A valorização do passado com olhos no futuro / Douro Superior

A sétima edição do Festival do Vinho do Douro Superior decorreu em Vila Nova de Foz Côa. Além da feira de vinhos e de outros produtos da região, bem como das provas de vinhos e azeites comentadas por especialistas, integrou o colóquio “O Douro e a História: Vale com passado, Vinha com futuro” conduzido pelo jornalista Fernando Melo.

Luciano Madureira, director de produção da Rozès, Bernardo Arrouchella Alegria, administrador da Casa de Arrochella, Carlos Magalhães, enólogo e sócio da 5 Bagos (Palato do Côa), Fernando Melo, jornalista de gastronomia e de vinhos, João Nicolau de Almeida, enólogo e mentor do projeto JNA & Filhos (Quinta do Monte Xisto), e Mateus Nicolau de Almeida, enólogo

O Douro é região de gente que trabalha a terra e de conhecimento, que passa de geração em geração. “Família” foi, por essa razão, o tema de abertura, mais precisamente “Família Nicolau de Almeida, nome de marca, nome de mito, nome de nomes. Tudo converge na Quinta do Monte Xisto”, apresentado por João Nicolau de Almeida, filho de Fernando Nicolau de Almeida, o criador do Barca Velha, pai de Mateus Cabral Nicolau de Almeida, João Cabral Nicolau de Almeida e Mafalda Cabral Nicolau de Almeida. Os filhos são a sexta geração deste clã ligado ao mundo vitivinícola. Uma viagem iniciada por António Nicolau de Almeida, quando criou uma empresa de comércio de vinho do Porto, no século XIX, além de que foi a primeira a habitar no Douro. Actualmente, em família, têm em mãos a gestão da Quinta do Monte Xisto.

A infância e a juventude de João Nicolau de Almeida foram passadas no Porto. As idas ao Douro aconteciam apenas na época das vindimas. “Em relação ao Douro, apenas sabia que era um sítio muito longínquo e muito quente. Diziam-me que o vinho nascia da pedra e isso fascinava-me”, conta no texto “Vinha, Vinho e Vida” incluído no volume II da obra Francisco Girão, intitulada “1904-1973 – Um inovador da vitivinicultura do Norte de Portugal”. Quando chegou à mais antiga região demarcada, em 1976, vindo da Universidade de Bordéus – onde estudou enologia e onde a ciência da vitivinicultura estava já no patamar da era moderna” –, encontrou um panorama semi-medieval”.

Começou a trabalhar com o tio José Rosas, na época administrador da Casa Ramos Pinto, que tinha adquirido recentemente a Quinta de Ervamoira, em Vila Nova de Foz Côa, no Douro Superior. A propriedade foi, na altura, a sua base de experimentação juntamente com a Quinta do Bom Retiro, na sub-região do Cima Corgo, e a Quinta dos Murças, em Covelinhas, no Cima Corgo, entre a Régua e o Pinhão. Começaram por estudar as castas, algo que poucos faziam na época, com o objetivo de selecionar as melhores.

Essa seleção foi apresentada em 1981, no Simpósio de Vitivinicultura, que decorreu Instituto Politécnico de Vila Real. Na comunicação, João Nicolau de Almeida e José Rosas aconselharam a plantação de cinco variedade de uvas, para Vinho do Porto e para vinho de mesa : Touriga Nacional, Touriga Franca (Touriga Francesa), Tinto Cão, Tinta Roriz (Aragonês) e Tinta Barroca. Para o vinho branco selecionaram as castas Viosinho, Rabigato e Arinto. Passados dois anos foram plantados, no Douro, 2.500 hectares de vinha com estas castas, financiados pelo Banco Mundial.

Depois da seleção de castas, da mecanização da vinha e da renovação das técnicas enológicas, João Nicolau de Almeida aponta para a mudança de paradigma, com a permissão da utilização da rega gota a gota no Alto Douro, em 1999.

João Nicolau de Almeida assume-se como um “ativista que gosta de transformar coisas que são uma chatice numa coisa agradável”. Será esse o ADN da família?

Entre muitas outras histórias que vai contando sobre a vinha e o vinho, chama à mesa o filho Mateus Nicolau de Almeida que, tal como o pai, também estudou enologia em França. Mas os tempos mudaram e, atualmente, é de agricultura biológica e biodinâmica que se fala.

O Douro Superior continua a ser bom para testar novas tendências, porque “é mais aberto à inovação talvez por não estar tão agarrado à tradição do Douro Vinhateiro”, começa por dizer Mateus Nicolau de Almeida. É o modo de trabalhar a terra enquadrado no movimento naturalista que, atualmente, é transversal a várias áreas e o motiva a testar e estudar nas quintas onde produz uvas para a Muxagat, empresa de vinhos que tem com o sócio Eduardo Lopes. Procura adicionar o mínimo de elementos exteriores ao vinho: “o vinho é uma forma de provar o que a terra nos dá naturalmente”. Este ideal já o levou à Borgonha, para tentar falar com os monges eremitas. “Foram os romanos e os Monges de Císter que fizeram as duas grandes revoluções do vinho na Europa”, prossegue.

Experiência do Douro Superior, alavanca de futuro?

Com presença do Douro há mais de 20 anos e propriedades em Vila Flor, Foz Côa e Torre de Moncorvo, onde produz vinho e azeite sob a chancela da Casa de Arrochella, Bernardo Arrouchella Alegria trouxe para o debate um tema bastante interessante e pertinente: “Na região com mais história do Velho Mundo é preciso reabilitar as aldeias dando-lhes condições dignas de habitabilidade.” E vai mais longe “as barragens podiam e deviam também elas ser pólos de atração para as pessoas”. Ou seja, já que as barragens existem, é preciso ter a capacidade de negociar contrapartidas com quem as explora e, com isso, recuperar os lugares desta região demarcada, mantendo a sua identidade social. Terminou com um recado para as entidades políticas presentes “a valorização dos espaços urbanos é o desafio para os próximos anos”.

Por falar em desafios, Mateus Nicolau de Almeida falou ainda da viragem que está a acontecer no Douro, dado que se está a produzir cada vez mais vinho de mesa em detrimento de vinho do Porto. “Para os jovens agricultores não há grande motivação para produzir Vinho do Porto. Deveria haver maior liberalização, como a revisão dos limites das quantidades de açúcar e de álcool, por exemplo. Os novos consumidores têm novas exigências.”

Carlos Magalhães, enólogo e um dos 5 Bagos da Palato do Côa, falou sobre castas e terroirs afirmando que “atualmente, o Douro Superior é a melhor região de Portugal para se fazer vinhos”. Sobre o futuro, “com as alterações climáticas logo se verá”. No entanto, “daqui a dez anos gostava de fazer um vinho que agradasse a jornalistas, a consumidores e que ganhasse concursos”. Veremos se consegue.

Por seu turno, Luciano Madureira, diretor de produção da Rozès, afirma que brancos estão a sobressair cada vez mais no Douro, região tradicionalmente de cor tinta. Como objetivo tem a criação de vinhos com zero por cento de sulforosos enquanto as preocupações se centram nas alterações climáticas e na falta de mão de obra para as vindimas.

No terreno com os produtores 5 Bagos / Palato do Côa, Barão de Vilar e Gerações de Xisto

Quinta da Saudade, em Muxagata, com o produtor 5 Bagos / Palato do Côa

A passagem pelo Douro Superior serviu ainda para conhecer mais de perto três dos produtores da região.

A 5 vagos nasceu em 2008, quando o enólogo Carlos Magalhães desafiou os seus amigos João Nuno Magalhães, Manuel Castro e Lemos, Albano Magalhães e Bernardo Lobo Xavier a adquirirem a Quinta da Saudade. Deve o seu nome ao facto de terem sido cinco os “vagos” que deram início ao projeto, apesar de hoje serem seis, uma vez João Anacoreta Correia juntou-se ao grupo a posteriori.

A Quinta da Saudade, localizada em Muxagata, freguesia do concelho de Vila Nova de Foz Côa, possui 7,5 hectares de vinhas velhas e 8,5, plantados em 2010, com as castas tintas Touriga Franca, Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alicante Bouschet; e as brancas Rabigato, Viosinho e Códega do Larinho. Do seu portfólio fazem parte vinhos como: o Palato do Côa Rosé, o Palato do Côa Colheita Branco, o Palato do Côa Colheita Tinto, o Palato do Côa Códega do Larinho, o Palato do Côa Reserva Branco e o Palato do Côa Reserva Tinto.

Jantar de apresentação do vinho Kaputt do produtor Barão de Vilar, na Taberna da Julinha, no Pocinho. Na fotografia: Álvaro van Zeller, sócio fundador e diretor de enologia, Mafalda Machado, enóloga, Manuel Vieira, enólogo e Isabel Maia, diretora financeira

Apesar da longínqua ligação ao negócio dos vinhos da família van Zeller remontar ao século XVII, a Barão de Vilar – Vinhos, S.A. é uma das mais jovens empresas de Vinho do Porto constituída, em janeiro de 1996, a partir de um stock de vinhos adquirido por Fernando Luiz van Zeller, cedido aos seus dois filhos, Fernando e Álvaro. Em 2007, investem na edificação e no equipamento de uma moderna adega de vinificação na Quinta do Saião, localizada em Santa Comba da Vilariça, no concelho de Vila Nova de Foz Côa. A propriedade tem 80 hectares e apenas nove com vinha, dos quais cinco foram plantados recentemente e possuem sistema de rega.

No catálogo deste produtor estão integradas as referências de Vinho do Porto Barão de Vilar, Maynard’s e Feuerheerd’s. No que aos vinhos DOC Douro diz respeito, fazem parte as marcas Proeza, Barão de Vilar, Zom e a novidade Kaputt. Este consiste em um vinho branco que, a partir da base da colheita de 2008, junta pequenas percentagens de vinhos de 2009, 2010, 2013 e 2015, engarrafadas em 2016, seguido de um estágio de 19 meses antes de entrar no mercado. Os vários lotes foram feitos com uvas de uma vinha velha predominada pela casta Dona Branca, mas também Gouveio e Donzelinho, entre outras.

Visita ao território, prova de vinhos e azeites e almoço piquenique com o produtor Gerações de Xisto

Para fechar um fim de semana em grande, subimos a um dos pontos mais altos do Douro Superior para apreciar a paisagem envolvente e conhecer a Gerações de Xisto. O conceito nasce da fusão de dois projetos: Chousas Nostras e Vales Dona Amélia. Ambos foram criados a partir da forte vontade de jovens descendentes das famílias transmontanas Sousa Grandão e Lobão: o Chousas Nostras para o azeite e o Vales Dona Amélia para o vinho. São duas marcas com as quais este produtor ambiciona preservar o património rural familiar, bem como as tradições herdadas dos seus antepassados, conjugando-as com outras, como a música, que nos brindou durante um piquenique no meio de um olival centenário com vista para o rio Douro. •

II edição do Douro TGV em Vila Real. (leia aqui)

© Fotografia: João Pedro Rato

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