A versatilidade do receituário em território nacional é a base da experiência do chef do Largo do Paço, onde cada prato reflecte a sua criatividade e o seu apreço pelo produto complementados por um serviço de sala de excelência, atributos que consolidam, desde 2017, a permanente conquista da estrela Michelin para este restaurante do hotel Casa da Calçada. Vamos ler o que tem feito ao longo destes 12 meses e sobre as boas novas da sua cozinha.
Natural do concelho de Montemor-o-Velho, no distrito de Coimbra, Tiago Bonito apresenta, no seu currículo, o título de Chef Cozinheiro do Ano, em 2011, e soma a experiência em terras algarvias a Lisboa. Já no Largo do Paço, onde permanece há quatro anos, tem vindo a dar ênfase às suas raízes e a mostrar o quão fiel é à identidade do país à mesa, caminho esse que espera ver “calcorreado” em breve e ao lado da sua equipa do restaurante da excelsa Casa da Calçada.
A que se dedicou a fazer durante estes últimos meses?
Nos últimos meses, dediquei-me a pesquisar novas técnicas, ler, assistir a vários documentários de colegas e mestres, e a trocar experiências, pois com esta última vaga muitos dos seminários e eventos gastronómicos foram online e tive a oportunidade de poder assistir as palestras de muitos cozinheiros e de ver as suas influências na cozinha.
Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?
Sim, com este tempo extra consegui pôr em prática a elaboração das fichas técnicas de todas as cartas em vigor e algumas do passado. Fiz formação e pesquisa vínica, terroir, influências climáticas, castas e diálogos com pessoas apaixonadas pelo mundo do vinho. E regressei às minhas origens e terra natal, dediquei-me à plantação de árvores de fruto, legumes e criação de animais.
Se lhe pedisse para falar sobre o seu percurso profissional, o que diria acerca destes 12 meses?
É sempre difícil para mim falar de mim próprio… Diria que, nestes últimos 12 meses, o meu percurso profissional pouco mudou, pois sempre fui uma pessoa muito ligada às equipas e aos produtores, às minhas origens e às tradições. Apesar do futuro ser uma incerteza, e de estarmos a viver um momento grandioso em todos os aspectos, antes de aparecer a pandemia, uma coisa não vai mudar: vamos trabalhar todos os dias para dar sempre o nosso melhor ao nosso cliente e levar a ele uma experiência gastronómica única. Por isso, vamos querer entregar-nos cada vez mais aos nossos clientes.
Está a desenvolver pratos/criações para a nova temporada que se avizinha? Pode levantar o véu?
Estamos a trabalhar na nova carta de Primavera, para que assim que for possível, possamos abrir as portas e receber os nossos clientes. O nosso foco está em apoiar os pequenos produtores, trabalhar com os nossos produtos locais, pois tenho consciência que o primeiro mês será um novo período de adaptação porque, de momento, a produção é mínima, porque o sector parou e teremos falta de alguma matéria-prima.
O nosso novo menu recai muito sobre o mar e o seu potencial – peixe curado em koji, caldos de algas costeiras e os nossos mariscos, desde do lingueirão em escabeche ao carabineiro grelhado.
Que novidades pondera incluir nos menus de degustação e na carta aquando da reabertura do Largo do Paço?
Na reabertura do Largo do Paço, vamos continuar com dois menus de degustação e serviço à carta, e pondero ter um prato com serviço de sala para ser terminado à frente do cliente, acompanhado da devida história e explicação. Mas se assim podemos chamar novidade, vamos dar mais destaque ao reino vegetal em nosso redor, pois sou um apaixonado por frutas e legumes em sobremesas, à quais quero dar mais destaque na carta de Primavera.
Vai implementar mudanças na sua cozinha, no sentido de abranger um público mais lato ou a estratégia é cingir o serviço a um grupo mais restrito de clientes? Como explica esta decisão?
A nossa decisão não passa por mudanças na cozinha, mas sim em dar continuidade ao trabalho que temos vindo a fazer ao longo dos anos, apostar e semear um futuro melhor. É uma decisão pela consistência de serviço, exigência, produto e ADN da Casa da Calçada, e quero estar perto de todos os meus clientes.
Qualidade. Criatividade. Preço. Como é a sua cozinha e como vê o futuro do sector da restauração a partir destas três palavras?
A minha cozinha é uma cozinha de autor baseada nas nossas raízes e tradições, e trabalhada de forma criativa. Por trás de cada prato há sempre uma história, lembrança ou viagem que, de muitas formas, nos marcam e inspiram para criar um novo prato.
O futuro da restauração ainda vive um momento de muitas incertezas, mas é nestes períodos que temos de ser mais criativos e, por vezes, recriamo-nos, dando azo ao aparecimento de novos projectos e parcerias.
A qualidade está sempre aliada ao preço e esse ponto é indiscutível, pois se procuramos o melhor produto, isso tem um preço que muitas vezes está ligado à pouca oferta para a procura.
Quão desafiante se tornou este último ano no percurso do chef?
Neste último ano, o grande desafio foi manter o foco com a articulação das novas medidas e restrições, mas conseguimos pensar sempre em continuar a fazer o caminho que temos vindo a fazer nos últimos anos, mantendo as equipas estabilizadas e motivadas, apesar de todas as circunstâncias.
Por isso, quero estar mais do que nunca perto dos meus clientes, fornecedores, produtores e amigos, porque o desafio é para todos nós o início de um novo começo.
+ Largo do Paço / Casa da Calçada
© Fotografia: D.R.