Façamos um desvio até à cidade do Funchal, na Ilha da Madeira, para falarmos com Júlio Pereira, chef e proprietário dos restaurantes Kampo e Ákua, e da padaria Kôdea que, nos últimos 12 meses, investiu nos seus espaços, na formação e gestão das equipas e na qualidade do produto, acções que sempre apostou em crescendo ao longo do seu percurso profissional.
Investidor, inovador e um grande cozinheiro, Júlio Pereira nasceu na Carvoeira, freguesia do concelho de Mafra, e cedo aprendeu a valorizar a terra, a respeitar os alimentos e a aprimorar o palato graças a três familiares, respectivamente, o avô, o pai e a mãe. A formação na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril permitiu-lhe viajar, adquirir novos conhecimentos e somar experiências, mas é na Ilha da Madeira que permanece há mais tempo. O ano de 2013 marca o seu regresso ao Funchal cidade que, mais tarde, vê o abrir de portas de um trio de espaços “by Che Júlip Pereira”: o Kampo, em Dezembro de 2018, muito centrado nos pratos de carne e nos hortícolas, sem descurar o pescado; o Ákua, em Julho de 2019, com uma carta mais focada nos peixes e mariscos; e o Kôdea, em Maio de 2020, com forno a lenha para cozer o pão entre outras sugestões para o pequeno-almoço e o lanche.
A que se dedicou a fazer durante estes últimos meses?
Os meus espaços estão na Região Autónoma da Madeira, por esse motivo não tivemos tantas restricções como em Portugal Continental. Só em Abril e Maio de 2020 é que fechamos totalmente. A partir daí tem sido alternado entre encerramento as 18h00 e as 22h00. Mas nestes tempos de incertezas avançamos com o projecto da Padaria Kodea e aproveitamos para refazer conceitos, obras, formação e planeamento de reaberturas a cem por cento. Mantivemos a Padaria e o Kampo sempre abertos, abrimos o Akua consoante a procura no Kampo e acrescentamos o take away e o delivery nos nossos serviços.
Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?
Sim, estive mais tempo que nunca em redor das equipas e voltei a ser cozinheiro, como nos velhos tempo. Formamos mais no aspecto de gestão de equipas.
Se lhe pedisse para falar sobre o seu percurso profissional, o que diria acerca destes 12 meses?
Foi um trabalho muito difícil a nível psicológico. A incerteza do dia de amanhã, literalmente falando, foi dos aspectos mais difíceis. Fazer uma gestão financeira com pouca receita, a dúvida de fechar ou manter abertos os espaços, aproveitar ou não para fazer investimento no melhoramento dos espaços, manter ou reduzir estrutura de recursos humanos, investir ou não em marketing… Uffffaaaa! Muita ansiedade e muita maluquice junta! Mas passados esses 12 meses, acredito que tomamos as decisões certas e que estamos mais bem preparados para o que de positivo possa aí vir. Se for negativo, teremos de recomeçar outra vez.
Está a desenvolver pratos/criações no KAMPO e no ÁKUA para a temporada que se avizinha? Pode levantar o véu?
Sim, estamos entusiasmados com este possível recomeço. Neste tempo passado encontramos novos produtores aqui na Madeira e vamos ter novos produtos nos menus.
Que novidades pondera incluir no KÔDEA?
Vamos iniciar alguns pães com farinhas regionais e vamos também trabalhar num conceito de comida mais sustentável, com uma pegada de carbono pequena e com produtos bio regionais.
Quais as mudanças que teve de implementar nas suas cozinha, no sentido de abranger um público mais lato ou a estratégia é cingir o serviço a um grupo mais restrito de clientes? Como explica esta decisão?
Mantivemos os nossos menus e os nossos preços. Apostamos na proximidade com os nossos clientes e, por vezes, até sou eu a ir fazer as entregas em casa dos clientes. É nisso que eu acredito, na personalização dos produtos e dos serviços e não no empobrecimento dos nossos tecidos empresariais. Se os clientes querem comida barata e justa terão outras alternativas que existem no mercado.
Qualidade. Criatividade. Preço. Como é a sua cozinha e como vê o futuro do sector da restauração a partir destas três palavras?
Tal como mencionei na resposta anterior, o preço nunca poderá ser o factor de diferença. Acredito na valorização da cadeia do produto, na valorização do produtor e demonstração ao consumidor. Depois deste passo ser dado, a qualidade já está incluída, depois virá a criatividade. Os projectos só são de sucesso se tiverem resultados financeiros positivos, para podermos voltar a investir nesta mesma cadeia, figurando a “pescadinha de rabo na boca”