Há homens, há rapazes, há catraios, há miúdos, há senhores, há meninos, mas há também O Gajo. Não um qualquer gajo que apontamos na rua. Há O Gajo com matriz bem portuguesa que, na sua essência, é música do mundo.
O Gajo nasce em Lisboa na primavera de 2016, com cognome de João Morais (ou vice-versa, se assim preferir numa forma mais tradicional), com o intuito de ligar a sua música à terra que o viu nascer, Portugal. É assim que surge a relação com a Viola Campaniça, também conhecida por Viola Alentejana, um instrumento de raiz tradicional que faz parte da história centenária e cultural portuguesa. Não só ousa na ousadia do nome – O Gajo – ainda traz consigo a audácia de um instrumento pouco visto nas luzes de maior ribalta, hoje em dia. A Viola Campaniça era instrumento musical usado para acompanhar os célebres cantares à desgarrada, ou ”cantes a despique”, nas festas e feiras do Alentejo. Com toda a certeza, se for um curioso das nossas raízes musicais, conhece bem a forma e som desta viola.
João Morais é músico desde 1988 e depois de quase 30 anos a tocar guitarras vindas de fora, é num concerto em Beja que conhece a Viola Campaniça. O romance começa. O Gajo leva-a para Lisboa. Como numa relação a dois, todos cedemos um pouco de nós para equilibrar com o outro. A Viola Campaniça, fazendo jus à sua flexibilidade enquanto instrumento, ganha assim novas tonalidades afastando-se da linguagem mais tradicional, das terras de onde vinha, mas mantendo intacta a sua Portugalidade, a sua identidade. E… ouvir o namoro deste par, garantimos, está aqui um casamento que promete estabilidade e futuro.
As composições d’O Gajo podem soar a fado, mas não são fado, podem soar a música tradicional, mas não são música tradicional, são um híbrido disso tudo e muito mais. Para nós soam a nova música portuguesa, com O Gajo. Basta ouvir o primeiro single – “Há uma festa aqui ao lado” – para melhor perceber do que falamos com nova música; um tema mexido, com uma sonoridade característica de um universo nostálgico, mas ao mesmo tempo eufórico da cidade de Lisboa. As referências e homenagens a esta cidade estão espelhadas em todo este novo álbum d’O Gajo, “Longe do Chão”, e “Há uma festa aqui ao lado” é o primeiro tema que desvenda parte desta atmosfera. O álbum, o primeiro de João Morais, é um tirar-nos deste chão que nos segura para nos levar a mundos onde reina uma nova abordagem na música, onde nada interfere com o momento.
Segundo João Morais, “onde há uma viola há uma festa” e esta é a perspetiva do vizinho que a escuta. Este é também o tema que serviu de teste ao casamento de ideias antigas com o novo som da Viola Campaniça, instrumento que orienta todo o trabalho d’O Gajo. “A fusão correu bem e o casamento está para durar“, admite o artista (já vos tínhamos dito que esta união era a sério).
“Longe do Chão”, o novo álbum d’O Gajo editado no dia 20 de maio, é um trabalho de sombras vagas de final de tarde que povoam o universo do artista, e nos contam histórias da cidade oculta; 11 histórias, ou músicas instrumentais, que nos espelham momentos de uma Lisboa através das suas melodias e ritmos. A saber, o alinhamento:
Tudo começa com a música que dá nome ao álbum “Longe do chão” e porque este álbum tem uma viola, segue-se “Há uma festa aqui ao lado”, claramente uma festa a sério porque até se toma “Uma ginja com elas”. Rumamos para “A carteirista”, ou não fosse esta uma conhecida profissão não só de Lisboa, mas de outras cidades também, para depois nos deliciarmos no “Miradouro da batucada”; Lisboa, podemos pensar em ti sem pensar em Miradouros? “O cego e a guitarra” é quem segue para mergulhar num “Trânsito de Vénus” com “5300 noites” para serem bem ouvidas. Quase no fim desta aventura Campaniça, “Férias no Havia” para apanharmos o “Navio dos loucos” e fecharmos o álbum com “A navalha da rua escura” (sem medos que aqui a navalha são as cordas de uma viola e a rua é desenhada com segurança pel’O Gajo, numa escuridão nostálgica).
Definitivamente um álbum a ter de ouvir, de sons tradicionais agora com novas abordagens, novas gramáticas e ritmos. O Gajo, é este e é para ter debaixo d’olho. •