O Festival Jazz ao Centro comemora a sua 20.ª edição com um cartaz que se estende ao longo de um mês e que irá decorrer em sete espaços da cidade de Coimbra como a Casa das Artes Bissaya Barreto, o Convento São Francisco, as antigas instalações da Coimbra Editora (actualmente propriedade da Critical Software), o Museu Nacional Machado de Castro, o Salão Brazil, o Seminário Maior e o Teatro Académico de Gil Vicente.
Do solo ao grande formato, da intrincada composição à improvisação livre, dos veteranos quase centenários aos jovens talentos nos seus “vinte e poucos”, a vigésima edição do Festival Jazz ao Centro resume na perfeição o caminho até agora percorrido: oferecer um olhar (necessariamente incompleto) sobre a riqueza e diversidade do Jazz feito nos dias que correm, em diferentes geografias.
Para José Miguel Pereira, director do Festival, esta edição “sintetiza na perfeição o percurso iniciado em 2003, e assenta no compromisso de divulgar, simultaneamente, a riqueza da tradição e os muitos caminhos do futuro, abrindo portas à experimentação e ao cruzamento com outras abordagens musicais”. Um dos principais fatores distintivos do Festival é a forte aposta na criação artística, tendo já sido editados mais de duas dezenas de discos gravados no seu âmbito. Igualmente importante é a tentativa de não permanecer somente nos espaços convencionais de apresentação de concertos, promovendo a (re)descoberta de espaços singulares da cidade tanto como o encontro com novas sonoridades”.
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O concerto inaugural do Festival Jazz ao Centro – Encontros Internacionais de Jazz de Coimbra teve lugar a 18 de janeiro de 2003, numa altura em que a cidade se preparava para lançar o programa que a celebrava como Capital Nacional da Cultura.
Foi o culminar dos esforços de um conjunto alargado de pessoas que não só traçaram as linhas gerais do que viria a ser o festival, como também, para lançaram as bases para a criação da Associação Cultural que o viria a organizar futuramente: o Jazz ao Centro Clube.
O Jazz ao Centro – ou os “Encontros” (como muitos lhe chamam) – conheceu vários modelos, sendo que o formato que conhecemos hoje em dia só surgiu no último terço da vida do Festival, quando em 2016 se passou a realizar em Outubro. Transformações aparte, manteve-se sempre uma coorganização da Câmara Municipal de Coimbra e do Jazz ao Centro Clube.
Independentemente dos formatos, há um conjunto de características que se mantiveram inalteradas e entre as quais convém destacar, por um lado, o lugar privilegiado da criação, tendo sido editados mais de 20 discos gravados no seu contexto (em editoras como a Clean Feed, a Cipsela e a JACC Records) e, por outro, a visão heterodoxa que permite abrir espaço a “todos os jazzes”, dos mais devedores da tradição até aos que desafiam as fronteiras do género.
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Na celebração das suas 20 edições, o Jazz ao Centro chega-nos com um programa com 11 concertos que, sem mais demoras, apresentamos para lhe cativar o ouvido e, consequentemente, a estar presente em mais uma obrigatória edição.
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PROGRAMA
Concerto de arranque, realizado ontem, quinta-feira, 22/09, 21h30 – Outros Mashup: Rodrigo Brandão convida Sun Ra Arkestra / Salão Brazil.
Rodrigo Brandão Voz; Marshall Allen Sax Alto + electrónicas *; Knoel Scott Sax Tenor; Elson Nascimento Timbalão; Rodrigo Amado Sax; Hernâni Faustino Contrabaixo; Carla Santana Electrónicas; João Valinho Bateria.
Por motivos de saúde, Marshall Allen viu-se impedido de viajar com os restantes elementos da Arkestra. Em sua substituição, estará o trompista Vincent Chancey, membro da Arkestra há mais de quatro décadas. Rodrigo Brandão tem-se ocupado da construção de pontes, numa engenharia outra, menos (pre)ocupada com estruturas do que com fluxos e movimentos. A recente mudança para Lisboa juntou mais um ponto a ligar ao percurso iniciado com Marshall Allen, atual líder da Arkesta, em 2019 (e que podemos ouvir no registo “Outros Espaços”, gravado no SESC Jazz Festival, em São Paulo) e que prossegue agora com uma série de concertos em Portugal, unindo Allen e dois outros músicos da Arkestra – Knoel Scott e Elson Nascimento – a alguns dos mais notáveis representantes da cena da
música livremente improvisada em Portugal: Rodrigo Amado, Hernâni Faustino, João Valinho e Carla Santana.
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24/09, 22h00 – Alabaster dePlume / Salão Brazil.
Alabaster dePlume voz, sax tenor; Conrad Singh guitarra, voz; Donna Thompson voz, percussão; Momoko Gill bateria, voz; Marcelo Viana Frota guitarra, voz.
Gus Fairbairn aka Alabaster dePlume não era a figura mais provável para associar aos muitos artistas que vêm renovando o jazz britânico, pelo menos até meados de 2020. Até essa altura, era sobretudo (re)conhecido nas margens criativas da cena londrina, onde alguns já o nomeavam como “o segredo mais bem guardado” do jazz britânico.
O álbum To Cy and Lee: Instrumentals Vol. 1 mudou tudo. Impregnado pelas práticas de cuidado em que Gus havia estado envolvido na sua Manchester local, trabalhando numa instituição de solidariedade social, o disco é uma coleção de canções também creditadas a Cy e Lee, duas pessoas com dificuldades de aprendizagem que foram acompanhadas por Alabaster. Lançado a 28 de fevereiro de 2020, o disco tornou-se, para muita gente, o bálsamo perfeito para os longos confinamentos que se seguiram. Alavancado por excelentes prestações ao vivo em importantes palcos europeus, Alabaster dePlume chega-nos já longe de ser um desconhecido, trazendo consigo um novíssimo disco (GOLD, editado pela International Anthem em abril de 2022) e mantendo inalterado o encanto da sua música.
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05/10, 17h00 – Nicole Mitchell / Museu Nacional Machado de Castro.
Nicole Mitchell Flauta, piccolo, eletrónica.
Nicole Mitchell é uma das mais notáveis flautistas na área do Jazz e das Músicas Improvisadas e tem sido reconhecida enquanto tal ao longo dos últimos anos. A prestigiada Downbeat Magazine, por exemplo, tem distinguido Mitchell como Melhor Flautista do Ano no seu inquérito anual aos críticos desde 2010. Além de instrumentista, é compositora e líder de vários projetos musicais, como Black Earth Ensemble. A sua música celebra a cultura Afro-Americana e, ao longo da última década, tem recebido inúmeras encomendas de instituições relevantes na vida cultural dos EUA, o que lhe tem permitido expandir as possibilidades composicionais, das quais a suite afro-futurista Mandorla Awakening é o principal exemplo. Foi recentemente nomeada diretora do programa de Estudos de Jazz da Universidade de Pittsburgh.
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14/10, 18h00 – Peter Brötzmann / Seminário Maior de Coimbra.
Peter Brötzmann Saxofone Tenor, Clarinete, Tárogató.
Brötzmann é um dos mais relevantes improvisadores da história do Jazz Europeu. A sua voz singular, marcada pela paixão e intensidade, tem sido uma presença incontornável desde a década de 60. Desde então, exerceu enorme influência através de grupos como Die Like a Dog (com Toshinori Kondo, William Parker e Hamid Drake) e Last Exit (com Ronald Shannon Jackson, Sonny Sharrock e Bill Laswell) e os trios que manteve com Fred Van Hove e Han Bennink, e com William Parker e Hamid Drake. Também causaram impacto as suas formações alargadas, März Combo e Brötzmann Chicago Tentet. Os seus solos demonstram conhecimento profundo da tradição e sensibilidade à flor da pele.
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14/10, 19h00 – Heather Leigh / Casa das Artes Bissaya Barreto
Heather Leigh Pedal Steel Guitar.
O seu trabalho tem levado a pedal steel guitar para territórios pouco trilhados pelo instrumento, mais conhecido pelo seu papel na música country. Embora viva em Glasgow, Heather Leigh nasceu na Virgínia e cresceu no Texas, perto da cidade de Houston, onde aprendeu a tocar. Por mais de duas décadas, tem redefinido as fronteiras tonais e sónicas da pedal steel guitar. Paralelamente a este trabalho, integrou a formação Charalambides (de Tom e Christina Carter) e colaborou com músicos como Thurston Moore, Jandek e Chris Corsano. Em 2004, foi co-fundadora da muito influente Volcanic Tongue, uma distribuidora / loja de discos / editora, extinta em 2015, ano em que Leigh lançou o aclamado I Abused Animal, disco que lhe trouxe reconhecimento global. Throne (2018) e Glory Days (2021) cimentaram a reputação do seu trabalho a solo.
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15/10, 21h30 – Peter Brötzmann & Heather Leigh / Antiga Coimbra Editora (Futura Critical Software)
Peter Brotzmann Saxofone Tenor, Clarinete, Tárogató; Heather Leigh Pedal Steel Guitar.
A arte do duo deve sempre algo ao laço que liga dois seres humanos para além da música. A relação entre Peter Brötzmann e Heather Leigh foi construída em múltiplos encontros ao longo dos últimos sete anos, permitindo fortalecer uma cumplicidade que se torna evidente quando ouvimos a sua música. A imprensa especializada tem feito a sua parte para tentar descrever a experiência de um concerto do duo ao vivo, mas os resultados têm ficado, inevitavelmente, aquém. Depois dos solos do dia anterior, o público do Jazz ao Centro vai poder conferir ele próprio o carácter excepcional deste duo e da música por eles criada em tempo real, numa espécie de composição instantânea que emerge da interação de dois notáveis instrumentistas.
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21/10, 21h30 – Maria João & Carlos Bica Quarteto / Convento São Francisco (Sala D. Afonso Henriques).
Maria João Voz; Carlos Bica Contrabaixo; André Santos Guitarra; João Farinha Piano e Teclados.
Passados mais de 35 anos sobre os primeiros encontros, Maria João e Carlos Bica voltam a partilhar um projeto musical, desta feita com a cumplicidade de André Santos (guitarra) e João Farinha (piano e teclados), dois dos mais talentosos músicos de uma nova geração na cena portuguesa. Os caminhos de João e Bica cruzaram-se muito cedo, tendo ficado esses encontros registados em trabalhos discográficos como os discos Conversa (1986) e Sol (1991). O reencontro feliz acontece com temas escolhidos a dedo, rodados nos palcos ao longo dos últimos dois anos e agora reunidos em disco, com edição da JACC Records.
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21/10, 23h00 – Leonor Arnaut, João Carreiro & João Pereira “Living with a Couple” / Salão Brazil.
Leonor Arnaut Voz; João Carreiro Guitarra; João Pereira Bateria.
Concerto final residência artística de criação/gravação.
Living With a Couple são Leonor Arnaut, João Carreiro e João Pereira. Frente ativa de uma nova geração de improvisadores nacionais, são também figuras de destaque da Robalo Music, coletivo que se desdobra na edição fonográfica e programação nas áreas mais aventurosas do jazz e música improvisada. A relação quase familiar ecoa na sua relação musical, explorando em conjunto sonoridades e diálogos. No âmbito do Festival Jazz ao Centro, estarão em residência de criação / gravação no Salão Brazil, numa estadia que se espera possa resultar no disco de estreia do trio.
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22/10, 21h30 – Ambrose Akinmusire Quartet / Teatro Académico de Gil Vicente.
Ambrose Akinmusire Trompete; Fabian Almazan Piano; Harish Raghavan Contrabaixo; Tim Angulo Bateria.
Ao longo de década e meia de carreira, Ambrose Akinmusire tem sido colocado, simultaneamente, ao centro e nas margens do jazz. Talvez isso se deva ao facto de estar sempre em busca de novos caminhos e, também, à sua abordagem pouco ortodoxa ao som e à composição, características que lhe têm valido reconhecimento como um dos mais relevantes nomes do jazz contemporâneo.
A Coimbra, Ambrose traz On the Tender Spot of Every Calloused Moment, o seu sexto disco com o selo da Blue Note, que reflete os sentimentos do trompetista e compositor após uma visita a Oakland, na Califórnia (a sua cidade natal) e do estranhamento provocado pelos efeitos da imparável gentrificação que alterou a paisagem urbana e social de forma irremediável. Ladeado por três parceiros musicais de longa data, o concerto no TAGV vai-nos permitir ver e ouvir um nome cimeiro do jazz no topo das suas capacidades, enquanto instrumentista e compositor.
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22/10, 23h00 – Diogo Alexandre Bock Ensemble / Salão Brazil.
Diogo Alexandre bateria e composição; Tomás Marques saxofone alto; João Mortágua saxofone soprano; Paulo Bernardino clarinete baixo; André Fernandes guitarra; Bram De Looze piano; Demian Cabaud contrabaixo.
Ex-aluno do Curso Profissional de Instrumentista de Jazz do Conservatório de Música de Coimbra, Diogo Alexandre cedo nos habituou ao melhor, trabalhando arduamente para atualizar um talento que parecia natural. Ainda durante a frequência na Escola Superior de Música de Lisboa, Alexandre viu o seu
trabalho reconhecido por diversas vezes, tendo sido galardoado com prémios como “Prémio Jovens Músicos 2019” (RTP/Antena 2), “Músico Revelação 2020” (Prémio RTP/ Festa do Jazz) e “Artista Revelação 2021” (Jazz Logical).
O Bock Ensemble é o veículo para as composições de Diogo Alexandre que encontraram caminho para o seu disco de estreia, intitulado Pipe Tree (JACC Records, 2022). Os músicos foram escolhidos a dedo, sendo que, para o jovem compositor, era importante “o equilíbrio entre intelecto e expressão (…) tendo que tocar com a precisão de um músico de câmara, mas também improvisar novas partes em tempo real.”. O resultado final (em disco e ao vivo) impressiona, e confirma Diogo Alexandre como um
dos mais notáveis valores da sua geração.
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23/10, 18h00 – Mário Laginha & Banda Sinfónica da Filarmónica União Taveirense / Grande Auditório do Convento São Francisco.
Mário Laginha piano e composição; Banda Sinfónica da FUT, dirigida pelo Maestro João Paulo Fernandes.
A Filarmónica União Taveirense (FUT) foi fundada em 21 de Abril de 1869. Ao longo do tempo, a centenária instituição soube responder a numerosos desafios, mantendo uma invejável dinâmica na sua escola de música, criando uma Orquestra Ligeira e, posteriormente, uma Big Band e uma Banda Juvenil.
No âmbito do Festival Jazz ao Centro, a Banda Sinfónica da FUT e o pianista e compositor Mário Laginha apresentam o Concerto para piano e orquestra. O Concerto é um dos formatos canónicos da música europeia ocidental, mas Laginha respondeu à encomenda do Festival Internacional de Música do Algarve (2009) com a sua conhecida bonomia. Segundo o próprio, houve que “encarar a tarefa com a mesma descontracção com que componho para formações bem mais pequenas. As minhas influências passam por muitos dos compositores que referi, mas também pelo jazz, música étnica, etc.”.
Uma obra que é, portanto, um ponto de encontros de estilos e tradições e que agora chega ao palco do Grande Auditório do CSF com Laginha à frente da Banda Sinfónica da FUT.
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A tomar nota de tudo. A não perder, em Coimbra. •