Qualidade, criatividade, preço. Qual o futuro da restauração? / Chef Paulo Queirós

Mais do que perpetuar a “‘honra’ de alimentar os outros”, o proprietário e cozinheiro responsável pelo restaurante Cordel, na “Cidade dos Estudantes”, tem o dom de fomentar experiências memoráveis, surpreender as papilas gustativas e promover a partilha. Tudo acontece à mesa a par com a investigação para a tese “Alimentação: Fontes, Cultura e Sociedade” e as aulas que lecciona na Escola de Hotelaria de Coimbra. 

Vamos ler o que nos escreve este chef transmontano que, em Coimbra, mostra o quão vale em matéria de cozinha no seu Cordel, espaço que, no piso térreo funciona como mercearia e, no andar de cima, tem a sala e a esplanada, com vista privilegiada para o Convento de São Francisco. 

A que se dedicou a fazer durante estes últimos meses?
Nos últimos meses, durante a pandemia, além de usufruir do tempo em família, que é escasso ao longo do ano devido à actividade profissional, dei longos passeios pelo campo. Cozinhei muito pouco – em casa há quem cozinhe muito bem – e no Cordel só take away e ao fim-de-semana. Investiguei muito sobre a dimensão alimentar no seu todo – enogastronomia, sociabilidade e convivialidade à e da mesa, e a origem dos produtos. Participei em conversas entre colegas, assisti a documentários na televisão sobre alimentos e sobre cozinheiros, ouvi muita música e li como não fazia há muito. Se dantes andava depressa e pensava devagar, nestes tempos andei muito devagar e pensei muito depressa.

Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?
Lazer em família. Se por um lado, a profissão de cozinheiro convida permanentemente à procura de fornecedores, produtos, receitas, processos, por outro lado, a vertente de investigador, com uma tese em curso, levou-me a uma maior procura nos livros, na história, na literatura, nas conversas com os mais velhos sobre origem de pratos, os modos de consumo e a aquisição no passado. No fundo, procurei saber o que comemos, porque comemos e onde comemos. Conhecer o passado para perceber melhor o futuro. Ah! E também tive tempo!

Se lhe pedisse para falar sobre o seu percurso profissional, o que diria acerca destes 12 meses?
Como empresário, tentei perceber a fundo o que eram as palavras da moda: resiliência e reinvenção. Afinal não era nenhuma novidade, porque isso já era o nosso dia-a-adia, apesar de haver nuances diferentes: o empresário da restauração é enorme na adversidade e a história dá-nos lições sobre a “honra” de alimentar aos outros.
Procurei encontrar melhores modelos de actuação para protecção da equipa e clientes em situações adversas. Olhei para o retrovisor e analisei o que poderíamos melhorar. Aprofundei os meus conhecimentos em gestão e comunicação.
Como cozinheiro, procurei novos produtos e novos produtores, e aprofundar a relação com os de sempre, para preparar a abertura logo que seja possível com alterações na carta, próprias para a época que se avizinha.

Está a desenvolver pratos/criações para a nova temporada que se avizinha? Pode levantar o véu?
Sim. Como no Inverno privilegiamos o meu passado com a origem transmontana, em que o campo, as conservas pelo fumo, pelo sal, pelo vinho e pelo azeite, são os protagonistas, na Primavera inicia-se o elogio ao mar e à horta. Queremos promover ainda mais a sustentabilidade com a escolha dos produtos e produtores mais regionais, e que se identifiquem com os nossos valores.

Que novidades pondera incluir nos menus de degustação e na carta aquando da reabertura do Cordel?
Uma carta mais vegetal, mais marítima, mais regional. O peixe da costa, os vegetais das hortas de proximidade, as ervas do campo. Queremos envolver-nos cada vez mais na identidade regional. Relançar o serviço de sala com pormenores de finalização e complemento dos pratos, que seja um acréscimo, um detalhe e não um adorno na identidade da nossa cozinha.

Vai implementar mudanças na sua cozinha, no sentido de abranger um público mais lato ou a estratégia é cingir o serviço a um grupo mais restrito de clientes? Como explica esta decisão?
Vamos continuar com a redução de lugares, que fomos obrigados a fazer. Apesar de os objectivos serem, claramente, de crescimento, queremos que seja sustentável e, para isso, vamos continuar a oferecer um serviço cada vez mais dedicado e focado. O nosso público é quase, na sua maioria, da região e para a sua fidelização é preciso disponibilizar uma oferta consistente. A mudança não será a que o cozinheiro queria, mas a que o cliente e o empresário acham mais desejada.

Qualidade. Criatividade. Preço. Como é a sua cozinha e como vê o futuro do sector da restauração a partir destas três palavras?
A minha cozinha é no meu entender a que melhor satisfaz a equação de empresário/chef/cliente. A base é definitivamente a cozinha que conheci ao longo do meu percurso de vida, pessoal e profissional, que memorizei, experienciei e gostei. Na paleta de adjectivos actuais tenho dificuldade em exprimir-me pela diversidade que existe. No fundo sou um clássico actualizado.
A qualidade/criatividade serão cada vez mais importantes no presente e no futuro. A criação de fortes parcerias com fornecedores, o trabalho realizado em conjunto com outros profissionais do sector (apesar de não ser fácil devido a razões culturais) será determinante. Ser rigoroso em todos os momentos da operação será um trunfo para a sobrevivência do negócio.
A criatividade será importante na medida em que o cliente estará mais informado, e ávido de um momento de prazer. Espera-se um público mais exigente. Será muito importante conseguir ser proactivo, oferecer em vez satisfazer. Adivinha-se um futuro surpreendente.

Quão desafiante se tornou este último ano no percurso do chef?
Muito desafiante. Confeccionar um prato e não saber quando, como e com quem vai ser comido é quase frustrante. É um sentimento de insatisfação não conhecer a reacção espontânea do cliente, como leva a comida à boca ou simplesmente quando a aprecia no momento que a avista. Estes factores criaram a necessidade de pensar no serviço, na louça e no empratamento como elementos cada vez mais importantes para a satisfação geral do cliente. Cozinhar é um acto de relação, e este último ano, isso eclipou-se. Teremos de ser capazes de reatar esse sentimento do prazer na relação. O desafio vai ser a psicologia do alimento.

+ Cordel

© Fotografia: João Pedro Rato

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