Apesar dos últimos meses terem sido carregados de intermitências, Tiago Emanuel Santos esteve imparável: aproveitou para delinear de novos projecto, continuou a leccionar na Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril e a dinamizar a cozinha do Baco, restaurante do Hotel Ponta Delgada localizado na cidade homónima da ilha açoriana de São Miguel.
Trocou a Geografia e Planeamento Regional pelo curso de cozinha da Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril, mas a primeira continua a servir de guia na ligação de uma determinada região às especificidades de um receituário que, actualmente, Tiago Emanuel Santos insiste em esmiuçar até chegar à origem de cada ingrediente. Este processo contínuo entre produtores e produto prossegue no seu dia-a-dia, com afinco ininterrupto, pelo arquipélago dos Açores para o restaurante Baco, do Grupo Ciprotur – no qual exerce a função de chef consultor –, já depois de ter passado pelo restaurante do hotel Areias do Seixo, em Torres Vedras, pelo Anna’s, em Aveiro, ou o Quorum, em Lisboa.
A que se dedicou a fazer durante estes últimos meses?
Nos últimos meses continuei (até Janeiro) a dar aulas na Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril e a desenvolver o meu projecto com a RDP e RTP. Tem sido extremamente gratificante do ponto de vista pessoal ter tempo para desenvolver tarefas mais académicas e cognitivas que, no reboliço do dia-a-dia, se revelam impossíveis de desenvolver. O Baco tem estado em pleno funcionamento também, em São Miguel, pelo que me valeu já algumas deslocações à ilha, para meu gáudio. Vejo com esperança esta retomada da restauração em território insular, espero que se transponha para o continente e que, em breve, todos possamos partilhar a mesa.
Diria que foram meses riquíssimos durante os quais consegui – apesar de não estar a exercer actividade – cultivar-me e preparar-me para o que aí vem, melhor do que nunca.
Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?
Houve, de facto, muito tempo para poder voltar a escrever, pensar e delinear projectos que até então estavam parados num bloco de notas ou caderno, sendo que mantive a minha actividade profissional praticamente intacta até hoje. Aliás, e contrariamente à maioria, este ano foi pejado de muito trabalho, como outras dinâmicas, é certo, com outras características mas, ainda assim, muito laborioso. A diferença foi mesmo nos confinamentos, em que pude voltar a estudar os meus assados no forno, a charcutaria artesanal a padaria de forma prática. Até construí, lá em casa, um forno a lenha para o efeito.
Se lhe pedisse para falar sobre o seu percurso profissional, o que diria acerca destes 12 meses?
Foram meses atípicos que requereram muita reinvenção e astúcia, mas ricos no desenvolvimento de algumas ferramentas pessoais. Felizmente não tive nenhuma afectação financeira negativa, o que me permitiu, durante estes 12 meses meio, “passar pelos pingos da chuva”, continuar os meus estudos e desenvolvimentos técnicos pessoais, focar-me em leccionar novamente e, acima de tudo, ser feliz, uma coisa que nos esquecemos quando andamos no reboliço da profissão.
Está a desenvolver pratos/criações para a nova temporada que se avizinha? Pode levantar o véu?
Sim, de facto estou, neste momento, em Ponta Delgada onde estamos a desenvolver uma carta nova e a implementar a mesma. Procuramos, com esta nova carta, garantir a retomada de três vetores – a do cliente, a do restaurante e a dos fornecedores –, numa parceria estrita em que o oxímoro foi reduzir custos, optimizar recursos e garantir ofertas de valor mais justas para todos.
Que novidades pondera incluir nos menus de degustação e na carta aquando da reabertura do Baco?
O Baco reabriu, em força, a 1 de Março, sem restrições ao funcionamento. A maior novidade foi a força com que o público aderiu ao nosso restaurante, onde temos tido “casas” completas oito vezes a cada dez, com o cliente fidelizado e a retornar várias vezes. Enche-me de orgulho ver a confiança que o cliente em nós deposita e nós cá estamos de portas abertas (literalmente), para o receber e tratar da melhor forma possível.
Vai implementar mudanças na sua cozinha, no sentido de abranger um público mais lato ou a estratégia é cingir o serviço a um grupo mais restrito de clientes? Como explica esta decisão?
A resposta é não. Não, porque já o fazíamos. Há muito que cultivamos um público heterogéneo, mas que se enquadra na nossa filosofia de produto regional, produção própria e aquisição de matéria-prima de elevada qualidade. Continuamos a fazer o nosso pão, os nossos gelados, as nossas polpas de tomate. Continuamos a ter a “Terça-Feira Vegetariana” e a melhor carne dos Açores. Continuamos a ser nós próprios.
Qualidade. Criatividade. Preço. Como é a sua cozinha e como vê o futuro do sector da restauração a partir destas três palavras?
Vejo um futuro cada vez mais dedicado ao vector preço, sendo que acredito seriamente que existem medidas que possam alavancar este vector, associando-o à qualidade. Há muito que defendo a implementação de benefícios fiscais (IVA) com a compra de produtos dentre áreas de influências. Diria que um modelo de Von Thunen aplicado aos dias de hoje seria uma solução efectiva, para revolucionar a forma como aumentamos a qualidade com a redução de preço.
Quanto à criatividade, continuamos a ver a tomada de decisões, na minha opinião, erradas. Ser criativo não é fazer o que nunca ninguém fez – isso é ser inovador. Ser criativo é fazer o que toda a gente faz de uma maneira que nunca ninguém sonhou ser possível. Esse é, cada vez mais, o meu foco e o da minha equipa, isto aliado ao modelo de compra de produto regional que aplicamos, o que obriga a formas criativas de apresentar propostas diferenciadoras com produtos mundanos.
Diria que esse seria o futuro que eu gostava de vislumbrar. Digo, recorrentemente, aos meus alunos que o meu trabalho não é ensinar receitas, o meu trabalho é ensinar a pensar sobre processos. Só aí lhes darei ferramentas para aplicarem a sua efectiva criatividade.
Quão desafiante se tornou este último ano no percurso do chef?
Bastante desafiante da perspetiva humanista da questão. Estou mais próximo das pessoas, das nossas equipas e, agora que fico mais velho (33 anos) e a maior parte dos colaboradores é mais nova, há um elevado senso paternalista. Diria que foi um ano a tentar cuidar dos outros. Era algo que não estava habituado e que me enche o coração. No final de contas, foi um ano incrível! Ainda cá estamos todos para contar a história e, à boa maneira portuguesa, podemos dizer: “vá lá, vá lá, podia ter sido pior…”
+ Grupo Ciprotur
© Fotografia: João Pedro Rato