Vêm aí três noites mágicas para descobrir o trabalho único de alguns dos melhores músicos de guitarra portugueses, em concertos, em Coimbra.
Nos primeiros dias de novembro (mês que começa já amanhã com um feriado), o portão da Casa Museu Bissaya Barreto, em Coimbra, vai abrir-se ao ínício da noite e convidar todos a entrar. A proposta é simples, mas especial: três noites, seis concertos, uma única oportunidade de partilhar a sala de estar com a paixão, mestria e o engenho de alguns dos melhores compositores e virtuosos portugueses que têm na guitarra o seu instrumento de eleição. Com o nome “As Guitarras Não têm Saudades”, este ciclo leva à cidade do Mondego os músicos Ricardo Rocha, Marcelo dos Reis, Filho da Mãe, José Valente, Tó Trips e João Doce e Jorge Coelho; todos os concertos têm início marcado para as 21h00.
O primeiro concerto acontece já no dia 04 de novembro e apresenta Ricardo Rocha e o seu universo singular e exploratório. Depois de “Voluptuária” (2003) e “Luminismo” (2009), o seu último trabalho “Resplandecente – Quartetos e solos para Guitarra Portuguesa” (2014) desliga-se do cânone da guitarra portuguesa socorrendo-se de outro, o quarteto. Partindo da escrita de duas peças solistas, “La Rêverie et les Couleurs” e “Fim da Eternidade”, e em comunhão com Skrjabin em dois prelúdios, Resplandecente, define-se como um marco épico e irresistível, onde o instrumento entra em fuga para um espaço aberto exposto às forças contemporâneas da experimentação, aquela que vai ressoar na abertura deste ciclo.
Depois, Marcelo dos Reis e o jogo continuamente corajoso e expansivo da sua guitarra clássica serão o mote para o concerto onde irá apresentar o seu primeiro disco a solo, “Cascas” (2017). As suas cordas encontram desvios aos acordes, rompem-se em improvisações melódicas e tornam-se em massas de som carregadas de uma leveza atonal muito particular. Um concerto pleno de relaxamento e intimismo.
A programação terá seguimento dia 11 de novembro é tempo para Filho da Mãe. Os seus primeiros discos de guitarra a solo, “Palácio” (2011) e “Cabeça” (2013), são o “primeiro embate com a sinceridade e a crueza da sua figura“. Ainda se lembra quando trocámos umas breves palavras com o músico, aqui? “Mergulho” (2016) é o seu mais recente trabalho e foi gravado no Mosteiro de Rendufe, em Amares. “O disco parece o registo da solidão do guitarrista entre as pedras frias do Mosteiro. Ao ouvi-lo somos nós que ficamos em risco, desabituados da solidão dos eremitas precisamos dele para encontrar o caminho no labirinto escuro que não sabemos se é o mosteiro, ou nós próprios, ou a evidência de que Filho da Mãe é o nome de um guitarrista incrível“.
Na mesma noite segue-se José Valente. “A dessacralização da arte é provavelmente o melhor lugar para encontrar a obra deste músico“. Reconhecido músico, formado em instituições como o Kaertner Landes Konservatorium na Áustria e a The School of at the New School em Nova Iorque – onde estudou viola d’arco clássica e Jazz, respetivamente – José Valente encontrou na viola d’arco um meio de ação para crescer, evoluir na experimentação do seu pensamento. “No virtuosismo e peculiaridade da sua música marcada pela improvisação e influenciada pelo jazz, o percurso deste músico consegue uma difícil coesão no vasto cruzamento de múltiplas formas de expressão artística“. Veja-se por exemplo os trabalhos com os artistas visuais e performativos, incluindo Marta Bernardes, Paulo Mendes, António Olaio, Chico Santos ou Mafalda Deville. Além de Amarelo Schwartz (2010) peça composta para a exposição MONO no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra; Sagrado (2014), a banda-sonora para o documentário de Nuno Grande; “Coimbra Reinventada” encomenda da Orquestra da Tuna Académica da Universidade de Coimbra Ninguém é Original (2014) para a exposição Escola do Porto: Lado B (1968-78), no Centro Internacional José de Guimarães e a peça de teatro Cálculo com a companhia Marionet.
Natural de Coimbra editou em 2015 o seu primeiro trabalho a solo, “Os Pássaros estão Estragados”, que conta com a participação dos artistas portugueses Afonso Cruz, Pedro Bandeira, Pedro Adamastor, Israel Pimenta e Ricardo Seiça. Partindo do romance de Afonso Cruz “A Boneca de Kokoschka” (2010), Valente constrói “uma poderosa narrativa autónoma do texto original“.
No dia 18 de novembro há encontro marcado com Tó Trips & João Doce. O percurso longo de Tó Trips torna-se mais conhecido no ouvido de todos com Dead Combo, desenvolvido com Pedro Gonçalves (que deu o mote para esta entrevista, num ido festival). O seu primeiro álbum a solo surge em 2009 sob o título de “Guitarra 66” – álbum aplaudido pela crítica que marca o “reencontro com o espírito nómada e a generosidade das linhas de guitarra talhadas em Dead Combo“. Da boémia Lisboeta, à tradição cubana, a lembrar Marc Ribot, incluindo o que há de mais lírico na sonoridade do imaginário do velho oeste. Em 2015, ouvimos “Guitarra Makaka – Danças a um Deus Desconhecido” – agora “com a cumplicidade da guitarra Resonator e com ela necessidade de documentar o desenvolvimento de uma nova linguagem“, sem nunca perder a identidade única do interprete. Para a apresentação ao vivo de “Guitarra Makaka”, Tó Trips faz-se acompanhar do percussionista João Doce – o mesmo que conhece dos Wraygunn – a talhar o som da banda a machado sobre rolos de madeira. A guitarra, em Trips, não é um meio de expressão, mas sim a única forma de o fazer.
A noite de dia 18 termina com Jorge Coelho. Músico de aventuras várias já o ouviu dos “Cosmic City Blues aos Zen, da composição de bandas sonoras às parcerias com Alexandre Soares ou Adolfo Luxúria Canibal e em Torto ao lado de Jorge Queijo e Miguel Ramos“. A solo Jorge Coelho pousa a guitarra no regaço para viajar por “entre o seu universo onde não cabe o entretenimento persuasivo“. Depois de “Olho Torto”(2009), “Um Dia no Porto” (2010) e “Arca d’Agua” (2012), o músico portuense anda na bagagem com “3 coisas de um poema sobre a vontade” (2015). Um disco sem canções “onde se ouve de forma evidente a vontade de Coelho de procurar meticulosamente as características do som“.
Na Casa Museu, no ciclo “As Guitarras Não Têm Saudades” esperam-se concertos de ímpares, irrepetíveis, inspirados pela excelência dos instrumentos de cordas. “O que falta aos cordofones de amor ao passado e ao desejo do futuro sobra nesta proposta da Fundação Bissaya Barreto“. Noites absolutamente a não perder, em Coimbra. •