Marraquexe: A cidade, as cores, as especiarias e o chef português

Cruzar o nosso receituário com produtos marroquinos foi o mote que levou Henrique Sá Pessoa a viajar para a cidade das mil e uma noites e mostrar quão inspiradora é a cozinha daquele país.

Henrique Sá Pessoa, no souk da medina de Marraquexe

O desafio terá começado há cerca de quatro meses, quando o grupo Be Live Hotels, a TAP e o Turismo de Marrocos convidaram, nos dias 11 e 12 de Maio, o chef português a celebrar esta tríade de conjugações com dois jantares, no âmbito do “TAP Taste the Stars”, projecto centrado na criação de refeições de bordo para a companhia aérea portuguesa, e da recente inauguração do Be Live Hotel Adults Only, na zona da Palmeraie, em Marraquexe.

“Trazer o Alma para aqui não faria sentido”, afirma Henrique Sá Pessoa. Por isso resolveu, numa primeira fase, confeccionar pratos portugueses em terras marroquinas, mas “se ia cozinhar para a imprensa portuguesa” decidiu optar por “uma mescla de cozinha portuguesa e marroquina”, acrescentou.

A palavra “preservados” é utilizada sempre que os marroquinos querem conservar ingredientes ou deles fazer pickles

Para o efeito, não se absteve de esmiuçar o souk de Marraquexe, o mercado árabe localizado no interior da medina. Entre cores, cheiros e gentes de olhar sempre atento, o chef Henrique Sá Pessoa foi levado a conhecer os produtos e a conhecer alguns restaurantes. “Já tinha noção de algumas bases da cozinha marroquina”, afirma, daí a facilidade em preparar o desfile de pratos para as duas noites nos jardins do Be Live Hotel. Desde a vichyssoise de abóbora, ras-el-hanout (mistura de especiarias muito comum na cozinha magrebina), gengibre, laranja, mel e pistácio à ganache de chocolate com canela e laranja acompanhada de gelado de amêndoas.

A entrada de cavala do chef português no jantar (© cortesia do Be Live Hotels)

Para entrada, o chef português escolheu a cavala, a beringela, os pimentos e a maionese “à la Harissa” (molho da cozinha do Norte de África e no Médio Oriente e a sua composição pode ir além das quatro dezenas de especiarias a somar à base constituída por alho, azeite e sal, por exemplo), “o prato mais parecido com um prato do Alma”, diz-nos.

O polvo foi o protagonista que se seguiu neste jantar. “Foi um dos ingredientes de caras”, argumenta Henrique Sá Pessoa. Empratado em pequenas pagines, o molusco foi servido com batata doce e sementes de coentros, as quais conferiram um ligeiro sabor picante ao prato.

A bochecha de vitela estufada com grão-de-bico e puré feito a partir desta leguminosa, acompanhados de legumes baby (© cortesia do Be Live Hotels)

Para a carne, o chef poderia ter escolhido borrego. “A tajine de borrego seria demasiado óbvio, mas não é uma carne consensual”, explicou, daí a escolha ter recaído na bochecha não de porco por um questão de cultura, mas de vitela estufada com puré de grão-de-bico, em analogia ao hummus, cenoura e ras-el-hanout.

Os vinhos foram, inevitavelmente, outra das prioridades a registar, com ênfase nos néctares portugueses, do espumante ao Vinho do Porto, com passagem por um vinho da região vitivinícola do Dão, além de um branco marroquino feito a partir da casta Sauvignon Blanc, que imperou durante o jantar. A harmonização ficou nas mãos do escanção do restaurante Alma (1 estrela Michelin), em Lisboa.

Nas palavras de Henrique Sá Pessoa, o facto de “ter uma estrela Michelin não deve ser impeditivo de ter outras experiências”, pelo contrário é também uma forma de “alargar horizontes”.

O capítulo das cores e dos aromas não fica, porém, por aqui!

O exótico legado de Yves Saint Laurent e Pierre Bergé

O azul da casa que acolhe a exposição museológica da cultura Berbere destaca-se do verde dos cactos do frondoso Jardim Majorelle

“Deitar cedo e cedo erguer” é a parte do ditado popular português que melhor se conjuga com a advertência que se segue: recomenda-se a entrada quase madrugadora no Jardim Majorelle e no vizinho Museu Yves Saint Laurent. Caso contrário, terá de enfrentar as filas intermináveis e submeter-se ao calor matinal.

Se é amante da natureza, o ponto de encontro pode muito bem ser no jardim outrora pertencente a Jacques Majorelle, pintor francês que, em 1923, decidiu trocar Paris por Marraquexe. Volvidos cerca de oito anos, contratou o arquitecto Paul Sinoir, para projectar o seu estúdio ao estilo da Art Decó, o qual mandou pintar de um azul exótico mantido, até hoje, no edifício. O jardim, constituído por centenas de cactos e plantar exóticas, foi crescendo em redor desta casa. Em 1947, o espaço ao ar livre foi aberto ao público.

O nome Jardim Majorelle manteve-se mesmo após a sua aquisição, em 1980, pelo casal francês Pierre Bergé (1930-2017) e o eterno criador de moda Yves Saint Laurent (1936-2008). Ambos dedicaram-se ao restauro do espaço ao ar livre e ao restauro do imóvel que, actualmente, acolhe uma mostra da cultura Berbere. A colecção reúne mais de 600 objectos, entre peças de joalharia e amuletos, trajes, objectos pessoais e do dia-a-dia, instrumentos musicais e armas sob tectos forrados a madeira, em recriação da arquitectura deste povo do Norte de África.

A boutique, a livraria e o café continuam a fazer parte deste universo exótico e, ao mesmo tempo, tranquilo agora pertencente à Fundação Pierre Bergé – Yves Saint Laurent, assim como o memorial erigido em homenagem ao criador francês após a sua morte a 1 de Junho de 2008.

O projecto de arquitectura do Museu Yves Saint Laurent, em Marraquexe, foi assinado por Olivier Marty e Karl Fournier, do atelier francês Studio KO

Por sua vez, o Museu Yves Saint Laurent acolhe um verdadeiro desfile de moda composto por criações datadas de 1962 a 2002. Uma compilação de peças de alta-costura e de joalharia, onde a silhueta feminina e as cores fortes predominam esta compilação da eterna arte de um dos criadores de moda mais inspiradores do mundo.

No final deste desfile, a porta abre-se para corredor de acesso à livraria e loja do museu, onde uma panóplia de livros e peças de Yves Saint Laurent replicadas estão prontas a ser adquiridas pelos seus admiradores.

Por fim, o café Le Studio, luminoso e convidativo para um chá ou uma refeição mais demorada, e uma esplanada onde apetece ficar pela manhã.

O jardim está aberto de todos os dias, das 8 às 18 horas, de 1 de Maio a 30 de Setembro, e fecha às 17.30 horas de 1 de Outubro a 30 de Abril. Durante o mês do Ramadão, o horário é das 9 às 17 horas. Já as portas do Museu Yves Saint Laurent estão abertas de quinta a terça-feira, das 10 às 18 horas, excepto no Ramadão, altura do ano em que fecham às 17 horas.

De regresso ao coração da medina

As vibrantes mil cores predominam, todos os dias, na Praça Jemaa El-Fna

O dia começa cedo e termina noite dentro na Praça Jemaa El-Fna, no coração da medina, com vista para a Koutoubia, o minarete da mesquita local que simboliza o ponto mais alto da cidade. O ponto de encontro de mulheres e homens, e o de partida para uma viagem de cheiros, cores e um mar de gente sem fim à vista.

Os encantadores de serpentes estão diariamente no coração da cidade

Enquanto elas adivinham o futuro através das cartas ou cobrem com henna as mãos de turistas de idades tão díspares quantas as que há no mundo, eles insistem em ser encantadores de serpentes, a mostrar as proezas dos primatas ou a entoar longas músicas que se dissipam no ar à medida que calcorreamos as ruas do souk de Marraquexe.

O mercado árabe é uma verdadeira aventura. Entre espaços dedicados às peças de vestuário, às peças decorativas em ferro forjado para o lar, ao calçado, aos tapetes, aos têxteis, à carne, aos produtos hortícolas, às especiarias, aos artigos de higiene, peças de joalharia, cada rua se assemelha a um grémio. Sem esquecer as tinturarias, com pedaços de lã tingidos de tonalidades várias como se de um catálogo de Pantones se tratasse.

O pão é cozinhado nos fornos comunitários e está sempre presente à mesa dos marroquinos

Há recantos, quase escondidos, onde os homens se dedicam à feitura do pão em fornos comunitários. Por outro lado, as mulheres entregam-se à produção artesanal de óleo de argão, em que para produzir um litro deste líquido cada vez mais em voga na indústria da cosmética são precisas entre duas a três horas. A este são ainda adicionados outros óleos, como o de eucalipto ou o de jasmim, por exemplo, para tratar de mazelas.

Os produtos hortícolas e a carne

A doçaria exalta a riqueza na forma e nas cores, tendo o mel como ingrediente principal

Aos dos ofícios das artes junta-se a gastronomia. Na lista de restaurantes, são muitos os que prima pela cozinha tradicional farta em hortícolas – Marrocos é auto-sustentável no que há produção de fruta e legumes diz respeito –, que protagonizam um repasto colorido à mesa.

Entre os sabores e os aromas exóticos, destaca-se a lista interminável de especiarias – açafrão, pimenta preta, canela, cominhos, sementes de sésamo, gengibre…

Apesar de pouco divulgadas, as sopas marroquinas são muito apetecíveis. A mais comum é a harira cuja composição se assemelha a um prato completo, uma vez que contém cordeiro na sua composição. Quanto à sobremesa, é de salientar a presença constante do mel e dos frutos secos, os quais integram todas as refeições diárias, de manhã à noite, em particular no borrego confeccionado na tajine (recipiente feito em terracota com tampa cónica, onde a carne e/ou os legumes são cozinhados a vapor ou estufados). A tagine também é utilizada para o franco com limão, outra das receitas mais comuns a par do cuscuz cozinhado a vapor e a acompanhar legume.

Ambos os pratos fazem parte da carta do La Salema, restaurante cujo fotogénico terraço, no terceiro piso, tem uma vista privilegiada para o casario da cidade marroquina. Sob este espaço ornamentado com um jardim suspenso, estão duas salas dignas de um filme da década de 1940. A paragem no tempo é agraciada pela decoração dessa época a somar ao misticismo da sétima arte de então.

Entrada exterior do hotel Dar Rhizlane

O desfile de produtos da terra é replicado no restaurante do encantador e intimista jardim do Dar Rhizlane, hotel localizado fora das muralhas da medina, onde as saladas e o “nosso” prato principal constituem um repasto leve e adequado para os dias quentes que se fazem sentir nesta cidade. Para quem tiver curiosidade de saber mais acerca do receituário marroquino, este também é lugar ideal para o efeito, com direito a diploma pós o término do workshop de cozinha, e descobrir que o azeite é um dos principais ingredientes na cozinha.

As saladas fazem parte do glossário da cozinha do país

Em Marrocos, os hábitos à mesa são muito peculiares, já que é muito usual servir, em simultâneo, a salada e o prato principal. Assim, quem está à mesa desfruta de um e de outro, sempre com a ponta dos dedos, à excepção dos restaurantes, onde o talher está disposto na mesa.

Aproveite o fim da tarde para ir às compras. À medida que o sol de põe, regresse à Praça Jemaa El-Fna, o centro nevrálgico da movida marroquina carregado de misticismo, onde dezenas de pequenos restaurantes formam o centro gastronómico de Marraquexe, onde vale a experiência de saborear a comida exótica local.

Os tons de terracota revestem o exterior do exótico e tranquilo Be Live Hotel Adults Only

À noite, o merecido descanso foi reservado ao Be Live Hotel Adults Only – vizinho da unidade hoteleira do mesmo grupo destinada às famílias –, onde o tom de terracota reveste o exterior do edifício. Esta prática é comum a toda a arquitectura da cidade, desta feita demarcada por linhas depuradas em contraste com o estilo marroquino patente, sobretudo, no lobbie do hotel constituído por dois restaurantes: o Buffet, com uma cozinha internacional e local, e o Marroquí, à la carte e reserva imperativa.

O luxuriante tecto da Estação de Comboios de Marraquexe

Afinal, há sempre bons motivos para voltar a Marraquexe, uma experiência eclética à qual se somam as ruas da “nova” cidade extramuros, onde vale a pena desfrutar do Grand Café de La Poste, visitar a estação ferroviária e observar a beleza arquitectónica do Teatro Real. Boa viagem! •

+ Turismo de Marrocos
+ TAP
+ Be Live Hotels

(A Mutante viajou a convite do Turismo de Marrocos, da TAP e do grupo Be Live Hotels)

tap

Fotografia: © Ricardo Junqueira

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