“Metropolis” é um quadro que vem de (1916-) 1917, ano em que ocorreu a Revolução de Outubro, a Leste – Rússia, e em que a “Fonte” de Marcel Duchamp provocaria estrilho, a Oeste – Estados Unidos da América.
É um quadro a vermelho e a azul, a quente e a frio, exactamente como o foi a revolução russa e o mictório com pretensão a obra de arte. O “sangue” e a “urina” bem podem ser alegorias férteis para compreender um dos caminhos que a Modernidade seguiu: a guerra contínua (ainda) e a indiferença congénita. Nós sabemos que a arte já pouco pode no sentido de inventar outros modos de mundo, porque o mercado, esse vórtice impiedoso – máquina de manutenção da guerra e de provocação da indiferença, deglute tudo e atribui à obra um preço de aquisição que a insere numa montra de raridades todas iguais onde não avulta a singularidade, mas antes o termómetro capital. E capital num duplo sentido: no do dinheiro e no da pena. Repare-se que as figuras humanas de “Metropolis” flutuam sobre a cidade, mas sem ser a voar, ou seja, sem ganharem asas, mas sim como se pairassem prestes a serem deglutidas pelo encarniçamento; e a sua natureza é a frieza. Por outro lado, existe um contraste entre a carne – feminina e o hábito – masculino.
Esta é uma cidade rarefeita, agitada pela parafernália de tudo quanto é grotesco, inflamada pelo sexo, pela maquinação, pela agitação, pela bebedeira, pelo excesso, pelo desencontro, também. Repare-se que os planos são múltiplos, fragmentados, desencontrados, entrecruzados, sobrepostos, o que nos transmite a ausência de serenidade, de acordo, de confluência. É uma cidade que engole os seres humanos, exactamente como o mercado deglute tudo. Dirige-se uma acusação à representação na arte, que é a de ter congelado e aperreado a realidade, mas esquece-se que um real deslaçado, estilhaçado, dispersivo, em que o acaso não é acolhido como riqueza, mas sim como paranoia, não apresenta um contraponto vantajoso. Sabemos, eventualmente, que é muito difícil olhar para seja o que for com inocência, com a candura de um primeiro olhar, já que estamos literalmente encharcados – de tempo, de trabalho, de coisas a que não se atribui valor, de palavras vãs, ou seja, tudo parece escorrer, oleado por um espírito maligno. E, no entanto, “Metropolis”, de George Grosz, tem um ponto de fuga fundamental que é uma espécie de olho sem fim à vista, vertigem que nos leva bem para o fundo: não há transcendência aqui, apenas uma imanência contínua e rastejante.
“Metropolis” é uma entidade serôdia e doente. As cidades necessitam de tratamento urgente, porque de sangue e urina, o que significa, de guerra e indiferença, anda-se atolado até ao pescoço. Podem ver este quadro de George Grosz no Museu Thyssen-Bornemisza, em Madrid; mas a experiência que retrata pode ser certamente encontrada sem ir tão longe.