Na família há 74 anos, o Monte da Ravasqueira é o legado preservado pela dedicação e pela arte de fazer vinho, para desfrutar com a mesma tranquilidade com que o Alentejo nos acalenta a alma.
O retrato da paixão de José Manuel de Mello pela caça
O céu, ora nublado, ora soalheiro, acompanhou a viagem rumo ao concelho de Arraiolos, vila do distrito de Évora, no Alentejo até, por fim, o destino aumentar de tamanho à medida que nos aproximávamos. Ei-lo, o Monte da Ravasqueira, propriedade secular e pertença da família Mello há três gerações, mais concretamente desde 1943, quando foi adquirida por Manuel Augusto de Mello, que a passou para as mãos do filho José Manuel de Mello, em 1966, tendo sido recuperada, na sua totalidade, duas décadas mais tarde. Hoje, é um dos netos, Pedro de Mello, quem está à frente do Monte da Ravasqueira, com o propósito de preservar a paixão do pai, o legado do vinho e da vinha.
Sob o mote do vinho, iniciamos esta viagem num monte com 250 metros de altitude, 29 talhões de vinha, os quais correspondem a 44 hectares de terra caracterizado como um “terroir declivoso” localizado numa zona de transição para o Alto Alentejo, e com o registo total de três mil hectares.
Pelo vinhedo há “muitas massas de água que condicionam o microclima da vinha”, tornando “as uvas mais aromáticas e com uma frescura diferente das do resto do Alentejo”. As palavras são de Pedro Pereira Gonçalves, enólogo e membro do concelho de administração do Monte da Ravasqueira onde, em 2012, “mudámos a nossa vinha e procuramos novos caminhos para novos produtos” – e o ano em que o enólogo assumiu o seu ofício na empresa, a par com o seu braço direito, Vasco Rosa Santos, coordenador de viticultura e enologia.
“Não existe separação entre o enólogo e o viticultor”
No total, são 45 hectares de vinha a perder de vista
Sobre a viticultura, Pedro Pereira Gonçalves avança com a explicação, chamando-nos à atenção para as folhas com uma planta e pintalgada de vermelho, amarelo e verde dispostas em cima da mesa: “É uma viticultura de precisão.” Ou seja, recorre-se a um avião munido de um equipamento que, ao sobrevoar a vinha, permite que seja feita uma radiografia do terreno, neste caso, um talhão de Touriga Nacional. “Assim sabemos o significado da planta” de acordo com a cor que aparece no Raio X. Por exemplo, o vermelho apresenta “muito menos vigor” e amarelo uma “zona mais equilibrada” no que concerne à quantidade de clorofila ali presentes. O objectivo deste processo consiste em “separar para maximizar o terroir da vinha”, continua. E porquê? Porque “tenho de exigir o melhor vinho”, daí a aposta na “viticultura enológica”, isto é, o respeito pela velha máxima de “fazer os vinhos na vinha”.
Engenheiro agrónomo de formação, Pedro Pereira Gonçalves, que iniciou o seu percurso na enologia em 2004, na Austrália passando, depois, pela Nova Zelândia, pelo Chile e pelos Estados Unidos, afirma “não existe separação entre o enólogo e o viticultor”.
Muitos dos vinhos estagiam em barricas de carvalho francês, na adega
A visita continua na adega, onde a azáfama do dia-a-dia entra, de imediato, pelos nossos olhos. “Adega que não está cheia de caixas nem de vinho, é porque não tem vida”, reforça o enólogo sobre este espaço inspirado em Napa Valley e gerido, na sua totalidade, através de um programa informático desenvolvido no próprio Monte da Ravasqueira.
A caminho do casario composto pela casa de família, o espaço de enoturismo e o Museu de Atrelagens, o director de enologia fala sobre a transição para a produção biológica e refere a existência de um talhão com Touriga Nacional cem por cento biológico, pois “queremos estimular a defesa da vinha”. Contemplamos o vinhedo e adega que, em breve, aumentará mais um módulo a acrescentar aos quatro já erigidos, ainda no segundo semestre deste ano.
Colheitas à prova e o repasto alentejano
O mel é outros dos produtos do Monte da Ravasqueira
A mesa das boas vindas está posta. Há quem se renda primeiro aos produtos locais, para reconfortar o estômago, e há quem prefira iniciar a prova das colheitas. O desfile começa com Monte da Ravasqueira Alvarinho 2015, um “Alvarinho mais mineral”, quando comparado com o resultado da mesma casta na Região dos Vinhos Verdes, o qual já vai na terceira edição e denota “potencial de guarda”, informa Pedro Pereira Gonçalves.
MR Premium rosé 2015 é o senhor que se segue cuja primeira colheita data de 2013, sempre com a Touriga Nacional como a casta eleita. O estágio ocorre sobre as borras em barricas novas de carvalho francês por seis meses, daí as ligeiras notas fumadas no nariz e uma boa companhia para o sushi quente.
Já o MR Premium branco 2014 resulta da mistura de todas as castas brancas do Monte da Ravasqueira – Alvarinho, Viognier, Arinto, Semillon e Marsanne – e de um estágio de 12 meses em barrica sur lie (leveduras) sem bâttonage (agitação do vinho feito com o auxílio de uma vara).
Quando o desafio remete para a escolha do vinho para o borrego
No alinhamento dos tintos, a tríade passa para o repasto típico alentejano: Gaspacho, borrego e encharcada. Do lado de Baco, o desafio é escolher qual o melhor néctar que melhor combina com o prato de carne, sendo o Vinha das Romãs tinto 2014 o mais consensual.
Passemos, então, à apresentação. Feito a partir das castas tintas Syrah e Touriga Franca, o Vinha das Romãs tinto 2014 cuja “vinha cresce das raízes de uma romanzeira”, daí o nome.
Monte da Ravasqueira Syrah + Viognier 2013 – que conquistou a medalha de Ouro no Concurso Vinhos de Portugal 2017 – foi o senhor que se seguiu, com o registo de 97% e de 3% no blend, respectivamente, cuja fermentação alcoólica e estágio ocorreram em barricas novas de carvalho francês durante 18 meses. A segunda edição do Monte da Ravasqueira Syrah + Viognier conta com 3.374 garrafas.
A terceira colheita do Monte da Ravasqueira Touriga Franca, o de 2013, vencedor do prémio Grande Ouro e Ouro no Concurso Vinhos de Portugal 2017, consta na fila. Sobre a casta, o enólogo sublinha: “É o reflexo do terroir da Ravasqueira.” E “todos os anos apresenta a melhor performance”, além de que denota “um potencial de guarda de dez anos”. Ao todos, há 3.269 garrafas deste vinho.
Com a sobremesa, a escolha recaiu no dueto composto pelo Monte da Ravasqueira Late Harvest 2015, feito a partir da casta Viognier, e pela primeira edição do Monte da Ravasqueira Licoroso, uma colheita de 2015 feita a partir das castas Touriga Franca Touriga Nacional e Tinta Roriz, sendo a garrafa “cheia à mão sem infiltração” e o preenchimento do gargalo com a corda azul do gargalo feito à mão.
História de paixões e um acervo
Um desfile de colheitas na loja que também é sala de provas
O amor pela terra e pelos néctares de Baco de Pedro de Mello foram herdados do pai, José Manuel de Mello, mas as lembranças recuam um pouco mais no tempo: “Ainda me lembro do meu avô aqui.” Na herança, a produção agrícola era uma realidade que continuou preservada pelo pai, muito apreciador de caça e de cavalos, em particular do Puro-Sangue Lusitano. Assim, “nos anos 1990’, o meu pai decide que iria ser campeão do mundo de atrelagem de cavalos lusitanos”, sonho que se concretiza em 1996, na Bélgica, com a conquista do Campeonato do Mundo de Atrelagem.
Porém, “o meu pai queria outro desafio, quando decide aposta num novo projecto. Arrancou todo o pomar de pêssegos, romãs e ameixas, e inspirou-se em Napa Valley”. Assim, em 1998, manda plantar vinha com o apoio de connoisseurs das universidades de Évora, Bordéus e Trás-os-Montes. “Quis criar aqui um vinho que fosse uma referência dos 45 hectares do Alentejo e começa a produzir vinhos”, tendo ainda testemunhado a primeira fase do projecto em 2006.
A pouco e pouco, foram implementadas mudanças. “O Pedro [Pereira Gonçalves] e o Vasco [Rosa Santos] entraram em 2012, criámos os Premium, que são uma homenagem ao meu pai”, mas “precisamos de ganhar notoriedade, porque temos muito poucos anos no vinho”.
Para complementar a actividade, há o enoturismo, com programas vínicos, cursos de vinho, experiências gastronómicas, visitas com piquenique e as temáticas e eventos a explorar.
São, ao todo, 24 as atrelagens que cabem no museu, mas há mais
Em paralelo, “há três mil hectares de cortiça com cinco tiragens a cada nove anos”, informa o enólogo, a somar ao mel, ao azeite, à criação de gado bovino e à engorda de porco preto entre Março e Setembro. E um acervo formado por 37 atrelagens, onde um Bugatti de Million & Gallet, uma berlinda do século XVIII e uma carroça puxada por uma ovelha do século XIX, entre outras raridades que deram origem a célebres nomes de marcas de automóveis, fazem parte de um espólio deixado por José Manuel de Mello em exposição no Museu da Atrelagem. Neste espaço estão, porém, 24. As outras carruagens encontram-se no picadeiro. “Temos a ambição de reunir tudo num só espaço”, remata Pedro de Mello. •