O longo percurso como cozinheiro de Miguel Castro e Silva é uma lição de vida regida pela experiência associada a responsabilidade, rigor e inovação, palavras que transcrevem a sabedoria de um dos mais conceituados chefs do nosso país que deixa uma espécie de mensagem: “temos de nos reinventar e olhar para a frente”.
Miguel Castro e Silva há muito que é reconhecido pelos pares como uma das mais incontornáveis figuras da cozinha em Portugal cujo início acontece em 1992, numa propriedade na Maia, distrito do Porto. Chamava-se Quinta dos Vales que, ao final de dois anos, “muda” para a foz da Invicta, onde começam os jantares vínicos em parceria com afamados produtores do país. Segue-se o Bull & Bear, em 1997, época em que a sua cozinha recebe críticas ao mais alto nível, o Restaurante Café Concerto, no Teatro Rivoli, a distinção de “Cozinheiro do Ano”, em 2000, concedida pela Academia Portuguesa de Gastronomia, o primeiro livro – “Uma Cozinha de Aromas” – e a eleição para o primeiro lugar na estreia do International Who’s Who of Chefs. Acresce a consultoria na Fundação de Serralves, no Porto, e na Quinta da Romaneira, em pleno Douro, e o destaque para a publicação de três receitas da sua autoria no ilustre Larrousse Gastronomique, sem esquecer o bbGourmet. Em 2009, ruma a Lisboa para o deCastro Elias e, um ano depois, para a cozinha do Largo, no Chiado. O DeCastro Gaia, no Espaço Gran Cruz, em Vila Nova de Gaia, surge em 2012 e, em 2014, chega a vez do corner com o seu nome no Mercado da Ribeira, bem como da abertura do DeCastro Flores, o Less e a consultoria na Fundação Gulbenkian, a somar ao “Prémio David Lopes Ramos”, da Revista de Vinhos, e ao livro “Na Cozinha de Miguel Castro e Silva“. O ano de 2018 é marcado pelo Casario, restaurante instalado na Gran Cruz House, na Ribeira do Porto, e recebe de braços abertos a responsabilidade de recuperar a cozinha da região duriense no Cantina, do Ventozelo Hotel & Quinta, em São João da Pesqueira.
A que se dedicou a fazer durante estes últimos meses?
Para além da gestão financeira, e não só, necessária para gerir a crise, dediquei muito tempo à pesquisa, nomeadamente para a Quinta de Ventozelo. O tema que identifiquei é o património gastronómico da zona de influência da bacia hidrográfica do Douro, que vai de parte da Beira Alta a Trás-os-Montes com incursões no Minho.
Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?
Acabei por ter muito mais disponibilidade do que se estivesse em plena laboração. Parte do tempo foi à procura e leitura de livros, mas também consegui tempo para arrumar muitas fichas técnicas e informação “espalhada” no meu computador. Tinha coisas duplicadas, mas com pequenas diferenças, etc.
Se lhe pedisse para falar sobre o seu percurso profissional, o que diria acerca destes 12 meses?
Diria que, como em outras crises que vivi nos últimos 30 anos, temos de nos reinventar e olhar para a frente.
Está a desenvolver pratos/criações para a temporada que se avizinha? Pode levantar o véu?
Para além do trabalho sobre compotas e conservas que comecei a produzir em pequena escala, consegui repensar toda a oferta que terei em Ventozelo. E no Casario revimos a forma de apresentar a ementa. Sem perder o rigor nem o conteúdo, demos um toque mais informal.
Que novidades pondera incluir nos menus de degustação e na carta aquando da reabertura do Casario, da Cantina de Ventozelo e do DeCastro Gaia?
Em Ventozelo estamos a aprofundar a prática de uma cozinha regional e responsável. Temos novas hortas que vão começar a produzir e cultivamos uma relação cada vez mais forte com os nossos fornecedores de proximidade. No Casario e em Gaia, o José Guedes e eu estamos a ensaiar novos pratos na linha do que fizemos no primeiro desconfinamento.
Vai implementar mudanças na sua cozinha, no sentido de abranger um público mais lato ou a estratégia é cingir o serviço a um grupo mais restrito de clientes? Como explica esta decisão?
O Casario é, até pela dimensão, um restaurante mais intimista. Em Gaia temos um terraço com muito boa disposição e com uma frequência multifacetada. E Ventozelo é uma paixão. Nunca será um produto massificado. Acho que é para manter.
Qualidade. Criatividade. Preço. Como é a sua cozinha e como vê o futuro do sector da restauração a partir destas três palavras?
Qualidade é sempre o compromisso primário, até pela responsabilidade que temos. Para mim a cozinha é uma forma de expressão. Precisa de criatividade e exigência técnica, e é, também, um catalisador para produtos e regiões. Quanto ao preço, tento sempre que o cliente saia com uma percepção de que foi bem servido.
Quão desafiante se tornou este último ano no percurso do chef?
Sair o melhor possível desta crise e cultivar alguma esperança.