“Os animais que ao longe parecem moscas”. O Núcleo de Arte da Fábrica Oliva, em São João da Madeira, recebe aquela que será a maior exposição de João Maria Gusmão e Pedro Paiva em Portugal desde “Abissologia”, que teve lugar em 2008 na Cordoaria Nacional.
A exposição que João Maria Gusmão e Pedro Paiva agora trazem à Fábrica Oliva, contando com mais de quatro dezenas de peças, muitas das quais inéditas, teve a sua génese numa experiência expositiva levada a cabo nas minas de sal-gema, em Loulé, em 2008. Naquela ocasião, os artistas optaram por instalar nas profundezas das referidas minas um conjunto de objectos que haviam figurado, quer como personagens principais, quer como adereços, nos filmes por eles produzidos desde 2001. Neste lote de peças encontravam-se elementos tão distintos quanto uma Hélice, uma Cabeça de Heráclito ou uma Mola – exemplares provenientes do universo especulativo, improvável e irracional que os autores têm vindo a explorar, e no âmbito do qual exercem, seguindo uma exortação de Ricardo Reis, uma “metafísica recreativa”.
Nove anos volvidos, a dupla recupera a estratégia adoptada em 2008, desta feita ampliando significativamente a selecção de artefactos, autonomizando-os e juntando-lhes quatro projecções, uma câmara obscura e um grupo de esculturas cinéticas. No espaço da antiga fábrica Oliva, o espectador é conduzido a um conjunto de quatro palcos a partir dos quais pode observar o grupo de peças no centro do espaço reunido, bem como testemunhar, agora sem mediações ou outros constrangimentos, alguns dos desconcertantes fenómenos que têm lugar no território revelado por João Maria Gusmão e Pedro Paiva. Os animais que ao longe parecem moscas constitui-se, portanto, como uma dupla oportunidade: a de embarcar numa rara incursão pelos bastidores da produção destes artistas, e a de a de testar, no recato do dispositivo escópico por eles preparado, a espessura da sua singularidade.
Para quem ainda não é familiar destes nomes da nossa arte contemporânea: João Maria Gusmão (Lisboa, 1979) e Pedro Paiva (Lisboa, 1978) iniciaram a sua colaboração artística em 2001 no âmbito da exposição “InMemory”, que teve lugar na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa. Na última década e meia, esta dupla de artistas conquistou um lugar de destaque nos circuitos artísticos internacionais, tendo apresentado exposições individuais em instituições tão diversas quanto a Haus der Kunst, em Munique, o REDCAT, em Los Angeles, o Camden Arts Centre, em Londres, o HangarBicocca, em Milão, a Objectif Exhibitions, em Antuérpia ou o Frac Île-de-France, Le Plateau, em Paris. Esta circulação foi reforçada pelas inúmeras exposições colectivas em que participaram, e de entre as quais se destacam as participações na Manifesta 7 (2008) e nas bienais de S. Paulo (2006), do Mercosul (2007), de Gwangju (2010), e de Veneza, evento onde representaram Portugal (2009) e onde integraram a exposição internacional na 55ª edição (2013).
Explorando meios tão diversos como a escultura, a fotografia, o filme, bem como objectos e dispositivos ópticos como a câmara escura, o trabalho destes artistas assemelha-se a uma investida para-científica pelos meandros de um universo governado por uma outra ordem das coisas: uma infra-realidade que tende a escapar às malhas das convencionais ferramentas taxonómicas, mas cuja existência foi sendo desvelada, a espaços, nos relatos de autores como Fernando Pessoa, Victor Hugo, Alfred Jarry ou René Daumal. O carácter desconcertante dos objectos e dos fenómenos captados por Gusmão e Paiva deriva menos do estranhamento que as suas superfícies possam eventualmente provocar, do que do insólito espírito que delas desponta quando se lhes abranda o passo ou se lhes impõe a luz de um imparcial escrutínio e de uma intensificada atenção.
Para além da exposição que inaugurará na Fábrica Oliva no próximo dia 25 de Março, João Maria Gusmão e Pedro Paiva têm programadas, ainda para este ano, e entre outras, apresentações individuais no Teatro Nacional D. Maria II (Março) e na Galeria Zero, em Milão (Maio), bem como participações em exposições colectivas em Lisboa (Lua Cão, com Alexandre Estrela, Maio), no Centre Pompidou Metz (Jardin Infinit, Março) e no KulturZentrum de Pfäffikon (Maio). Tem dúvidas sobre o patamar elevado das artes que esta dupla ocupa? Cremos que não, lido a suma do seu curriculum.
A inauguração da exposição individual de João Maria Gusmão e Pedro Paiva – “Os animais que ao longe parecem moscas” – está agendada para sábado, dia 25 de Março, pelas 18h30. Estará patente na Fábrica Oliva – São João da Madeira e pode ser visitada de terça a domingo entre as 10h30 e as 18h00. A visitar. •