“TUDO É OUTRA COISA”, não é verdade? / Rui Chafes

Faltam poucos dias para “Tudo é Outra Coisa”, exposição do escultor Rui Chafes no Convento dos Capuchos, sito no concelho de Almada, conhecer o FIM. Todavia, a sua proposta percolará o tempo. Com curadoria de Filipa Oliveira.

Rui Chafes propõe-nos um “Primeiro olhar”. Já Friedrich Nietzsche fez reparar como na modernidade, que nos assiste, se poderia chegar tão rapidamente à senilidade, não foi/é? Sobretudo, o filósofo acentua a esterilidade desses “homens universais medrosamente escondidos” … Assim, através deste “Primeiro olhar”, quem entra no Convento dos Capuchos terá de permanecer com os olhos muito limpos …

Convém, antes de penetrar no ambiente de “Tudo é Outra Coisa”, relembrar que o Convento dos Capuchos se trata de uma antiga “casa” da Ordem de São Francisco, mandada edificar por Lourenço Pires de Távora no século XVI. Dada a circunstância do lugar, parece-me bastante interessante aludir à história amorosa que associou São Francisco e Santa Clara: a admiração inabalável que esta reservou àquele, bem como a coragem revelada por Francisco ao congeminar o “rapto” de Clara, ou seja, a sua fuga da família, para que se dedicasse aos valores da pobreza, da castidade e da obediência. Parece algo bastante estranho aos ouvidos desta época, não é verdade? Mas foi exactamente assim que se desenrolou …

E já Miguel de Unamuno regista, em Solidão, a acusação que o amigo lhe lançou: “Claudicaste – dizias-me – e começas a dançar ao som do que te tocam; já não és tu, és dos outros. Retira as tuas palavras de outrora e aprende daqui para a frente a não dizer nunca: desta água não beberei.” Amigo a quem responde: “Pois bem: enganas-te. Eu dançava, dançava ao som de uma música que os demais não ouviam, e começaram por rir-se de mim, alguns, por chamar-me louco ou extravagante, ou desejoso de notoriedade, outros. Um insultou-me. Não faltou quem me apedrejasse e, no fim, foram-se embora caminhando sem me darem importância, e só ficaram à minha volta aqueles que achavam graça aos meus saltos e piruetas, recreava-lhes o ânimo ou entusiasmavam-se a dançar também eles e desentorpecer assim as suas pernas. E este meu albergue foi, graças a Deus, alargando-se, e hoje danço e brinco no meio de um adequado ajuntamento de pessoas que me animam. E estas pessoas, ao ver-me bailar em seco e sem música, porque eles não ouvem a música que dirige e acompanha as minhas piruetas, puseram-se a marcar o compasso com as suas mãos, e aplaudem-me e batem palmas. E como estas palmas são ao compasso dos meus saltos e pulos, crêem que eu salto e brinco ao compasso delas, e isto leva-as a aplaudir-me mais e dizem: «Bravo, como fazemos dançar este homem!» E não sabem que eu não ouço nem sequer as suas palmas, e que, se eu brinco mais quando eles mais batem palmas, eles aplaudem porque eu brinco, e não brinco porque eles aplaudam. É esta a vantagem de dançar sozinho.”

Quem dança sozinho chega àquele aplauso de uma só mão: não é o que nos diz Cristina Campo? E Rui Chafes propõe, agora, algo como uma espécie de coreo-grafia: o “Primeiro olhar” é recebido pela “Lua exausta”; “Balthasar XXI” no jardim de Inverno interior e na companhia de “Im Sommerwind” e “Im Winterlicht”; passagens pontuadas por “Murmúrio XVIII” e “Sussurro VII” até chegar ao “Escurecimento”; “Tudo isto” (?); “O Misantropo” fora (!). E dancei: com “Tudo é Outra Coisa”.

Rui Chafes apresenta-nos um “Contramundo”, aliás título de um livro seu. Será importante ser Prémio Pessoa? Será importante ser premiado para dançar, sozinho? Como o escultor afirmou no discurso que proferiu em tal ocasião: “Não sei se mereço este Prémio, provavelmente nunca o saberei. Provavelmente, nunca ninguém o saberá”, embora tenha realçado a sua felicidade pela atribuição. Ora, que posteriormente tenha construído uma encantadora e sentida escultura, então oferecida ao Prémio Pessoa que o sucedeu, uma escultura para colocar em casa, e numa esquina, a avivar a forma como foi encurralada e por tal olha, atenta, a dança das máscaras, diz … “Tudo é Outra Coisa”.

Se tiver coração, aconselho. De contrário, é arriscado: pode degenerar em en/farte. 

Patente até dia 19 de Outubro. Convento dos Capuchos, Rua Lourenço Pires Távora, Caparica.

Rui Chafes

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