Simplicidade e leveza são as palavras com que o Vítor Claro define a sua cozinha de raiz portuguesa, na qual permanecem os clássicos, em particular a homenagem a Santi Santamaria, o mestre que, ainda hoje, o inspira neste percurso paralelo ao universo vitvinícola, com boas novas para breve.
Ponhamos a carta na mesa. Houve muitas alterações?
A carta continua como sempre foi: É uma carta muito dinâmica. Mudou totalmente e, daqui por seis meses, há de mudar totalmente, para que siga o mesmo caminho com a evolução que tem tomado.
Esta mudança tem a ver com a sazonalidade dos produtos?
Tem muito a ver com a sazonalidade e com o facto de a pessoa que está, agora, comigo na cozinha, que tem trazido ideias novas, o que gera uma capacidade nova de apresentar novos pratos.
E com a cozinha portuguesa?
Possivelmente seja uma fase, de uma maneira ou de outra, afinal são as minhas raízes, razão pela qual não vale a pena fugir a isso.
Nem dos clássicos, como o bacalhau “à conde da Guarda” ou o ravioli de gamba?
São pratos que são o emblema da casa e daquilo que acredito e que faço, como o consomé de lavagante, que é outro dos pratos que mostra muito o DNA desta cozinha. O bacalhau acaba por ser um prato muito simples e muito direto, que assenta muito no equilíbrio; e o ravioli mantém-se por ser feito por ser uma homenagem – espero que seja uma grande homenagem – a um grande chef de cozinha e que representa muito o que gosto – a leveza, a essência das coisas, a simplicidade.
Como define a sua cozinha?
Se houver duas palavras chave para o fazer, essas palavras são simplicidade e leveza, sendo a terceira o sabor, que é a base, pois sem sabor não há cozinha, fica a faltar o essencial. A nível da construção do prato e de como se redefine e aparam as ideias, a minha cozinha funciona, definitivamente, na busca da simplicidade e da leveza, porque quando provamos alguma coisa e achamos que está pesado demais, temos de ver o que tem e não deveria ter.
“Entre pegar num lavagante e fazer um molho muito denso ou fazer um consomé, prefiro fazer o consomé, o qual podemos beber a taça inteira.”
Essa preocupação está associada à saúde de quem se senta à sua mesa?
Tem a ver com a textura do prato, com os riscos inerentes a isso, e com um menu com oito pratos depois do qual quero que as pessoas saiam bem daqui. Entre pegar num lavagante e fazer um molho muito denso ou fazer um consomé, prefiro fazer o consomé, o qual podemos beber a taça inteira.
O mesmo equilíbrio encontramos no prato de bochecha de vitela “Geenral Wellington?
Quando se faz um menu de degustação como este, de oito pratos, por norma é preciso termos cuidado com o ritmo – sobretudo agora, com a equipa nova, em que está subjacente o objetivo de melhorar – e de perceber que, ao oitavo prato, já não temos o mesmo apetite que tínhamos perante o primeiro. Portanto, ou o prato de carne é muito impactante e muito bem feito ou pode facilmente ser o elo mais fraco. E o bife Wellington é aquele prato clássico, apesar de não fazermos a receita tradicional, com lombo de novilho, mas sim com as bochechas de vitela, que são colocadas na massa folhada, o que representa uma aproximação diferente.
O mesmo cuidado se regista nos molhos?
Nenhum dos molhos que foram aqui apresentado são pesados, são basicamente água de cozinhar os alimentos. Têm mais a ver com a leveza, fator que está muito ligado com o meu percurso na produção de vinhos, bem como com a prova e o conhecimento de novos vinhos, o qual faz-me, claramente, perceber melhor e preferir os vinhos mais leves, filosofia que se foi aproximando da minha cozinha, que segue esse mesmo padrão.
Nesse percurso vínico está patente o portefólio da Dominó.
O Dominó branco e o tinto, e o Foxtrot; e já temos uma parceria com um hotel, em relação ao qual faço serviço de consultoria e onde vamos pôr um vinho branco e um vinho tinto da Beira Alta, de Figueira de Castelo Rodrigo. Se tudo correr bem, iremos lançar mais dois vinhos feitos na zona de Lisboa.
“O Dirk Niepoort (…) foi das pessoas que mais me marcou e que mais me alterou a programação mental.”
De volta à cozinha, que chefs o marcaram mais?
Tive a sorte de trabalhar com chefs muitos bons, com os quais trabalhei muito. O primeiro de todos e que, para mim, teve mais impacto, foi o chef Vítor Esteves. O Dirk Niepoort, não tendo trabalhado com ele na cozinha, foi das pessoas que mais me marcou e que mais me alterou a programação mental.
Em que sentido?
De provar os vinhos leves e frescos, e de transformar a comida numa coisa mais leve e fresca.
Mesmo assim, há semelhanças entre o Pica no Chão e o Claro?
Há um DNA, uma base muito parecida mas, hoje, a minha cozinha está mais refinada. Na altura tinha 21 anos, ou seja, não tinha a cabeça ainda muito arrumada. Como espero que daqui a 13 anos não faça a mesma cozinha que faço hoje, mas sim com uma evolução de 13 anos.
Fora das paredes do restaurante do chef, como vê esta evolução na cozinha?
Vivemos numa altura em que tudo acontece no imediato e, com a necessidade dos 15 minutos de fama, quebram-se cada vez mais barreiras, o que nem sempre é o melhor. Há três ou quatro cozinheiros com projetos fantásticos que só fazem bem a este país, aos quais toda a geração da minha idade deve muito: Fausto [Aroldi], Joaquim Figueiredo, Vítor Sobral e Miguel Castro e Silva que, para mim, é muito importante – lembro-me de, muito antes de o conhecer, ler um livro dele e que conheci num hotel do Porto, numa viagem que fiz com o meu pai, o qual se chama “Uma cozinha de aromas”. Um livro a respeito do qual – mais do que me identificar muito ou pouco com a sua cozinha – me identifiquei com o manifesto dele, com a maneira como expressava a sua identidade, uma coisa que, há 20 anos, era impensável numa cozinha.
“E quem é que está a tirar um curso de cozinha que queira ser cozinheiro?”
Porém, hoje é diferente.
Hoje em dia está muito na moda ser chef, mas há 15 anos não era nada giro. Era-se cozinheiro, porque não se queria estudar, ao contrário de hoje, em que há milhares de alunos nos cursos de cozinha, o que era impensável na altura. O cenário está a mudar e muito, e jamais pensaríamos que, hoje, tivéssemos programas de cozinha em prime time. E quem é que está a tirar um curso de cozinha que queira ser cozinheiro? A maioria quer ser chef e ter um restaurante, mas nem todos podem sê-lo. Gostava de saber ao certo, se possível, qual o número de formandos que, nos últimos cinco anos, acabaram por ficar a trabalhar na cozinha – provavelmente temos uma conclusão inerente a um número mais baixo do que pensamos. É um trabalho que, quando levado a sério é um esforço, como eu acho que todos os trabalhos levados a sério exigem o esforço de aplicação enorme de vida e de vida pessoal. Tenho a sorte de trabalhar na cozinha e de ter podido escolher esta profissão – nesse aspeto tenho a agradecer aos meus pais que sempre me deixaram escolher e fazer ver que era importante eu escolher uma coisa que eu gostasse.
Quais as razões que o levaram a escolher ficar na cozinha?
Fui estudar gestão hoteleira na esperança de poder viajar e conhecer o mundo. No fim do primeiro ano do curso fiz um estágio em cozinha mas, no segundo e no terceiro ano, teria de fazer um estágio em receção e gestão de andares. Foi quando percebi que não era isto o que eu queria e disse aos meus pais que ia desistir do curso de gestão hoteleira, para optar por um curso de cozinha – não foi nada fácil de gerir, mas durou o seu tempo e, hoje, digo que foi a opção mais sensata. Já não sei quantas pessoas com as quais me cruzei que, hoje, com 30 e 40 anos, decidem tirar um curso de cozinha.
“As viagens são a única coisa na vida que nos enriquece de verdade, o que não é uma exceção na cozinha (…)”
Mesmo assim continuou a viajar.
As viagens são a única coisa na vida que nos enriquece de verdade, o que não é uma exceção na cozinha – é uma regra igual em todas as áreas, uma abertura de mentalidades.
Portanto, que mensagem gostaria de deixar a quem se quer meter entre tachos e panelas?
Que antes de tirarem o curso vão dois meses ou um mês, ou duas semanas, experimentar trabalhar numa cozinha, para ver se é de facto este o rumo que querem para a sua vida.
Em suma, o roteiro pela cozinha de Vítor Claro, de 35 anos, começou em 1999, no Lawrence, em Sintra, tinha então 18 anos. Passou pelo El Racó de Can Fabes (3 estrelas Michelin), em Sant Celoni, o célebre restaurante de Barcelona do chef Santi Santamaria, pelo Hotel Fortaleza do Guincho (1 estrela Michelin) e pelo London Savoy Hotel, ao que se seguiu o Vila Joia (2 estrelas Michelin) e a abertura do Pica no Chão, em Lisboa. Esteve no Xtoril, do Casino Estoril, deu um ano de formação e consultoria, e foi chef no Degusto, regressando a Londres, desta vez, para o Mews of Mayfair passando, depois, pela Herdade de Malhadinha Nova, pelo Hotel Albatroz e, por fim, o Claro, onde é chef de cozinha há cerca de quatro anos e meio, e em relação ao qual convidamos a ler sobre a nova carta aqui. •
+ Restaurante Claro
© Fotografia: João Pedro Rato
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