Qualidade, criatividade, preço. Qual o futuro da restauração? / Chef Diogo Noronha

Ameaça Vegetal é o nome do restaurante virtual de Diogo Noronha, onde os pratos exaltam a dieta de base vegetal em alinhamento com o já há muito conhecido compromisso do chef com a sustentabilidade, a sazonalidade e o respeito pelo chamado “quilómetro zero”, sem descurar o sabor. Mas há muito mais para ler nesta entrevista.

Trocar Lisboa por Nova Iorque foi o grande passo de Diogo Noronha rumo à consciência alimentar. Aconteceu no Natural Gourmet Institute for Health Culinary Arts, localizado na “Cidade que nunca dorme”, ponto de partido que levou o chef português em cozinhas locais e, mais tarde em Barcelona, durante a sua viagem pelo mundo em sete anos. Com o regresso a Portugal, em 2009, somou os restaurantes Pedro e o Lobo, Casa de Pasto, Vinharia, Rio Maravilha e Pesca ao seu percurso profissional até chegar a 2020, ano em que se torna o co-fundador e chef executivo do colectivo Foodriders, projecto que envolve tecnologia, arte e sustentabilidade.

A que se dedicou a fazer durante estes últimos meses?
Tenho estado envolvido no desenvolvimento do projecto Foodriders, um colectivo de profissionais de várias áreas que, num cenário de pandemia, se uniu para formar uma start-up capaz de dar resposta aos actuais desafios. Como chefe executivo e co-fundador, tenho trabalhado na afinação do conceito Las Gringas (uma das marcas do colectivo) e fazer nascer o recém-anunciado conceito Ameaça Vegetal.
Este restaurante virtual, disponível para take away na Penha de França e para delivery em foodriders.co e na plataforma Uber Eats, oferece um menu flexitariano, pensado para quem quer fazer a transição para uma dieta virada para o futuro, mais saudável e sustentável. Mas o colectivo é um projecto mais amplo e vai além dos restaurantes virtuais, estendendo-se por inúmeros projetos na área das artes. Temos já uma rádio online, a East Side Radio, uma curadoria de fotografia, que transforma as nossas garrafas em expositores de arte, uma fanzine e muito mais. 

Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?
Houve tempo, mas a um ritmo acelerado, como sempre. Isto porque quisemos reagir o mais rapidamente possível, dadas as circunstâncias. A Marta Fea, o Damian Irizarry (criadores do Pistola Y Corazon e da marca Las Gringas) e eu, juntamente, com os restantes elementos do colectivo, a partir do momento em que nos alinhamos numa direcção, seguimos um processo que não foi muito diferente de abrir um restaurante convencional: desenvolver o conceito e a ementa, testar receitas, formar equipas e descobrir um novo formato ajustado aos novos tempos. Tivemos vários desafios como procurar packaging, adaptar a ementa, adaptar as tecnologias a uma experiência e modelo que nos permitam atenuar a actual distância física que existe com os clientes. 

Se lhe pedisse para falar sobre o seu percurso profissional, o que diria acerca destes 12 meses? 
Foram meses de profunda reflexão, de valorização do caminho feito até aqui, mas também de muita tomada de decisões. Estes últimos meses representam uma nova direcção. Foram meses para arriscar formatos e preparar o futuro. O resultado é que estou a viver uma fase feliz, cheia de desafios, muito realizado e focado.

Está a desenvolver pratos/criações para a nova temporada que se avizinha? Pode levantar o véu?
Acabamos de lançar a Ameaça Vegetal, um projecto que vai viver muito de sazonalidade e da minha relação com produtos e pequenos produtores. Estamos a desenvolver novidades na proposta Las Gringas, o que me tem permitido mergulhar mais profundamente na cultura gastronómica mexicana, que sempre admirei. Tenho de admitir que há mais projectos a médio prazo, nomeadamente um food truck que temos na garagem e que queremos tornar num instrumento para chegar mais perto da comunidade Foodriders e uma App que irá permitir ao cliente, entre inúmeras coisas, a rastreabilidade dos ingredientes usados pelas nossas marcas.

Que novidades poderá incluir nos menus de degustação e na carta desta Ameaça Vegetal?
As criações vão ser muito viradas para o universo plant based, sempre com a sazonalidade e a qualidade dos ingredientes como prioridades. Não vão existir menus de degustação. É um conceito que se inspira muito nas minhas experiências passadas, inspirações em culturas que gosto e que reflecte a minha identidade e personalidade, mas sem pretensões de virar para um contexto mais fine dining ou gastronómico. A Ameaça Vegetal é muito livre e descomprometida.

Que mudanças implementou na sua cozinha, no sentido de abranger um público mais lato ou a estratégia é cingir o serviço a um grupo mais restrito de clientes? Como explica esta decisão?
As mudanças representam, de certa forma, uma evolução, mas também o regresso a uma dieta de base vegetal. Foi assim que comecei como cozinheiro e é nesse registo que me sinto confortável. Utilizo produtos de origem animal, mas o foco é menos quantidade e mais qualidade. A estratégia é abranger o máximo de pessoas possível, mantendo uma boa relação qualidade preço. O desafio é sempre a consistência, construir uma equipa forte, talentosa e motivada.

Qualidade. Criatividade. Preço. Como é a sua cozinha e como vê o futuro do sector da restauração a partir destas três palavras?
Qualidade: assumir a responsabilidade de contribuir para um sector mais sustentável, limpo, justo, inclusivo, assente em escolhas que promovam um maior equilíbrio dos recursos naturais.
Criatividade: Estou convencido de que a dieta do futuro é de base vegetal. Neste sentido penso que vai haver uma natural evolução dos receituários de várias culturas, com a utilização de novos ingredientes, e a combinações de sabores e técnicas. As alterações climáticas que estamos a viver estão a provocar o desenvolvimento de determinados produtos em geografias que anteriormente não eram possíveis. Vamos passar alguns anos de adaptação e mudança. Espero que o sector seja capaz de acompanhar tudo isto da melhor forma possível. O sector deverá assumir, na minha opinião, o papel de liderança e inovação. 
Preço: vai ser um dos maiores desafios! Procurar a melhor qualidade possível com preços acessíveis ao maior número de pessoas. Não depende só do sector. Todos nós temos a responsabilidade de começar a alterar os nossos padrões de consumo. Valorizar mais o local, respeitar as estações e a abundância dos produtos em cada uma delas, por exemplo.

Quão desafiante se tornou este último ano no percurso do chef?
Foi um ano com muitos desafios para todos. No meu caso, fechou o Pesca, acabei por não abrir um restaurante que estava pronto para Abril de 2020. Saí da Plateform, fechei um ciclo com algumas pessoas que me acompanharam durante vários anos, mas também tomei decisões importantes para o meu caminho profissional e, finalmente, vou ser pai! Estou feliz, sinto-me realizado e optimista com o futuro: Foodriders, get a ride!

+ Foodriders

© Fotografia: D.R.

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