Super Diva – Ópera para todos / Catarina Molder

Entrevista a Catarina Molder, autora e apresentadora do Super Diva – Ópera para todos, por ocasião do Avant Première 2019, em Berlim. A série de sucesso já conta com três temporadas em português, transmitidas pela RTP2, e agora a soprano Catarina Molder volta a vestir a pele de Super Diva para a primeira temporada em língua inglesa.  


Catarina, o Super Diva – Ópera para todos é uma das séries mais originais atualmente em exibição. Qual é a essência do Super Diva e o que te inspirou a criar este programa?

Catarina Molder (CM): A essência do Super Diva acho que está bem condensada no nome, que é levar a ópera a todos. Desde que eu comecei a vida neste louco mundo da ópera, a ter aulas de canto, sempre achei que era um mundo muito fechado sobre si próprio, com artistas a acharem que toda a gente os conhecia. Mas não é assim. As pessoas que consumem música “pop”, “jazz”, não fazem ideia de quem são esses artistas e até têm uma ideia errada do que é a ópera, de que é algo arrogante, para elites.

É verdade que há um certo tipo de arte que não deixa de ser um bocado para elites mas eu não acho que isso seja pejorativo, pelo contrário, exige que uma pessoa vá entrando mais fundo na viagem. Diz-se que “primeiro estranha-se e depois entranha-se” e o mesmo se passa com a ópera, não é um gosto automático. As pessoas têm que entrar nesse universo que é antigo, é um universo que já vem da tragédia grega. Não é algo que entra automaticamente quando não se tem uma exposição cultural a estas experiências estéticas e artísticas. Por isso, é necessário encontrar pontes de ligação sem fazer as pessoas sentirem-se culpadas ou ignorantes.

Acho que é sempre possível descobrir coisas novas na vida e é essa a grande missão do Super Diva: fazer descobrir a ópera de uma forma dinâmica, com um formato abrangente que pretende agradar a todo o género de públicos de todas as idades.

Esta última terceira série portuguesa e a primeira inglesa, abrange uma franja de público jovem e adulto porque são óperas muito trágicas, todas elas. Esta terceira série, no fundo, poderia ser a única série do Super Diva porque têm treze óperas que são ícones da ópera mundial, desde o nascimento da ópera com a primeira grande obra-prima “A Coroação de Popeia” de Claudio Monteverdi até ao “Tristão e Isolda” de Wagner, que foi uma das óperas que mais revolucionou toda a História da música ocidental. Desde a “Tosca” à “Turandot”, última ópera inacaba de Puccini, passando pela “Flauta Mágica” e pela “Carmen”, a segunda ópera mais vista de sempre, portanto tem um bocadinho de tudo e mostra aqueles grandes títulos impossíveis de resistir.


Cada programa do Super Diva aborda uma super ópera e conta com diversas rubricas, como o Twitter Ópera. Podes-me falar das suas diferenças?

CM: Sem dúvida. Inicialmente pensámos em fazer um talk show, mais convencional, mas acabámos por decidir fazer o programa num outro formato. Criámos rúbricas todas independentes umas das outras, com objectivos diferentes.

O programa começa comigo vestida em ligação com o principal personagem, neste caso feminino, ou até brinco com o personagem masculino da ópera em questão, e geralmente vou buscar décores locais que têm ligação à ópera. Portanto eu brinco com os locais, os personagens, porque a ópera é uma forma de arte total que mexe com todo um lado visual fortíssimo que nós queremos no programa.

Eu começo cada programa por dar umas boas-vidas ao público, logo de seguida conto a história da ópera numa animação com personagens, muitas vezes com as imagens dos excertos que o público vai ver a seguir. Entre cada rúbrica nós damos excertos dos momentos chave da ópera para haver um fio condutor e para as pessoas conheceram como é uma verdadeira produção de ópera. Depois dessa animação, vem o “nosso” cúmplice musicólogo Rui Vieira Nery, fazer uma contextualização rápida dos principais aspectos fundamentais da obra e da vida do compositor. Em seguida, Confissões Operáticas, onde eu fui buscar das maiores estrelas mundiais do mundo da ópera da atualidade, às quais estou eternamente grata por terem dedicado o seu tempo a um programa desconhecido, numa televisão para a qual eles nunca trabalharam e de cuja maioria nunca pisou os palcos portugueses.

Nas Confissões Operáticas também falamos de temas mais desconfortáveis, como o que acham do futuro da ópera, se não julgam que deveriam haver mais óperas contemporâneas, que temas deveria abordar e se não deveriam abordar temas da atualidade. Tem que haver variedade porque a arte é um reflexo da vida humana.

Depois das Confissões vem a Super Ária, que é uma das árias mais emblemáticas, onde normalmente se condensa toda a tragédia, pela mão do realizador de cinema do João Vladimiro. Todas as Super Árias são realizadas por ele, com o meu guião e a minha dramaturgia.

Depois da Super Ária, vem o Consultório Operático, em que as perguntas chegam das maneiras mais inesperadas:  desde uma mensagem que vem numa garrafa na água, através de um polícia e por aí fora. Locais disparatados mas divertidos. Aqui respondo a curiosidades várias, sobre a ópera, sobre a voz, em estreita ligação com o episódio.

Depois vem uma das rubricas que mais sucesso tem no programa que é a Ópera Mix, ou misturas operáticas, em que eu convido músicos de todos os quadrantes para trabalharem um trecho emblemático.


E o Twitter Ópera.

CM: Antes da Ópera Mix vem o Twitter Ópera, que é uma criação absoluta para televisão. Eu encomendei a dois compositores portugueses contemporâneos, Luís Soldado e o Nuno Cortê-Real, treze óperas, mini óperas, com libretos do Rui Zink e meus, sobre histórias da vida de hoje. Tem sido uma das rubricas com mais sucesso, apresentada em formato de curta-metragem. Aliás, até concorremos ao Indie; eu considero a Super Ária e o Twitter Ópera como verdadeiras curtas-metragens. É um formato inovador porque apresenta ópera contemporânea com histórias do mundo de hoje, num formato televisivo.

No Twitter Ópera aproveito para criticar o lobby do conceptualismo fortíssimo das artes performativas e os “egoencenadores” que destroem grandes obras / óperas a seu bel-prazer. “Egoencenadores” e “pseudoartistas” estão por todo o lado.


Tens nomes de renome no programa.

CM: Tenho um dos maiores maestros do mundo, Antonio Pappano, que eu considero como comunicador, o Leonard Bernstein de hoje em dia. Contamos com Sonya Yoncheva, que é a super diva mais requisitada de momento, a maravilhosa Kristine Opolais que é uma mulher com imenso carisma, a meio-soprano Magdalena Kozena, o Luca Pisaroni, um baixo barítono fantástico, o grande René Pape. Temos depois encenadores como o Calixto Bieito, considerado o “enfant Terrible” da ópera. Eles vêm falar da ópera desse episódio e de como chegou à vida deles.  É muito importante as pessoas perceberem o seu percurso – de como a pessoa foi “tocada”, de como aconteceu.


Para além de produtora e apresentadora do Super Diva, tens um extenso repertório performativo enquanto soprano. Como foi fazer a transição para a apresentação e atriz?

CM: Atriz eu já era, porque uma cantora de ópera é atriz. Eu gosto de entrar sempre em personagem, mesmo quando são canções eruditas, eu entro naquele personagem. O que eu adoro é contar histórias a cantar, essa é a minha grande motivação. No Super Diva dei azo ao trabalho de actriz para o pequeno écran; gosto muito da intimidade que se cria com a câmara, até como apresentadora. Eu estou a falar para tantas pessoas mas no fundo é com se estivesse a falar só para uma, porque a câmara é so uma. Essa intimidade é maravilhosa e permite uma maior liberdade do que no palco, que é mais intimidante.

Quando fiz o primeiro Super Diva, o primeiro realizador da primeira série deu-me muita força porque eu estava a tentar imitar o cliché da apresentadora de televisão, as maneiras pré-feitas. E ele deu-me confiança para eu ser eu própria. A espontaneidade é muito mais rica.


O Super Diva conquistou o prémio da Sociedade Portuguesa de Autores para melhor programa em 2013. Pensaste que o programa ia ter o sucesso que está a ter? Existe alguma fórmula para o teu sucesso?

CM: Eu acho que a fórmula para o meu sucesso foi dar azo a toda a minha criatividade, a toda a minha loucura, a toda a minha paixão e porque eu estou profundamente dentro da ópera. Eu nunca conseguiria fazer este programa se eu não fosse cantora de ópera, era impossível. E porque ao mesmo tempo estou no sector por isso eu sei como brincar com o produto sem o destruir, sei como desconstruí-lo, e acho que isso é o segredo de se criar um grande formato; é a pessoa saber exactamente com o que está a trabalhar. Se fosse uma apresentadora, ou uma jornalista, já não seria o mesmo porque estaria de fora. A experiência faz toda a diferença.

Por isso acho que o sucesso está na imaginação. E também na necessidade porque a necessidade faz as coisas acontecerem. Eu tinha uma grande necessidade de comunicar a ópera a outros públicos. Também participei nalguns programas televisivos e adorei a experiência, a liberdade com que eu podia dizer todos os “disparates” que queria sem aquele formalismo das salas de concerto. E também a próximidade com as pessoas. Essa proximidade é uma coisa muito importante.


Em 2009 fundaste a tua própria companhia de ópera “Companhia de ópera do Castelo”, responsável por várias produções nacionais. Como é que achas que a ópera é vista pelos portugueses?

CM: Eu acho que os portugueses têm muita curiosidade, mas acho que há muito preconceito por parte dos teatros porque os diretores são muito ignorantes. A maior parte dos diretores dos teatros são encenadores de teatro e, salvo raras exceções, não fazem ideia do que é ópera. É verdade que a ópera é cara, mas existe um grande preconceito porque eu já criei formatos muito interessantes e acessíveis e a maioria dos teatros portugueses mostrou-se desinteressada. Mas isso faz parte da ignorância. Quem tem pouco mas quer conhecer, informa-se e arrisca, consegue fazer muito, mas quem tem pouco e não quer conhecer, não faz nada. Portanto eu acho que o público português quer ir à ópera, quer ver mais produções, mas precisa de ser mais aliciado.

Também acho que o Teatro São Carlos, e tenho muita pena, tem andado a dormir. Não só o Teatro Nacional de São Carlos, mas este em particular porque tem uma missão e responsabilidade evidentes. É para isso que ele existe. E também o Ministério da Cultura tem de exigir mais como instituição e para isso tem de ter um ministro da cultura e um secretário de estado da cultura bem informados e com uma estratégia adequada. Tenho muita pena mas nem um nem outro fazem ideia do que se passa na ópera no nosso país. Não têm qualquer tipo de acessores que conheçam o mundo da ópera. Há uma ignorância generalizada a fingir de conta que não existe nada. Tem de haver um sentido crítico.


Como é viver da ópera em Portugal enquanto artista?

CM: Em Portugal não há ópera e a maioria dos artistas portugueses vão para o coro do São Carlos para sobreviverem. Há pouco mercado, não há agentes nem nada, portanto viver da ópera em Portugal acho quase impossível. Eu consigo viver porque criei a minha própria companhia, meti-me no audiovisual. É complicado… Dantes tratavam-se os cantores de outra maneira, hoje me dia os teatros parece que desprezam os cantores. Por isso é que também há muito menos grandes vozes do que havia. Os cantores têm que ser cuidados. É fundamental tratar bem dos cantores porque com melhores cantores tem-se melhor ópera, sem dúvida.


O Super Diva tem 3 temporadas de sucesso na RTP2 e agora a primeira temporada em língua inglesa. De que forma é que se distingue da versão em português?

CM: São só as explicações que são em inglês, o resto é tudo muito parecido. Acabei por filmar nos mesmos locais, com os mesmos décors. Filmava primeiro em português e depois em inglês, e a única diferença é que a série inglesa é toda em inglês com legendas também em inglês. De resto o conteúdo é bastante parecido.


São várias as colaborações e nomes de renome, incluindo o compositor Luís Soldado, a fadista Carminho e a banda Dead Combo presentes no programa. Para a temporada inglesa, vamos contar com nomes internacionais?

CM: Não, vão ser os nossos maravilhosos músicos portugueses. É preciso ter uma capacidade de investimento brutal para ter grandes estrelas internacionais. Claro que era óptimo ter por exemplo o Sting a fazer uma Mistura Líricas, quem sabe?


Qual é o principal desafio de criar um programa complexo como o Super Diva?

CM: É aprender. É ter novas experiências. É o que me move, eu adoro aprender, ultrapassar dificuldades. Nesta série até caracterização fiz, até já estava a fazer caracterização de acidentes de automóvel e tudo, era sangue por todo o lado! É muito giro esse lado. Também adoro tratar de todo o guarda-roupa.


E quanto a expectativas para o futuro?

CM: Eu gostaria de divulgar o Super Diva o mais possível para poder levar a ópera a todo o lado e gostava de avançar para outros projetos com ficção, porque eu adoro ficção, mas com ópera. Levar o Twitter Ópera mais longe, que eu já queria ter levado nesta terceira série, mas é preciso um maior investimento para criar uma série com ópera e por isso é que optamos por fazer estas óperas pequeninas. Eventualmente gostaria de continuar o Super Diva, mas veremos como as coisas vão evoluir. Mas o próximo passo seria ficção.


Para terminar, qual é a tua ópera preferida?

CM: Eu adoro a “Tosca” do Puccini, não é muito comprida e tem um enredo de livro policial. É das óperas mais fortes para aliciar um adulto à ópera. E adoro a ópera do século XX de Shostakovich, completamente visionária, Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, apesar da “Tosca” também ser do século XX, aliás composta em 1900. Aliás, se eu fizer uma nova série, quero ter essa ópera – nem que vá a Rússia para ter os direitos! Até porque estou a aprender russo para interpretar a Katerina da Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk. •

+ Catarina Molder
+ Super Diva

Já recebe a Mutante por e-mail? Subscreva aqui .