No Círculo de Artes Plásticas de Coimbra – CAPC, concretamente, no Círculo Sereia, e até ao dia 14 de Julho de 2018, pode, e deve, deixar-se enlear pela exposição “Recomeço do Mundo”, de Gonçalo Barreiros.
Efectivamente, inaugurou no dia 2 de Junho e mantém-se até este mês, tendo no dia 14 o seu fim. Todavia, e segundo o repto de Gonçalo Barreiros, tal fim pode muito bem ser um começo. Como o próprio nos explicou, a instalação foi pensada para o espaço específico do Círculo Sereia e ocupa integralmente as três salas. Quando surgiu a possibilidade de encetar uma exposição no CAPC, o artista permanecia “às voltas no atelier a experimentar fazer serpentinas de metal”: daqui até à formulação actual, acrescentou, tudo se foi definindo na sua cabeça. Precise-se, ainda, que a Gonçalo Barreiros interessou “explorar, também, a contradição entre a leveza que a ideia festiva enuncia e o peso que o metal ancora ao chão”, bem como “fixar formas, que parecem tão evanescentes, através da escultura”, construindo então a peça, “lentamente, como um desenho livre no espaço.”
A ideia de festa está no epicentro desta instalação, que alastra irresistível pelo chão do CAPC. De certa forma, e em cada sala transitada, repete-se a mesma alegria: devimos crianças numa loja de brinquedos, ou mesmo elefantes (voadores!) em torno de porcelanas dispostas em múltiplas estantes, e atravessamo-la/s em pontas imaginárias. Durante a visita, o nome de um escultor instalou-se na minha mente: Jorge Vieira. Pese embora a matéria seja diferente, bem como as formas obviamente, há algo de intensamente feliz, ainda que se manifeste em planos diferenciados. Assim, se Jorge Vieira nos surpreende com a sensual premência das mãos que moldam uma presença e uma saudade; já Gonçalo Barreiros nos devolve a opulenta premência do lastro da infância. Então, é como se se desfiassem os dias todos da nossa vida, que restam depositados no chão em forma de aparas de lápis multicores: cada apara serpenteada é uma memória-semente. Pese embora, existe como que uma reversão do princípio escultórico que, em lugar de levantar, faz alastrar, numa espécie de entidade rizomática, predominando o plano da horizontalidade.
A associação passível de se fazer entre as serpentinas e as aparas de lápis, e que para mim se apresenta eloquente, assinala também uma fugacidade e evanescência evidentes, como frisa Gonçalo Barreiros, manifestando, portanto, a circunstância etérea de “Recomeço do Mundo”. Aliás, o desenho é amiúde feito a lápis. Além de tal, e se aqui relembrarmos Walter Benjamin, o desenho remete para a horizontalidade, enquanto a pintura exige a verticalidade: não se “pendura” um “quadro” no chão! Desta feita, atravessamos a instalação, ou somos por ela atravessadas, como quem corta o ar, como quem permanece rodeada por libélulas.
Entretanto, e mais tarde, resolvi rever O Raio sobre o Lápis, de Maria Gabriela Llansol, e aí venho a encontrar uma passagem sintomática e uma asserção reveladora, que logo costurei às pequenas percepções propiciadas por esta instalação. É com elas, passagem e asserção, que vos deixo:
“Cada um destes traços entretece a luz que cai como uma expressão do tempo verdadeiro __________ aquele que confunde o observador que, em vão, quer imprimi-lo nos factos; esta casa é uma zona superficial da luz, um primeiro despojo da semente. Com os olhos, subo as escadas verticalmente porque elas são quase a vertical; reparo em como esta geografia de amigos é uma peça basilar, um poema em que se celebra a suavidade de que foi rodeado alguém.”
“Eu ando a pé: penso com maior velocidade.”
Para ver, e voar atravessando o ar, no CAPC – Círculo Sereia, em Coimbra e na Casa Municipal da Cultura, Piso -1, Parque de Santa Cruz, Jardim da Sereia, de Terça a Sábado, entre as 14h e as 18h.