Para aquecer bem este tímido Verão, há novo álbum dos The Twist Connection no ar e o volume vai estar no máximo, inevitavelmente. De Coimbra para o mundo, o segundo álbum de originais de quem tem música no sangue.
Coimbra – cidade berço de tantos e ilustres músicos e bandas – volta a brindar-nos, este ano, com um novo álbum de música nacional (ainda deve ter a rodar o último dos The Parkinsons ou dos Birds are Indie, entre outros, é hora de ir alternando com este). Depois de “Stranded Downtown”, editado em 2016, The Twist Connection (TTC) lançam álbum homónimo num alinhamento, no tempo mais que certo, de dez músicas para serem ouvidas de fio a pavio, sem pausas e com volume a tocar no máximo. Novamente, voltamos a avisar que é música que pode viciar o mais cauto dos ouvintes com Samuel Silva (The Jack Shits, Los Saguaros, Sonic Reverends) na guitarra, Sérgio Cardoso (Tédio Boys, É Mas Foice, WrayGunn) no baixo e Carlos Mendes – “Kaló” para os mais atentos – (Tédio Boys, WrayGunn, Bunnyranch, The Parkinsons) na bateria. É música que não deixa o corpo quieto, feita por quem tão bem sabe e tão veterano é, na cena musical. Em boa verdade, gente deste gabarito, escusaria extensas ou resumidas apresentações.
A propósito do concerto de lançamento do novo álbum, na sua cidade de Coimbra, nesta sexta-feira dia 29 de Junho, convocámos ilustre baterista Kaló para dois dedos de conversa. Porém, para como eles, transformar o que fazemos, agarrámos nas suas formações académicas – um psicólogo, um geómetra e um filósofo, respectivamente – e perguntámos o vulgar de Lineu para um novo álbum – que neste caso nos faz sentir a música de dentro para fora – agora com roupagem filosófico-geométrica. Sem mais demoras, o resultado do rápido esmiuçar deste viciante novo trabalho de originais com Kaló, numa manhã de Junho.

© Vera Marmelo
Primeiro, e tudo culpa da formatura base dos TTC, uma dúvida constante, que não me larga. August Schopennhauer diz “A música é um exercício de metafísica inconsciente, no qual o espírito não sabe que está a fazer filosofia.”
Afinal estão a fazer música ou filosofia?
Kaló (K): Fazemos música, sem dúvida que é música e sempre música. Fazer filosofia é algo, diria não completamente diferente, mas que tem um método, um rigor e uma forma de como dever ser exercitada que nada tem a ver com a forma como fazemos música.
Além disso, é uma área que exige quase uma reverência, pelo menos na minha perspectiva. É quase sagrada na medida em que não é para quem quer, é para quem pode; de maneira que fazer música é muito mais fácil, sentimos uma sensação de maior liberdade, onde não temos de estar sujeitos a um método e a um rigor ou, por assim dizer, a uma disposição filosófica.
Provocação. Então o Schopennhauer não percebia de música?
K: (Risos). Percebia, pois. Ele até põe a música no topo da pirâmide, mas o Schopennhauer pode dizer aquilo, eu é que não posso.
Continuando nas citações, a Euclides é atribuída a afirmação “Não existe uma estrada real para a geometria”. Para construírem este novo trabalho seguiram uma estrada concreta, ou tal como na geometria, isso não existe e o abstracto faz parte do caminho?
K: Creio que não houve uma estrada real. Isto é, sentimos a necessidade, de forma natural, de trabalhar as músicas sem ser algo como se pensarmos na essência da geometria, como algo absolutamente exacto, não foi por aí que os The Twist Connection foram. Fomos à procura de tentar formalizar por linhas tortas, tentar juntar ideias, para então chegarmos a algum lado em que houvesse um consenso, onde encontrássemos uma coesão. Absolutamente exacto nos TTC é mera aparência.
Não vossa música dois pontos não definem exactamente uma recta…
K: Penso que sim, que poderíamos dizer isso. Muito bem.
Para conduzir uma tal estrada, há partilha de volante? Conduzem todos no trilho sonoro, da nota à letra, ou há um que é o condutor eleito?
K: Há quem faça mais força, mas isso suponho que se passa com todas as bandas, de forma nata. Todavia, isso nunca quer dizer que seja esse o líder ou que tenha o papel de ser o líder. Há quem faça mais força porque, enfim, tem mais…
Lhe esteja mais no sangue?
K: Provavelmente. E depois é impossível fazeres sem as outras pessoas. Não é liderar, é fazer mais força para que as coisas sejam feitas. Numa banda de três pessoas existem sempre ideias que se têm de conjugar, mas e/ou pelo menos não se tenta impor alguém. Há ideias que podem ser mais discutidas, de uma forma mais intensa, é quase inevitável. Creio que as pessoas também percebem que só pode ser assim e não de outra maneira. Assim, todos estamos ao volante.
Cada novo álbum é comprovar que Piaget tinha razão e “Pensar é agir sobre o objecto e transformá-lo”? I.e, agarrar nas notas base e trabalha-las de novo e de novo… Criar novos mundos, novas viagens sonoras.
K: Acho que sim, até porque é extremamente difícil ter um acto de criação absolutamente original. A essência da banda está ali, sentes a ouvir. Nós transformamos a nossa música a cada novo álbum e não é fazer reciclagem, mas sim transformar, reforço. Não temos esse método de ter de criar algo absolutamente original. Depois há uma série de caminhos que podem surgir, é como a estrada que falavas há pouco, não tem de ser sempre exacta. É pegar nas notas e, por exemplo neste álbum, pegámos em coisas que já tinham sido feitas no passado, por nós, e demos-lhe uma nova roupagem. Queremos é que as coisas sejam sempre novas. Transformar. Novas sem ser propriamente originais, novas aos nossos ouvidos.

© DR
No trabalho anterior encontrávamos a trupe Birds are Indie a fazer parte do vosso álbum. Aqui, convocam a Hipátia (não pela antiguidade, mas pelo curriculum) da música conimbricense Raquel Ralha (Raquel Ralha & Pedro Renato, Belle Chase Hotel, Mancines e Wraygunn). Porquê a Raquel? Porquê precisamente numa música em reprise?
K: Porque a versão que aparece primeiro no alinhamento do álbum, não era bem o ambiente sonoro que tinha em mente, para esta música, e não fazia, pelo menos na minha cabeça, sentido eu cantar a música daquela forma, com aquele tempo, com aquele BPM. Pensámos que podíamos dar uma outra roupagem ao tema, já que queríamos ficar com as duas versões e a Raquel Ralha foi escolha natural. Já tinha trabalhado com o Sérgio por mais de 10 anos e comigo também, e a música ficava com uma cor diferente. Além disso, somos todos fãs da Raquel Ralha, enquanto música e enquanto pessoa. Como tal, foi escolha indiscutível.
Agora vamos ao João Rui (a Jigsaw) com o seu dedilhar e, claro, a parte de gravação e demais tarefas inerentes à produção e execução de um álbum. Como passa do gravar a ser convidado do álbum?
K: Nem precisa ser convidado. Ele vai fazendo, é como se fizesse parte da banda. Neste álbum tocou vários instrumentos em todas as músicas e fez de tudo. É uma ajuda preciosa. Além de termos uma proximidade geográfica, somos praticamente vizinhos, eu e ele.
Deixando para trás os “intrusos” convidados, num ponto atrás, regressemos ao primeiro álbum. Diziam vós que o “encalhados na Baixa” era uma metáfora. Um sentido metafórico de referência à cidade que é tão boa de se viver e tão difícil de sobreviver. Reclamavam mais e maior diversidade, mais dinamismo.
Há dias, comparsas vossos, aqui lhe chamaram cidade marasmo. No sentido em que ou fazes por ti ou ninguém faz. Isto continua um “Blind Spot” da zona centro?
K: Muito sinceramente acho que não. Há “Blind Spots” bem menos agradáveis que Coimbra. No entanto, há situações recorrentes que fazem com que a coisa se possa tornar um bocado mais retrógrada.
Por exemplo, o caso dos The Parkinsons que não podem tocar no Convento São Francisco. É complicado sobreviver numa cidade em que, enquanto músico, não podes tocar numa determinada sala e é provavelmente a banda que mais visibilidade teve e tem a nível nacional e internacional, e quem está na frente do Convento diz que não são bandas para o Convento São Francisco. Compreendo que possam dizer isto, mas considero chocante a todos os níveis.
Agora, o que podemos fazer é agarrar naquilo que nós fazemos e fazermos aquilo que quisermos, sem vivermos nesta fatalidade de estarmos presos a uma cidade em que é difícil haver o reconhecimento por parte das pessoas e identidades, em relação aquilo que nós fazemos.
Acho que se pode fazer tudo a partir daqui, de Coimbra, e também geograficamente não estamos num país assim tão grande, chegamos rápido a todo o lado.
Em Coimbra, quem não conhece não arrisca?
K: É uma cidade com pessoas tramadas. É lamentável e não sei se algum dia as pessoas vão perceber isso. Ou, se calhar, estão fartos de sermos sempre os mesmos, não sei. Custa bastante quando vês alguém que vem de fora sempre cheio, e a nós, quando tocamos na nossa cidade…
O título do álbum ser homónimo da banda é uma afirmação da geometria platónica que traçam juntos ou há outra razão?
K: É homónimo porque é o ground zero. Porque fazia sentido. Porque começou a existir um maior entrosamento entre a banda e sentimos que era altura de começarmos a aparecer como “estes são os The Twist Connection” ou se calhar já deveriam ter sido.
Desencalharam da baixa?
Provavelmente houve um desencalhamento.

© Bruno Pires
Com este segundo álbum posso dizer que os TTC são um Teorema consumado, nascido do axioma – trio de músicos de mão cheia dão música cheia – que cresceu para o Postulado – música cheia vive de álbuns e concertos?
K: Eh pá!… Isso é uma questão normativa. Agora vais para a cadeira de terceiro ano de filosofia que é “Axiologia e Estética”. Creio que ainda estamos à procura do sermos livres, livres de estarmos presos a axiomas e postulados, mas estamos à procura. É isto. (Risos). Ficamos por aqui.
Witch. Scum. Shame. Evil. Dark. Entre outras tantas que povoam a vossa lírica. Porquê uma carga tão pesada ou negra?
K: Porque se calhar passam-se fases mais escuras, no período de dois anos em que se começam a escrever coisas novas e, bom, isso pode ser uma questão polissémica (risos). Podemos passar por períodos mais complicados e/ ou menos coloridos e não consigo cantar as coisas se não estiver realmente a sentir cada palavra ou cada frase, cada caminho que pode estar a dar-se na linguagem. É uma fase. Se calhar no próximo disco falo de girassóis e de nascer-do-sol.
Apanhando o Sr. O. Wilde ali da estante, o mesmo diz “Quando se ouve música má, tem-se o direito de afogá-la com conversa.” Sem lhe pedir permissão, troco-lhe a frase perguntando se, para vós, poderia dizer que “Quando se ouve uma realidade má, tem-se o direito de afogá-la com música”?
K: Concordo contigo. Já experimentei a primeira parte do Wilde, mas nunca tinha sido tão claro como ele diz. Já me aconteceu, não digo que aquando de concertos propriamente maus, mas uma pessoa distrai-se por algum motivo. Não sei se seremos banda de afogar más conversas com boa música, mas são dois lados da moeda que têm muito validade. Creio que temos que fazer a coisa ainda mais alta, com música mais ruidosa, no bom sentido.
Por fim, agarrando em Arquimedes, pode a música ser a alavanca e ponto de apoio para levantarem o mundo e a vocês mesmo?
K: Só respondo por mim. Por acaso do Samuel até sei a resposta, pois ele tem outra coisa na vida que é a alavanca dele: foi pai, está dito. Para mim é, além de outras coisas, poucas mais, a coisa pela qual faz sentido estar aqui, estar vivo, agarrado. É imprescindível para mim.
Gravado na Blue House e com o selo da Lux Records, “The Twist Connection” pelos TTC é álbum a ter de ouvir se quer ouvir bom Rock’n’Roll. Quanto aos concertos… Esses são mais que obrigatórios pela música e simpatia dos músicos. Para colocar na sua agenda, as próximas datas já confirmadas dos TTC:
29/06 – CAV, Coimbra.
30/06 – Proença a Nova
05/07 – Teatro Aveirense, Aveiro.
07/07 – Suberock Fest, Espanha.
13/07 – Stereo Gun, Leiria.
11/08 – Douro Rock Fest, Peso da Régua.
18/08 – Peppers Bar, Lagos.
24/08 – Rock´in´Rua.
14/09 – Lux Interior Festival, Coimbra.
Ouvir e ir ouvir, é o mote. •