O modo biológico da vinha e o lado inventivo da Herdade do Esporão

“Está ali um coelho! É enorme!” A frase sustenta a surpresa e, ao mesmo tempo, o quão delicioso é ver um animal adorável a percorrer uma terra cravada de videiras. Mas esta observação confere outra realidade. É a prova de que o respeito pelo ecossistema, a preocupação ambiental e a certificação biológica da vinha convergem em sinergias que urge replicar.


As vindimas decorreram em dias soalheiros, entre 12 de Agosto e 20 de Setembro

Estamos na Herdade do Esporão, a propriedade vinhateira localizada em Reguengos de Monsaraz, no distrito de Évora. O processo de conversão da vinha para modo biológico começou em 2007. No início da segunda década do século XXI foi abolido o uso de herbicidas. Em 2015 foram certificados mais de 200 hectares de vinha cuja totalidade – 450 hectares dos 1800 da herdade – já está em modo biológico – até mesmo os mais de 80 hectares de olival.

Sem esquecer as castas da Herdade dos Perdigões, situada nas imediações de Reguengos de Monsaraz. Adquirida em 1995, esta propriedade é ocupada por 150 hectares de vinha e um complexo arqueológico que tem, a céu aberto, um santuário, de acordo com as conclusões mais recentes do estudo concretizado com as escavações. Além dos 14 hectares de vinha situados em Portalegre.

A colheita de 2019 dos vinhos da Herdade do Esporão será feita, por conseguinte, a partir de uvas colhidas em videiras tratadas sem pesticidas nem aditivos químicos. As gamas Monte Velho, Alandra e Defesa, cujas uvas são provenientes de parceiros produtores da região, são a excepção. 

Tudo pela terra


Os morcegos ajudam a reduzir o número de pragas, daí a permanência de pequenos abrigos construídos para as suas famílias e dispostos junto às vinhas

Voltando à vinha da Herdade do Esporão, a prevenção e controlo das pragas é um trabalho exaustivo, com provas dadas através do auxílio da flora e da fauna. As roseiras bravas, os aloendros, o alecrim, as silveiras bravas, entre outros arbustos e flores têm a função de atrair os insectos auxiliares que, por sua vez, controlam os funestos para a saúde das videiras e das uvas. Os morcegos, acolhidos em pequenos abrigos construídos propositadamente para as suas famílias, também são um recurso positivo no controlo das pragas, além de que ajudam a equilibrar o ecossistema.

A manutenção dos solos – aqui existem sete tipos diferentes – é outro dos aspectos decisivos nesta actividade agrícola. As galinhas é uma das soluções. Além de contribuirem para a fertilização da terra, estes animais domésticos comem as pragas. Há ainda as ovelhas, que servem para o pastoreio, isto é, alimentam-se de ervas, deixando as raízes. Estas propiciam a fixação da humidade no solo. 

As leguminosas – fava, grão, lentilha, tremocilha – plantadas, no Inverno, no meio das entrelinhas das videiras, apresentam um enorme índice de azoto, favorável aos solos, daí que tenham de ser cortadas logo após a floração, caso contrário passam a alimentar-se dos nutrientes da terra. São, por isso, eficazes para o ciclo vegetativo da videira.

A água também é determinante. A que fica retida da barragem privada desta propriedade é conduzida a pontos estratégicos da vinha, sendo a irrigação da raiz das videiras feita gota-a-gota. Esta estratégia tem efeitos positivos no que à composição das uvas diz respeito, na medida em que garante uma maior qualidade dos vinhos. 


O engaço, um dos componentes do campo de compostagem é, depois de seco, utilizado para fertilizar as vinhas

Outro dos métodos desenvolvidos na Herdade do Esporão é o campo de compostagem, onde se pode ver os seus componentes. Todos são expostos ao sol, para secarem e terem, posteriormente, uma utilidade – os ramos e folhas podados no olival e na vinha são utilizados, durante o Inverno, nas salamandras; o engaço é disposto nas entrelinhas das vinhas para fertilizar os solos, assim como as massas vínicas das castas brancas, por serem muito nutritivas, e os desperdícios do restaurante da propriedade; o caroço de azeitona triturado vai para a caldeira de aquecimento das águas.


Amor-Não-Me-Deixes é uma das castas plantadas no campo ampelográfico desta propriedade vitivinícola alentejana

O roteiro prossegue pela vinha mais velha da propriedade plantada, em 1974, com a casta tinta Alfrocheiro. Vale a pena a visita ao campo ampelográfico criado em 2011, com cerca de dez hectares, para precaver a extinção e, em simultâneo, analisar o comportamento de cada uma no terroir da Herdade do Esporão. Amor-Não-Me-Deixes, Beba, Dedo de Dama, Manteúdo, nas brancas, Molar, Patorra, Tintinha e Tinta Bragão, nas tintas, são apenas oito exemplos das 189 variedades de uva a apreciar no local.

Do cacho para a garrafa


As vindimas começavam às 07h00 e terminavam às 16h00

“Apanha-se o cacho sempre por baixo.” A recomendação é dada por Lilia Carvalho, de 42 anos e com quase 30 de casa, a supervisora das vindimas da Herdade do Esporão. Iniciadas a 12 de Agosto, com a casta branca Vermetino, a colheita deste ano terminou a 20 de Setembro, uma semana antes do esperado. E sempre com a ordem dos trabalhos posta em prática desde as 7 e as 16 horas.

Segue-se a outrora Adega dos Tintos, construída em 1987, renovada e ampliada em 2018 chama-se, agora, Adega Monte Velho, em homenagem ao icónico vinho da Herdade do Esporão. 


O vinho de talha é produzido na Adega dos Lagares

A Adega dos Lagares, de 2014, continua a ser palco da feitoria dos néctares mais nobres desta propriedade vitivinícola alentejana, bem como do vinho da talha – a mais antiga regista o ano de 1843. A casta tinta Moreto é comummente mais utilizada na composição dos vinhos produzidos nas ânforas de barro. O branco da colheita de 2018 é feito, por sua vez, a partir de Roupeiro. Como manda a tradição, é no Dia de São Martinho que se vai à adega para provar este vinho cuja produção de 2018 se traduz em mais de 4.000 garrafas. Estas estão à venda apenas na loja da Herdade do Esporão.

Este espaço, contíguo ao bar da propriedade, está no mesmo edifício onde foi reaberto, em Março de 2018, o restaurante Herdade do Esporão que, no dia da vista, estava de sala cheia.

Produto alentejano em alta


A presa de porco altentejano, grão, tomate e caldo foi um dos pratos do ‘Menu das Vindimas’
que expressa a valorização do território alentejano no domínio dos sabores

Inicialmente apoiado pela dupla de chefs Bruno Caseiro e Filipa Gonçalves, Carlos Teixeira é quem, desde Junho do mesmo ano, coordena a cozinha, que define de “honesta”, com ênfase no produto, 90 por cento do qual é proveniente do Alentejo. “Não faz sentido ser doutra forma. Se temos bom produto a ser trabalhado aqui ao lado, não faz sentido aumentar a pegada de carbono. Quando as pessoas vêm ao Alentejo, não faz sentido apresentar-lhes a gamba rosa do Algarve. Pelo menos, para mim não. Faz sentido dar a conhecer o que o Alentejo tem de melhor. Isso, sim, é valorizar o nosso território”, justifica o chef do Restaurante Herdade do Esporão.

Pata de galinha frita, molho holandês e coentros são a prova do desperdício zero na cozinha do restaurante desta propriedade vitivinícola

Baseado no desperdício zero, o trabalho realizado pela equipa do chef Carlos Teixeira fundamenta-se, ainda, no respeito pelo produto da estação: “Seria muito mais fácil fazer uma carta e mudá-la uma vez por ano como se faz na maioria dos restaurantes. Mas acreditamos que este é o trabalho que tem de ser feito. É a nossa horta e hortas com quem trabalhamos que ditam o nosso trabalho. Por exemplo, amanhã já não há um determinado produto que estávamos a usar e nós temos que pensar noutro prato, com os produtos que estão a aparecer naquela altura. Nós vivemos a sazonalidade!”


O vinho produzido na herdade é o eleito para acompanhar a carta e os menus, seja o ‘Carta Branca’, seja os especiais

Pão, poejo, alho, Lúcio-perca, lagostim do rio, hortelã da ribeira são, por sua vez, os produtos mais “assíduos” de uma carta que se apresenta consistente e irrepreensível. A harmonização de cada prato é protagonizada pelos néctares produzidos nesta herdade e cuidadosamente realizada, seja a respeito dos vinhos, seja em relação aos respectivos copos.

Carlos Teixeira refere, também, o “aumento significativo de clientes”, sobretudo de brasileiros e de portugueses. O feedback tem sido “muito positivo” nas palavras do chef. “Tem sido um ano brilhante para todos nós. Os elogios são muitos. Nem sempre conseguimos agradar a todos, mas trabalhamos todos os dias para o conseguir fazer. Temos tido uma ótima aceitação e isso reflete-se na nossa sala, que tem estado sempre cheia como vocês puderam comprovar.”


A sobremesa de melão ‘da nossa horta’ em texturas, sumo de melão, bergamota e hortelã, espuma de melão e sabugueiro comprova o respeito do chef Carlos Teixeira pela sazonalidade

O Restaurante Herdade do Esporão abre todos os dias, das 12h30 às 15h30. Recomenda-se a reserva, seja de mesa, seja de um dos programas de visitas, bem como de provas vínicas ou de azeites, dos passeios de bicicleta ou de Van pela propriedade, e de workshops (com datas a definir), através do 266 509 280 ou de reservas@esporao.com. 

Se a opção for o Douro, há sempre a Quinta dos Murças, em Covelinhas, no Peso da Régua, comprada em 2008 e, na Região Demarcada dos Vinhos Verdes, a Quinta do Ameal, em Ponte de Lima, adquirida em 2019.

Boa viagem!



+ Esporão
© Fotografia: João Pedro Rato

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