Para os lados da Serra de Sintra, Japão e Portugal sentam-se à mesa de um dos mais antigos restaurantes nipónicos do País, onde o paradigma gastronómico se converte na mudança da cozinha da “Terra do Sol Nascente”.
Mural pintado à mão representativo das ancestrais relações entre o Japão e Portugal
Midori, em japonês, significa “Verde” numa ode à cor dominante na paisagem que ora preguiça, ora exalta aos nossos olhos, do lado de lá da parede de vidro que divide o imenso jardim do Penha Longa Resort, com vista para a Serra de Sintra, do renovado espaço dominado pela “cozinha japonesa com alma portuguesa”, explica o chef Pedro Almeida, ou não tivesse o receituário nipónico influências da nossa cozinha, as quais foram deixadas pelos missionários portugueses do século XVI.
A relação intercultural é retratado num mural pintado à mão numa das paredes do restaurante, agora mais elegante e com uma parede revestida de painéis de cerâmica ondulados, a remeter para o mar. No entanto, “esta cozinha não é de fusão”, reforça o chef que integra a equipa do Midori desde 2012, “porque quis aprender a base da cozinha tradicional japonesa” e fê-lo num dos mais antigos restaurantes nipónicos do País e, ao longo de mais de um ano, se tem dedicado à criação de um novo menu de degustação por mês para juntar à carta. Um desafio determinante para dar azo a uma cozinha de autor, mais arrojada e criativa, uma “experiência global da cozinha japonesa” que vai ao encontro com as origens e a filosofia de vida de Pedro Almeida. Só para começar, o salmão, o queijo creme e os pequenos recipientes com soja dispostos na mesa foram abolidos, “para que as pessoas saiam da zona de conforto, porque quem não sai da zona de conforto não evolui”, justifica e uma mudança que recebeu o apoio do Director Geral do Penha Longa Resort, David Martinez.
À mesa de cor cinza escura e despojada de toalha é servido o kaiseki, outrora um requintado repasto preparado com requinte e com respeito pela estética servido aos monges, dando origem ao menu de degustação. Na verdade, há dois kaisekis na carta – o Menu Chísai, composto por nove momentos e o Menu Oooki, com 11 momentos e ambos estão, de uma forma ou de outra, aqui representados – e o à la carte.
Hassum ou a introdução ao repasto protagonizado por atum, carapau, camarões e santola
No alinhamento da dupla de menus de degustação à japonesa aqui representados de uma maneira ou de outra – já que ambos dependem dos produtos disponíveis e da criatividade de Pedro Almeida – há que começar com o Hassum, um conjunto de vários snacks: Telha crocante de alga nori com toro (atum), gema de ovo, cebolada e caviar ponzu; uma deliciosa telha de tapioca, carapau – o peixe preferido do chef –, gengibre e maçã pink lady; as muito interessantes cabeças de camarão fritas com placton e aioli de yuzu; e a gulosa kinuta (legume) que, neste dia foi o rábano branco com santola de Cascais apresentado numa quenelle com yuzukosho (condimento picante) e molho tosaku (vinagre de arroz, dashi e soja). A apresentação deste quarteto de aperitivos é feita enquanto o chef de 36 anos, natural de Sintra, recorda quão bem cozinhava o pai, a mãe e a avó, legado que conserva com afinco e rigor, assim como uma cozinheira de um dos restaurantes que mais aprecia na vila. Aos quatro snacks somam outros dois: Espargo com kimizu e óleo de farinheira e chawanmuchi com percebes. Mas como já se prevê um longo repasto, o melhor é seguir em frente.
O caldo verde à japonesa pelas mãos do chef
Voltemos, assim, à mesa da terceira geração do Midori – a primeira começou há mais de duas décadas, quando foi fundado o restaurante pelo grupo japonês Aoki e sob um conceito bastante tradicional e estritamente rígido no que concerne à filosofia nipónica, e a segunda muito influenciada pela internacionalização da cozinha japonesa –, chega a vez da miso shiro de caldo verde, com couve portuguesa, uma tosta fina de pão e um sabor intenso q.b. de chouriço. É comer!
O gaspacho e o sashimi de carapau, uma combinação dos deuses
A recomendação mantém-se – talvez ainda mais marcante – a respeito do sashimi de carapau com um gaspacho. Afinal, este é “de comer e chorar por mais”.
Sashimi de salmonete com folhas verdes, miso e molho de manteiga
Segue-se o sashimi de salmonete com folhas verdes, miso e molho de manteiga, que também conquistou o palato, e as amêijas abertas em álccol, “neste caso, saké”, com cogumelos shitaki e raiz de lótus ou, como está inscrito na carta do Midori, osuimono sari no sakamushi que faz jus às tradicionais amêijoas à Bulhão Pato.
Ensopado de enguia que valeu pela experiência
Do mar vamos para o rio, desta vez para saborear um ensopado de enguia com cebola, pimento e tomate. Como o momento seguinte é bem diferente, há que limpar o palato com tsukemono (pickle) de nabo com ameixas – uma salgada, proveniente do Japão, e a bem conhecida de Elvas, seguindo-se o tradicional chá verde biológico oriundo da “Terra do Sol Nascente” servido frio.
No alinhamento da carta há sushi. Aqui, Pedro Almeida mostra, uma vez mais, a simplicidade da cozinha japonesa num desfile de nigiris a escolher entre o delicioso nigiri de cogumelo enoki dourado com manteiga de citrinos e escabeche, o mui apreciado nigiri de carapau braseado com azeite de alho, alho negro fermentado e flor de sal, e o generoso nigiri de gamba riscada do Algarve coberta com molho da cabeça do crustáceo e lima. Na lista estão ainda o nigiri de barriga de atum braseado na mesa, “para lembrar os Santos Populares”, o nigiri de lula com limão e coentros, e o maravilhoso nigiri de lírio fumado com louro e muxama (lombo de atum salgado e seco), sobre a qual o chef afirma: “Um dos papéis dos chefs é mostrar estes produtos que estão esquecidos.”
Takomeshi com nato e crocante de salsifi, o arroz de polvo nipónico
Para terminar, há a escolha de um de dois pratos – ou os dois, porque não? Falamos do takomeshi com nato e crocante de salsifi, o arroz de polvo japonês feito com caldo dashi, feijão de soja fermentado, gengibre e sasifi crocante. É mais seco do que o nosso caldoso arroz carolino, mas muito saboroso e interessante graças ao salsifi crocante. Aos apreciadores de carne, a carta do Midori sugere o yakiniku de wagyu, raça bovina japonesa com uma carne bastante macia.
À sobremesa há duas opções, as quais são a musse de chocolate e gel de lima num cubo com a logótipo do Midori acompanho por gelado de wasabi, e o zen garden composto por chocolate branco caramelizado com cassis, bergamota, maçã e gelado de gengibre.
O desfile de Baco escolhido pela escanção Andrea Smith, desde o saké aos vinhos portugueses
Ainda antes de terminar, aos aventureiros deixamos uma palavra de ordem: “Ficar nas mãos” da escanção norte-americana Andrea Smith. Da carta de vinhos e sakés há uma viagem a Oriente, com sakés hana-awaka (espumante) e outros mais tradicionais, ora leves, ora com um grau elevado de álcool, que vale uma degustação, assim como um itinerário vínico feito em Portugal a valer para os enófilos.
Sobre o percurso de Pedro Almeida que, há quatro anos, esteve em Tokyo e Ozaka durante vários meses, é de salientar a importância que remete para o task force “que é super enriquecedor” e contribui para reforçar “o prazer que é fazer as pessoas felizes” à mesa, um saber-fazer que o chef apreendeu da herança do sushiman português Paulo Morais, no Midori. Por isso, “quero que o Paulo se orgulhe do Midori e do discípulo dele”.
Agora é ir, desfrutar da bela paisagem do Penha Longa Resort, e saborear cada momento de um dos kaisekis do Midori ou à la carte, de Terça a Sábado, das 19.30 às 23 horas com reserva feita através do 219 249 011. Bom apetite! •