser ainda uma antítese ao MP3 e ao seu universo de consumo sem freio, de fast-forward.
© Sara Quaresma Capitão
Logo na segunda composição surge-nos – “I’m leaving this town”, que também é parte do imaginário global. As “paredes da vida” são obstáculos ou desafios?
RJ:Viste muito bem o “wall” nessa música. É mesmo uma parede da vida.
Bem hajas, tento ser aplicada.
RJ: (Risos). Aí sim, é uma metáfora que separa dois mundos e tu ficas na dúvida de que lado queres estar. No caso, aqui, “I’m leaving this town” é um pouco a ideia que muita gente de Coimbra tem ou teve, que saiu e não voltou, que quer sair, que saiu e voltou, mas há, também, as que querem ficar. Depois há o que parece ser uma muralha que nos rodeia em que chegamos ao Arco da Almedina e ficamos na dúvida se continuamos ou se ficamos.
E será só Coimbra?
RJ: Quem diz Coimbra diz Vilar Formoso ou outras cidades de Portugal.
HT: Musgueira, toda a gente quer sair da Musgueira. (Risos).
JC: É o ficares no conforto ou ires para o desconhecido e, em boa verdade, às vezes o desconhecido pode não ser assim tão bom.
RJ: A música fala desse sentimento que pode ser relativo ao querer sair de uma certa cidade, a um mudar de emprego ou não mudar, a uma série de decisões.
São essas decisões que vos dão alento para criar músicas, as muralhas nas suas mais diversas formas?
RJ: As músicas são, quase sempre, sobre algo e o seu contrastante, muitas músicas são-no e esta também é. São coisas universais, podemos dizer “I’m leaving this town” é um sentimento universal.
Com que música, se saíssem, o fariam? Que som levariam no ouvido?
HT: “Springtime” (risos), para depois voltar um dia.
Pode não ser do vosso álbum.
(Todos): AH!!! (Risos).
RJ: Foi uma boa resposta, a do Toscano. Se fosse do disco, era esta.
JC: “Modern Life is Rubbish”, dos Blur. Talvez.
RJ: Sou muito mau nestas perguntas do escolha uma música. Bloqueio e já bloqueei, neste preciso momento. (Risos).
© Francisca Moreira + Joana Corker
Há, além de toda a surpresa natural a um novo trabalho, um brinde extra, daqueles momentos onde imaginamos que o mundo ficou em suspenso. Em “Springtime”, uma convidada especial – Susana Ribeiro. Porquê este convite-violino, em especial?
RJ: A Susana teve uma ligação por duas vias, sendo que o trilho base é o mesmo, os a Jigsaw. Chegámos a cruzar-nos com a Susana em palco, e não só, quando ela ainda estava nos a Jigsaw. Quando soubemos que ela ia deixar a banda, num ido concerto de aniversário dos a Jigsaw em Coimbra, no final desse concerto, nas despedidas, ela disse-nos que gostava muito da nossa música e que, se algum dia precisássemos de um violino, já sabíamos. Nós só pensámos – “Isto é impossível. Alguma vamos ter uma música capaz de merecer um violino?”, mas aquilo ficou.
Um dia, quando estávamos a preparar esta música, a mesma sempre me despertou a ideia que devia haver um instrumento qualquer que chorasse na música, que o choro não fosse protagonizado por uma voz, mas sim por um instrumento a fazer esse papel, de um momento de choro e… Nada melhor que um violino para interpretar um choro. Depois, o clique: violino = Susana. Seguiu-se a questão do “será que ela vai cumprir a promessa?” Disse logo que sim e gravámos, e o violino cumpriu o seu papel imaginado.
Nestas coisas da vida, da mudança, do ir ou ficar, há, no entanto, pormenores que são quase constantes, como a bitola nos nossos comboios. “Like trains”, há, em vós, uma queda que não vos deixa quedos em escrever o eterno tema pop “amor”. Estamos na metáfora por que nos falta sempre algo?
RJ: O amor, sem dúvida, mas nem sempre é o amor. São reflexões sem pretensões poéticas, são pop, sim. Sobre a vida e o amor, é uma parte importante dela, nas suas diversas formas, nos seus diversos momentos, nas consequências que traz, nas implicações que tem, enfim… é isto.
É sempre algo mais.
Com o vinil nas mãos, questiono-vos. Como uns indie-pop Birds têm um tão minimal vinil, a transparência depura-vos a imagem?
JC: Foi mais uma opção estética, claro.
RJ: Em termos de objeto, a ideia foi de oferecer ao público algo diferente. Ainda hoje nos compraram um vinil e quando abriram à nossa frente soltaram um “Ah! É transparente!” reacção de surpresa e outra pessoa, também – ”Ah! Tão gira que fica a capa! – [apesar de já a conhecerem do CD] – Está muito bonito.” Quando tiram o vinil “Ah! Transperente! Que espectáculo, o meu primeiro vinil transparente.”
HT: Tu também fizeste isso!
Sim, assumo.
JC: Também é o nosso primeiro vinil transparente, não é?
RJ: Sim, é.
Se o CD já era não só um roubar dos nossos ouvidos, mas e simultaneamente dos nossos olhos, o vinil vem reafirmar o cuidado dado à linguagem gráfica, por esta banda de Coimbra. Da cor à imagem, da ilustração à disposição, “Let’s pretend the world has stopped” é, indubitavelmente, o reflexo do tempo dado à criação de todo um jardim sonoro suspenso, de travo indie, com alma pop, vestes retro e base minimal.
© Sara Quaresma Capitão
E para fechar no universo que agora editam, um vinil que para vós seja…
Sagrado?
JC: Para mim o primeiro: “Chronic Town” dos REM. A primeira peça de música que eu comprei para mim, comprado por mim. Lembro-me tão bem de o comprar. Sim, porque oferecido foi o do Dartacão.
RJ: Dizer só um sagrado deixa-me triste pelos outros.
HT: Sagrado tenho o Test Pressing do nosso vinil. Só há dois no mundo e eu tenho um!
Desejado?
JC: Eh pá! Tenho vários.
RJ: Gostava de ter um dos Small Sur, que acho que não há. O segundo disco deles, na altura em que foi editado, não teve distribuição na Europa e só o vendiam através de correio deles. O envio do vinil era mais caro que o próprio vinil e então nunca comprei, pois sempre achei que era um bocado estúpido pagar mais pelo envio que pela coisa que, na verdade, queria. Porém, fiquei com pena de não ter esse vinil, são uma banda que eu gosto.
JC: E gostava de ter a box completa de vinis dos Luna, mas para isso são precisos alguns euros. É uma edição que gostava mesmo muito de ter.
Jamais tocado?
HT: David Bowie, “Blackstar”. Três dias antes do vinil chegar, ou um dia, já não me lembro bem, o Bowie morreu e… já está emoldurado, intocado. É sagrado, também.
JC: Para mim, a emoção é ter o disco e o mesmo estar a tocar. Ter e não tocar, creio que não conseguia. Bom, há discos do meu irmão que não lhes pego. Não mesmo. Ele tem uma coleção enorme dos The Smiths e Morrissey, e mais outras raridades. Desde que tive um episódio com um vinil dele, do Rui Veloso… que risquei… fiquei em silêncio, claro. Não disse nada e nunca mais mexi nos vinis.
RJ: Ficaste me silêncio até hoje…
Posso publicar a confissão do crime?
JC: Podes publicar.
RJ: Não consigo responder a esta, é complexo. (Risos).
Parceiros de crime (sem serem foras-da-lei) que o desafiam a ter tempo para ouvir 14 composições originais de um mundo que se imagina sustado, suspenso, parado. Se já ouviu, é reouvir e se ainda não viu, é ver o vinil que é peça musical a ter, na antítise aos digitais, na calma de não existir um “fast-forward”.
E porque estes estimados Birds que são Indie não páram, deixamos aqui as próximas datas já anunciadas:
28/05, 21h30 – Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV), Coimbra.
04/06, 20h00 – Ribadavia, Galiza, (ES).
05/06, 13h30 – O Grove, Galiza, (ES).
12/08 – Bons Sons, Cem Soldos, Tomar.
A ter (e ouvir), o vinil. A reouvir, o CD. A ir, aos concertos. Sons nacionais. •
+ Birds are Indie
© Fotografia de destaque: Sara Quaresma Capitão.
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