Pedro Marum, um artista completo / entrevista

Pedro Marum: “Há imensos jovens “queer” extremamente talentosos que estão desejosos de se lançarem na música, mas que não têm oportunidade porque as editoras discográficas portuguesas, salvo raras exceções, não olham para o seu trabalho”

Um artista completo, é como pode ser definido Pedro Marum. Sediado em Berlim, o “hacktivist” português tem vindo a ganhar reconhecimento além-fronteiras, não só pelo seu trabalho no mundo da música, como também pelo desenvolvimento de plataformas inovadoras de apoio à comunidade (“Rabbit Hole”, “XenoEntities Network”, “suspension”), que abordam frequentemente temas como realidade virtual, políticas feministas e direitos da comunidade LGBT. 

Como DJ, Pedro Marum não só é booker e residente na mina, uma festa rave underground que pretende celebrar a libertação sexual e fluidez de género, como também é apresentador na Rádio Quântica com o programa VANTABLACK.

A Mutante esteve à conversa com o artista, que nos falou dos seus projetos, de ativismo político, e da luta da comunidade “queer” em afirmar-se como uma voz a ser reconhecida no meio artístico. 

Pedro, começaste a tua carreira como artista e curador e, em 2011, fundaste o “Rabbit Hole”, um grupo de artistas internacionais com o objetivo de criar e partilhar arte. Podes-me explicar o conceito por detrás da sua fundação?

A “Rabbit Hole” surgiu de forma inesperada e nunca tivemos intenção de formar um coletivo, pelo menos no início. Para mim, a “Rabbit Hole” era uma maneira de reunir amigos e simplesmente conviver e trocar ideias entre nós, mas à medida que o tempo foi passando, os nossos encontros começaram a ganhar fama no circuito artístico e, consequentemente, foram-se expandindo e tornando cada vez mais frequentes. Foi isto que me incentivou a criar um primeiro evento aberto ao público, no ano novo chinês do coelho – e daí o nome “Rabbit Hole”. 

Também é importante salientar que o projeto teve a ressonância que teve não só por ser assumidamente “queer”, mas também por trabalhar com questões transversais à palavra “queer”, ou seja, por abordar questões de transformação urbana, gentrificação, noções de arquitetura brutalista e utupia, que são a base da “Rabbit Hole”.

Os nossos eventos acabam assim por ser um híbrido entre curadoria e formas de expressão artísticas, que nos permite olhar para as temáticas que nos interessam, e trabalhar à volta das mesmas. 

Felizmente a nossa iniciativa tem sido bem-sucedida, o que levou a que a “Rabbit Hole” se tornasse numa associação cultural, de modo a poder receber financiamento público e ajudar artistas independentes. 

Para além de artista, também és DJ. Como é que fizeste a transição para a música?

Foi um processo orgânico, que começou através da “Rabbit Hole”. Uma das formas de autofinanciamento que arranjámos foi a organização de festas e, uma vez que eu já tocava entre amigos, senti que faria sentido fazer o mesmo perante um público. Mais tarde, com a fundação da “mina”, acabei por convidar dois DJs já estabelecidos, a Violet e o Fotons, que me inspiraram a profissionalizar-me enquanto DJ. 

Em 2017 iniciaste a “mina”, uma festa “gender-free” em Lisboa. Como é que a descreverias e quem é que é o seu público alvo?

Penso que a “mina” foi o colmatar da “Rabbit Hole”, ou seja, através da “Rabbit Hole” já organizávamos festas, mas não tínhamos um plano delineado sobre uma visão musical ou curatorial. Por isso, juntamente com a Violet e o Fotons, decidi que a “mina” serviria para expandir a música eletrónica na comunidade “queer”, que tinha um enorme desejo, vontade e urgência em reunir-se e partilhar determinadas experiências que são muito particulares da “club culture”. 

A “mina” também tem um papel altamente vocal em relação às mudanças que se fazem sentir em Lisboa, e procura denunciar e documentar problemas como gentrificação e turistificação, enquanto serve de plataforma para pessoas que se estão a iniciar na música.

Relativamente ao público-alvo, a “mina” tem vindo a captar públicos cada vez mais diversos; começou com o público da “Rabbit Hole”, que era um público essencialmente “queer” e artístico, para outro género de público, os fanáticos da música eletrónica, ativistas, pessoas curiosas, entre outros. Em geral, considero que a “mina” é uma boa forma de reunir a comunidade e de consolidar ideais que acredito serem importantes, desde feminismo e direitos da comunidade LGBT a ideais comunitários e de partilha. 

Qual é que foi a tua experiência mais louca enquanto DJ?

Julgo que a experiência que mais me marcou foi tocar na China; não só porque deitou por terra todas as ideias pré-concebidas que eu tinha sobre o que me iria deparar, mas também pela sua “club culture”, que é bastante desenvolvida e politizada. Uma vez toquei um set de mais de seis horas num clube no quadragésimo andar e, quando já era de manhã e abriram as janelas, lembro-me de a vista e ter ficado maravilhado; era um cenário distópico, com uma imensidão de “skyscrapers” e um sol avermelhado por detrás. São estes os momentos que me fazem apreciar realmente o meu trabalho. 

Em paralelo com o “mina”, também fundaste a “suspension”, uma agência e editora discográfica. Que qualidades e características é que procuras num artista?

Com a “mina”, eu e a BLEID, co-fundadora da “suspension”, apercebemo-nos do imenso potencial que nos rodeava; há imensos jovens “queer” extremamente talentosos que estão desejosos de se lançarem na música, mas que não têm oportunidade porque as editoras discográficas portuguesas, salvo raras exceções, não olham para o seu trabalho. Foi isto que nos levou a querer garantir que a nossa agência não só cria oportunidades para estes artistas, como também serve de plataforma de ajuda para o seu início de carreira.  

Em Berlim também há uma “club culture” muito forte, e dado que eu vivo na cidade, tenho uma rede de contactos que me permite arranjar concertos fora de Portugal para os nossos artistas e promover o seu trabalho.

De 2010 a 2015 estiveste envolvido no festival Queer Lisboa e, juntamente com Ricke Merighi, foste responsável pela secção “Queer Focus”, que tem como objetivo expandir a palavra “queer” através da exibição de filmes, palestras e exibições. Achas que esta temática está bem representada no mundo da arte?

É difícil fazer um balanço. A palavra “queer” faz parte do “mainstream”, mas ainda lhe falta visibilidade. Por exemplo, o trabalho que a “Rabbit Hole” fazia dificilmente chegaria a um museu; não porque há falta de interesse, mas sim pela falta de reconhecimento de artistas que trabalham fora do modelo comercial, que é preferido pelas instituições. Estas instituições muitas vezes consideram o trabalho de artistas “queer” como não vendável, já que muitas vezes contém mensagens políticas controversas ou radicais, que não se coadunam com a política das instituições. E por sua vez isto significa que o seu trabalho acaba por não ser exposto e ter o reconhecimento que merece.

Na tua biografia, autointitulas-te como “hacktivist”. Que responsabilidades consideras que um artista deve ter na sociedade?

Considero que o meu trabalho sempre procurou dar voz a uma comunidade que é pouco ouvida e que, inevitavelmente, se tornou político. Eu debato-me sobre a noção de ativismo; é um trabalho extremamente importante, no qual eu não sei se me encaixo, na medida em que eu não estou a trabalhar somente com a finalidade de atingir um determinado resultado político. No entanto, a minha arte não é definitivamente neutra; os coletivos com os quais trabalho acabam por produzir narrativas políticas que dão visibilidade a ativistas e às suas causas, o que apoio a 100 por cento. 

Pedro, és um verdadeiro homem dos sete ofícios. Podes-nos descrever como é que é para ti um dia típico de trabalho e o que é que te motiva?

Não tenho um dia típico. Ora estou em tour e a produzir música, ora estou a organizar eventos e a viajar, pelo que é difícil ter uma rotina. Considero que o meu trabalho tem uma certa urgência política e coletiva e é isso que me motiva; é trabalhar com pessoas que são minhas amigas, com que eu me alinho ideologicamente, de forma a produzirmos arte que tenha impacto.  

Porque é que decidiste viver e trabalhar em Berlim?

Não foi uma decisão pensada. Quando estava a trabalhar no “Queer Lisboa”, ia acompanhando o Festival de Cinema de Berlim e, com passar do tempo, comecei ter interesse noutros festivais, como o “Berlin Porn Film Festival” e o “XPOSED Queer Film Festival”, e a viajar mais para a cidade. O meu mestrado, que realizei na Áustria, Polónia e Dinamarca, tudo países circundantes da Alemanha, também contribuiu para a minha decisão de mudar-me para Berlim, uma vez que tenho bastantes amigos que vivem na cidade e com os quais trabalho. 

É uma cidade cheia de oportunidades, onde acabo por conhecer muitos artistas que estão abertos a colaborações e onde há ótimas oportunidades para freelancers, ao contrário de Portugal. 

A Mutante está curiosa; em que é que estás a trabalhar atualmente e quais é que são os teus próximos projetos?

De momento, estamos a tentar garantir financiamento estrutural para a “XenoEntities Network”, de modo a estabelecer um programa anual em parceria com museus e galerias, com as quais já colaborámos anteriormente. 

De resto, tenho bastantes projetos nos quais vou trabalhando. Por exemplo, tenho continuado a colaborar com os artistas da “Rabbit Hole”, tenho participado em vários festivais locais, incluindo o festival de música eletrónica Let It Roll, e tenho trabalhado como “guest curator” em exibições. 

E a “mina” também tem estado à procura de um novo espaço em Lisboa, para os eventos de verão.

+ Pedro Marum

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