Herberto, Estava a Pensar: Supõe… que Nunca se passa nada no meu Bairro, em Popville. Guarda como um segredo, o que supuseste, porque na verdade há Um tigre na rua, n’O Jardim de Babaï, Na Noite Escura. São Coisas que Acontecem, até há um’A Casa que Voou... Valha-nos que Uma Mãe é como uma Casa!
Pergunta ao teu Pai se, depois da Maldita Matemática, dá para provar O Arenque Fumado debaixo d’A Árvore Generosa enquanto lemos… Esqueci como se chama… Ah! O Gatálogo. Sem pressas. Eu espero. Ponto.*
Hoje, dia 23 de abril – Dia Mundial do Livro -, é o dia mais que perfeito para vos revelar os dois dedos de conversa que tivemos com Cláudia e Miguel, as mãos no leme da Bruaá.
Com dois espaços físicos, um no Centro de Artes e Espectáculos (CAE) da Figueira da Foz e outro no Convento São Francisco em Coimbra, a Livraria (e Editora) Bruaá tem vindo a afirmar-se, dentro do público que em boa hora a descobre, como uma livraria independente de selecção refinada que não se restringe ao nosso tão estimado livro – há jogos e há jarras, há pratos e há sacos, há serigrafias e há postais, há melros e há sementes, há caixas de música e há candeeiros… Há tanto e o tanto que há, do livro ao candeeiro, de banal ou trivial nada tem.
Seja nas palavras, nas imagens, nas formas ou nas matérias, tudo tem algo que o torna verdadeiramente original e menos mainstream. Para miúdos ou graúdos que não se balizam pelo vulgar de Lineu e se deleitam com o cuidado com o pensamento empírico e abstrato, a palavra que faz trabalhar o pensamento, a forma que nos desafia a motricidade, a não cor de nos faz imaginar cores, o traço que desafia regras, o desenho que não precisa da palavra,… A Bruaá é o espaço certeiro e tentador para se deixar perder.
Sem mais rodeios, nas páginas da Bruaá em dois dedos de conversa.
– “What’s in a name? That which we call a rose
By any other name would smell as sweet” – Shakespeare.
Começando pela génese da Livraria/Editora e a etimologia da palavra que escolheram para a vossa certidão de nascimento.
O porquê desta palavra: Bruaá? Nenhuma outra teria o mesmo aroma independente?
Bruaá: O nome, como fazemos referência no site, estava escondido num dicionário de termos literários, ali mesmo entre “braquicataléctico” e “burleta”, sendo que o seu autor o caracterizava como “galicismo desnecessário”, por já termos entre nós a palavra “burburinho”. No entanto, pela sonoridade, facilidade de memorização e relação que estabelecemos com o bruaá que se vai instalando na nossa cabeça à medida que avançamos por um livro a dentro, tivemos logo a certeza que aquele era o nome certo.
– “A imaginação não se torna grande até que o ser humano, tendo a coragem e a força, a use para criar.” – Maria Montessori.
Agarrando em Maria Montessori – (não podia escapar a esta conversa convosco) – quando vos surge o sonho, de uma Livraria/Editora e quando vos vem a coragem para a criarem?
Bruaá: A ideia começou a germinar em 2006/7. Na altura a Cláudia trabalhava em design gráfico para uma empresa de Coimbra, e eu dava aulas num colégio inglês em Carcavelos, onde comecei a perceber que a quantidade de livros que não chegava atempadamente a Portugal era avassaladora. Daí, concluímos que talvez houvesse espaço para mais uma editora que, com a sua muito humilde contribuição, pudesse trazer até cá alguns títulos que considerávamos essenciais à história do álbum ilustrado, assim como propostas mais recentes e projetos originais. De notar que havia já trabalho muito bem feito com editores como Rogério de Moura e José Oliveira, mas mesmo assim o mercado português precisava de um empurrão ao nível da variedade de oferta, algo que entretanto foi colmatado, assistindo-se a um crescimento assinalável ao nível da quantidade e qualidade na área do álbum ilustrado.
Curiosidade e nada mais. Agarrando no clássico J. M. Barrie – “Gostariam de uma aventura agora, ou preferem tomar um chá primeiro?”. Assumindo que tomaram chá primeiro, foram dois tragos de chá em tempos diferentes ou foram dois tragos de um registo só?
Bruaá: Foram tragos em tempos diferentes. A editora, foi praticamente às cegas, pelo menos a parte da maquinaria. Fomos aprendendo sozinhos, e com ajudas de amigos que fomos fazendo pelo caminho, que fios manter juntos e quais manter separados para evitar curto-circuito. De qualquer forma, continuamos aprendizes.
Quanto às livrarias, primeiro na Figueira e depois em Coimbra, foram perfeitos acasos. No entanto, trata-se de uma aventura que foi muito bem-vinda, porque nos permite uma visão panorâmica de todo o processo de publicação, desde a criação do livro à venda ao leitor, algo que a maioria dos editores não tem, pelo menos de uma forma tão direta.
Figueira da Foz (no CAE) e depois e também Coimbra (no Convento São Francisco). “Cada país destaca-se em algumas coisas, e no resto é igual a outros países: medíocre”. Bruno Munari.
Não resistindo o cutucar de uma certa critica que possam ter na algibeira, sentiam que estas cidades (tal como outras) precisa[vam]m de dar o salto para uma oferta mais diferenciada do bestseller?
Bruaá: Se pensarmos que um génio (não esses génios-palmadinha-nas-costas) como Bruno Munari não é devidamente reconhecido e celebrado no seu próprio país, a sua frase ganha ainda mais peso, se é que isso é possível. Infelizmente continua a ser assim e continuará a ser. Não temos ilusões. Para celebrar e reconhecer o brilhantismo de todos os Brunos Munaris com que a vida nos brinda, é necessário um forte investimento na formação de leitores, não só de texto, mas também na literacia visual. Só assim, poderemos ter futuros leitores com massa crítica suficiente para consumir propostas que nunca se encontram em nenhum TOP10 de vendas. Por isso, para que uma livraria singre em qualquer cidade, essa mesma cidade tem de apostar fortemente na promoção leitora. Tudo está ligado.
– “Não sou estranho, esquisito, desligado, nem louco, a minha realidade é apenas diferente da tua.” – Lewis Carroll.
O vosso público alvo, sem querer limitar ou rotular, é diferente do público dos bestsellers? Como definiriam quem vos procura?
Bruaá: O nosso público é algo difícil de definir… Por um lado temos a fiel “imensa minoria” que nos procura regularmente e, por outro, dado que ambas as livrarias estão inseridas em centros culturais, temos um grande número de pessoas que, tendo vindo assistir a um espectáculo, nos encontra por acaso e acaba por agradavelmente consumir algo de que não estava à espera. O que é algo que nos deixa muito satisfeitos, porque é um público novo, que sabe reconhecer a qualidade apresentada e se deixa envolver pelo “bruaá” das propostas.
No embalo do senhor da pergunta anterior, “Pessoas que não pensam, não deviam falar”. São Livraria e Editora.
O que vos prende, cativa, rouba e arrebata a atenção, para que um livro figure do vosso catálogo?
Bruaá: Acima de tudo tem de ser um livro em que conteúdo, material e design gráfico se conjugam para criar um bom objeto. São as três características fundamentais que, trabalhando sempre em prol umas das outras, definem um bom álbum ilustrado. De nada adianta ter uma excelente ilustração a tentar compensar a ausência de força do texto ou vice-versa. O equilíbrio tem de estar sempre presente.
– “Design só é design se transmitir conhecimento.” – Enzo Mari.
Os livros são o elemento dominante no vosso espaço, ou não fossem uma Livraria/Editora. Todavia, não se ficam por aí. Há jogos, há objectos quotidianos, há até sementes de girassol para plantar, há melros com olho gordo nas sementes e há lápis da tabuada da Viarco! Num passo atrás, ao pensamento, e sem sair do passo de Enzo Mari, há em todos, creio, um denominador comum: o conhecimento empírico (ou quase).
Primeiro, porquê ir além do livro?
Segundo, o que os faz serem objectos da Bruaá?
Terceiro, (filosofando um pouco) o quão importante é para vós o empirismo no crescimento da pequenada que é um público alvo vosso e o seu pensamento abstracto…
Bruaá: Tentamos ir além do livro, porque um livro pode, e deve ser sempre amplificado através de jogos, objectos, dramatizações, etc. Além disso, consideramos o acto de jogar absolutamente imprescindível, pelo que podemos chegar ao livro através do jogo e vice-versa. As pontes são sempre valiosas para amplificarem o sentido. O que os faz serem objectos da Bruaá, têm a ver com o facto de passarem pelo mesmo crivo dos livros: bom design gráfico, bom conteúdo, bom material. Quanto ao pensamento empírico, é extremamente importante, assim como o abstracto, porque são ingredientes essenciais para fortalecer a sua visão crítica face aos livros e ao que alguns adultos tontos lhes propõem como “literatura”.
Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras… Vamos ao desenho, à ilustração, à literacia visual, às serigrafias e demais grafias no vosso espaço. Este todo da imagem é ponto de superlativa exigência para a Bruaá, acerto?
Bruaá: Sim, a ilustração ganhou uma força avassaladora nos últimos anos, tanto em Portugal, como no resto do mundo, havendo, inclusive, cada vez mais livros que dispensam o texto, narrando apenas com a ilustração, o que demonstra a grande sofisticação que alcançou. No entanto, a literacia visual não tem acompanhado esta evolução o que acaba por determinar a fraca venda destes livros. No entanto, consideramos ser nossa obrigação, dentro das nossas possibilidades, de tentar criar uma montra do bom que se vai fazendo.
– “Acredito na verdade dos contos de fadas mais do que na verdade de um jornal.” – Lotte Reiniger.
Contraponto ao mundo Montessoriano o mundo do fantástico. No vosso trabalho, acreditar em contos de fadas – de um ponto verdadeiramente figurativo e lato – também faz parte da embalagem? É necessário equilibrar a fantasia e a lógica?
Bruaá: Sim. A fantasia, tal como a leitura, é um exercício vital de resistência ao mundo da lógica, da produção desenfreada, da visão capitalista da vida, porque ao mesmo tempo que nos oferece o escapismo necessário, obriga-nos a suspender o tempo, algo que é bastante subversivo nesta era da velocidade. Talvez não seja por acaso que os contos de fadas, nesse sentido figurativo e lato, nos “afectem” mais na infância e no outono da vida, ou seja, fora da idade produtiva.
– “O pensamento útil que procuras
Está escrito algures num livro.” – Edward Gorey.
Neste mundo em que tudo está ao alcance de uma “wikipedilândia”, uma sociedade sem livros físicos é ideia utópica ou possível realidade futura?
Bruaá: Utópica. Enquanto tivermos cinco sentidos, o livro andará por cá tal qual o garfo ou o machado que tão bem cumprem a sua função.
Agora, um super cliché que para quem entende a não superficialidade da obra é superlativo. “Ora, às vezes acredito em seis coisas impossíveis antes do pequeno-almoço.”, Lewis Carroll.
Seis coisas impossíveis em que conseguem acreditar antes do pequeno-almoço?
Bruaá:
1- Vai correr tudo bem.
2- Vai correr tudo bem.
3- Vai correr tudo bem.
4- Vai correr tudo bem.
5- Vai correr tudo bem.
6- Vai correr tudo bem.
Digo exactamente isso, sempre que entro na Bruaá. Para não ceder ao ímpeto de esvaziar a livraria.
Por fim, que mudariam na frase “Livros. Gatos. A vida é boa.” de Edward Gorey?
Bruaá: Livros. Bicharada em geral. Vinho em particular. A vida não é tão má assim.
Ir à Bruaá resume-se essencialmente a dois estados linguísticos: exclamação e imperativo.
A exclamação à chegada – (mesmo que seja a vigésima quinta vez que entra na livraria) – com o “WOW!” que lhe sai a velocidade supersónica, sem pedir licença – (seja por novos livros chegados ou por finalmente olhar com olhos de bem ver aquela serigrafia dos gatos de Félix Vallatton).
O imperativo à saída com “Voltarei!”, que sai em vez do correctíssimo coloquial “Adeus, obrigada!”. Porque ficam sempre coisas para levar de uma próxima visita, ficam sempre livros por descobrir e postais por abrir.
Na Figueira da Foz ou em Coimbra, a Bruaá é livraria que tem de ser passagem obrigatória para si, se gosta de fugir ao livro mais banal ou comercial, se gosta de se surpreender e surpreender alguém (dos 0 aos 100).
A visitar. A deixar-se perder!
Caso não lhe seja impossível visitar o espaço, numa destas duas cidades, nada como uma visita ao site da Bruaá e perder-se em compras online. •